Análise da Música "O Crime não compensa" e aplicação do determinismo para compreender o comportamento.


Decidi escrever este post após assistir o seguinte clipe musical (é necessário ver ele pelo menos até a metade):

Admito que não sou muito fã de funk pois normalmente estes são compostos por letras muitas vezes desinteressantes para mim e que ficam, por vezes, no banal (pelo menos os que a mídia dá atenção). Desde que andava de skate tive a oportunidade de ter maior contato com a cultura “das ruas” em especial o rap e o hip-hop mas o funk esteve alí sempre. Valorizei e valorizo muito esta arte pois normalmente ela nos traz a possibilidade de enxergarmos com melhor atenção a realidade tão próxima mas ao mesmo tempo tão alienada da população da periferia.

O que chama atenção neste vídeo (além do evidente talento do MC Yuri) é a letra escrita por ele e a mensagem que nos passa. É comum observar no discurso de grande parte da população uma culpabilização individualizada quando se trata da inserção de menores no crime e os motivos porque as pessoas entram em uma vida “bandida”. O discurso normalmente é carregado por adjetivos como “vagabundo”, “fraco”, “burro” e por aí vai... o indivíduo acaba por ser culpabilizado ao extremo, como se fosse uma escolha livre dele entrar em uma vida que além dele ter o risco de morte e de prisão não é tida como digna (e as pessoas tem consciência disso) devido aos malefícios que pode trazer para a sociedade em um geral. Queria dizer que considero este discurso um erro pois, como a música nos mostra grande parte da população de periferia está sujeita ao controle de um ambiente extremamente hostil e nada reforçador que condiciona as pessoas (no caso do Yuri um menino de 10 anos) a aceitarem “bicos” dentro do crime organizado menos por terem características de ser um “vagabundo” e “malandro” mas sim porque a dispensa da casa está vazia, não há comida, a mãe chora e os irmãos ficam doentes e por aí vai (um tanto quanto enlouquecedor não?). Esta pessoa realmente tem possibilidades concretas de alguma escolha a respeito de sua própria sobrevivência? Praticar o contra-controle neste meio se torna extremamente difícil e um trabalho realmente para poucos (que são exceções) que conseguiram ao longo de seu histórico desenvolver maneiras de superar isto e também tiveram oportunidades (como o “dono da lotérica”) que possibilitaram condições de uma vida alternativa dentro do caráter emergencial de sobrevivência do indivíduo. Felizmente Yuri, que sofreu este processo, teve uma boa visão das contingências as quais estava submetido e não abandonou sua origem, no sentido de que não assumiu para sí o mesmo discurso individualizado típico no qual é comum a pessoa vangloriar-se de suas capacidades e do fato de (em tese) ser melhor que os outros por ter sido selecionado graças ao seu talento/perspicácia/trabalho e sim, pelo contrário; ele contou com uma oportunidade única e que não está aberta a todas as pessoas. Apesar de ser jovem Yuri demonstra uma consciência extremamente madura a respeito de sua conquista e da situação que vivia. Torço muito para o seu sucesso pois suas letras aparentemente tocam a uma realidade difícil e explicita as condições em que muitas pessoas vivem hoje e que são, infelizmente, fáceis presas de um discurso que as coloca na periferia da vida e legitima uma série de preconceitos, dentre eles um gravíssimo que é o da 'limpeza” social.

Evidentemente, na mesma linha seguida no parágrafo acima não é “culpa” de classes mais privilegiadas adquirirem esta noção individualizada e preconceituosa acerca dos porquês por detrás do crime e da pobreza das periferias urbanas. É realmente difícil entendermos isto lendo textos ou vendo televisão em nosso apartamento com vista para o mar, de barriga cheia, seguros, tentando decidir em qual curso vai passar na universidade federal ou que intercâmbio vai fazer para fora do país. Tendo tantas escolhas e condições de uma ascensão de vida realmente é inconcebível que alguém decida seguir um caminho como o do crime, afinal, “basta” esforçar-se para conseguir o que se quer mas a questão é: que condições existem no meio em que se é criado para este esforço ser direcionado e possibilitado? É muito tentador portanto adotar tal postura de julgamento diante de fatos como o de pessoas que hoje cometem delitos, aparentemente por serem vagabundos e malandros. As contingências ambientais não estão explícitas e estão mascaradas pela ação em sí do sujeito o que nos torna totalmente alienados de todo o histórico por detrás do rapaz que segura um fuzil.

Não acredito que as coisas se dão por acaso. Tudo tem um histórico por detrás. Todo comportamento está inevitavelmente sujeito ao histórico de vida do indivíduo e não surge por acaso ou de maneira mágica, fruto de uma “personalidade maléfica” ou algo do gênero. Acredito que a letra desta música facilita entendermos este processo e como ele pode se desnevolver.

Pensamentos acerca do filme "Gênio indomável"

Assisti hoje ao filme “Gênio Indomável”. O filme trata da história do gênio Will Hunting, um rapaz pobre que possui uma inteligência acima do normal e problemas em relacionar-se com as pessoas ao seu redor, com exceção de seu grupo de leais amigos que moram em seu bairro. Will acaba resolvendo um problema de matemática impossível deixado nos corredores por um renomado professor da universidade Harvard e surpreende este professor, que passa a ir atrás dele para levá-lo no caminho da pesquisa e ciência. Porém Will é uma pessoa problemática e com comportamentos anti-sociais, com uma ficha criminal já cheia de diversas ocorrências e agressões (ele que fez todas as suas defesas no tribunal e ganhou todas!) e após envolver-se em mais uma briga na rua é sentneciado a 50 anos de cadeia. O professor conversa com o juíz e o mesmo diz cancelar a pena de Will se o mesmo cumprir com 2 condições: a primeira é que deve ficar sob custódia do professor sendo este responsável por Will e, segundo, deve fazer terapia com um profissional e o professor deve acompanhar as sessões. Obcecado pela inteligência sobrenatural de Will o professor de harvard topa esta empreitada. Passam-se diversos terapeutas mas Will, o “gênio indomável”, passa por cima de todos eles. Eis que então, como última tentativa o professor acaba por pedir a ajuda d eum velho amigo e rival de faculdade, o psicólogo Sean Maguire. Ao longo das sessões Sean consegue de maneira vagarosa ir aprofundando-se em Will e o mesmo também vai abrindo-se mais com o terapeuta enquanto o laço vai sendo formado. Quando consegue fisgar Will, Sean descobre também as fichas e ocorrências de Will que estão lotadas de agressões físicas por parte das pessoas que tentaram adotar o órfão. Entendendo então o passado conturbado de Will onde o mesmo foi negligenciado por todos aqueles que deviam amá-lo fica exposto as “causas “ do comportamento anti-social de Will e seu medo de envolver-se demais com as pessoas (ele conhece uma garota durante o filme, apaixona-se, mas acaba por terminar com ela devido ao seu problema). Ao final do filme Sean consegue fazer um bom trabalho e Will finalmente consegue entrar em uma vida profissional e não ter medo de seu futuro e de ser deixado.

Bom este filme torna-se interessante por muitos motivos para mim mas o que eu acho válido expor aqui é a questão de que comportamentos são adquiridos ao longo de nossa vida. Ainda que possamos nascer já com mecanismos comportamentais (como nosso sistema de luta ou fuga) devido a nossa herança filogenética boa parte de nosso repertório é adquirido ao longo de nossas vidas, sendo modificado cotidianamente enquanto interagimos com o meio que estamos lidando. Chama-me atenção encararmos o comportamento humano desta maneira o fato de que ao adotarmos este pressuposto (tirado da corrente behaviorista) podemos entender porque alguns comportamentos ocorrem e, ao mesmo tempo, podemos sempre encarar com um viés de possibilidades: embora seja assim hoje podemos certamente mudá-lo para o amanhã; É uma questão de modificar o comportamento. Sair deste “engessamento” nos possibilita análises muito mais amplas como por exemplo a respeito das tais “doenças mentais” que estamos acostumados a ouvir falar. Poder sair de um viés estagnado de que a pessoa “é” esquizofrênica porque nasceu com problemas em seu cérebro e que será assim sempre e passarmos a entender que um diagnóstico como a esquizofrenia desenvolve-se ao longo da história de vida do organismo e sua relação com o meio ambiente abre portas para uma nova maneira de compreender e entender o homem e sua relação com o meio em que está inserido, inclusive de perspectivas muito mais humanistas. Não obstante podemos finalmente abrir espaço para saírmos de uma análise individualizada e culpabilizadora das pessoas (ele é doente, ele é fraco, ele ruim, ele é malvado) para entrarmos em uma gama onde o meio em que ela desenvolveu-se (como por exemplo, a família, a sociedade, cultura, sistema econômico..) tem as causas primordiais de seu repertório comportamental hoje e que, é também no meio que devemos realizar intervenções e não apenas em pessoas isoladamente (como excluir os “loucos” por exemplo). No filme percebemos que o terapeuta aproxima-se de Will e explicita para ele que não é culpa dele ele ser assim hoje. E de fato não o é: ele esteve sujeito a um ambiente repressor e punitivo que o ensinou a evitar o contato com as pessoas. Isto é um grande passo para compreendermos muitos diagnosticos relacionados a saúde mental hoje. Seria mesmo a depressão, esquizofrenia, drogas um problema dos “fracos” e dos “medíocres” ou consequências de um modo de viver e relcionar-se?

Gosto desta perspectiva e das possibilidades que ela nos traz. Desde muito cedo pra mim é inconcebível afirmações do gênero “sempre foi assim e por isso continuará sendo” ou 'não adianta fazer nada porque as coisas são assim”. Encontrar isto dentro de minha área de estudos é como achar um oásis em um deserto. Minhas perspectivas de trabalho vão neste sentido: no de mudança, transformação, quebra de conceitos ultrapassados e constante renovação do conhecimento e sua utilização.

Um abraço e feliz 2011!