Questionamentos sobre universidade, extensão e comunidade.



Hoje, um domingo agradável, dia 20, estava sentado conversando com meu amigo Renato na UFSC. Planejando uma reunião, cuidando disso e daquilo, debatendo o movimento. Mas não minha conversa que importa e sim o que estava ocorrendo em nossa volta enquanto conversávamos: o Festival comunitário do DCE.

Enquanto estávamos sentados pensando burocracias necessárias de sempre estava em nossa volta toda comunidade dos morros aos redores da UFSC. Em conjunto também com alguns estudantes, crianças e adultos empinavam e brincavam com pipas, corriam de um lado para o outro, brincavam com os UFSCães, conversavam e escutavam a apresentação de um grupo de RAP (que também é da comunidade) que veio apresentar-se durante o festival com toda estrutura de som e espaço garantida. Ao centro duas moças montaram sua barraquinha oferecendo chá de hortelã (com ou sem adoçante) e vendiam seus artesanatos em panos e também figuras feitas de pano. Até tomei um chá e ela prontamente pediu para que eu devolvesse o copo plástico após usar para levar para a reciclagem. Estava um quadro maravilhoso. Não me sentia na UFSC, sentia-me em outro espaço que não aquela universidade pesada, maçante, cheia de problemas e gente correndo de um lado pro outro (ou nas filas quilométricas do RU) tendo que resolver seus assuntos ou finalizar aquela resenha de 30 páginas sobre um livro. A universidade prontamente tomou vida em meus olhos, tornou-se mais alegre e colorida, deixou de ser chata e uma abstração.

Contemplei e aproveitei o espaço enquanto pude, depois de conversar com meus amigos me pus a pensar: segunda-feira eles não estarão lá e dificilmente voltarão para o espaço aberto da UFSC sem que sejam chamados. Por que?
Outra pergunta: As vezes aos domingos algumas crianças arriscam-se a usar a praça (reparem o nome) da cidadania para empinar pipas ou escutar música em seus carros deitados na grama. Normalmente a segurança da UFSC pede para que eles se retirem. Por que?

Estes e outros questionamentos entram em contradição com o mote de uma Unvierside Pública. O espaço é pago por todos e só pode ser usado por um número seleto de gente. Por que isso? Não pagamos, afinal, nossa formação, a formação de outros e toda estrutura dela? Por que então está restrita apenas a esta “nata” intelectual e selecionada sua estrutura e espaço de convivência? Passo diversas vezes do dia debatendo sociedade, cultura e relação das pessoas em sala de aula. Falando das mazelas, comunidades e tudo mais. Fico pensando porque esse colorido, essa realidade, não aparece todos os dias enquanto debato sociedade para participar, comentar e trabalhar as teorias em cima da comunidade. É frustrante que a universidade negue-se a ter contato com a realidade brasileira e se feche em sua abstração dentro de uma sala de aula, limitando-se a uma discussão e teorização em nossas durinhas cadeiras longe do que acontece alí, logo ao lado. O pouco contato se dá através da tal da “extensão”, quando a universidade, dotada de sua benevolência com a sociedade resolve virar-se em sua cadeira giratória e confortável, colocada nas nuvens e olha para baixo contemplando os pobres mortais e seus problemas e sua incapacidade de resolvê-los e, como na pintura de Michellangelo “A Criação de Adão” estende seu dedo indicador tocando na frustrada sociedade, espalhando um pouco de sua energia e positividade para depois recolher a mão, fechar-se nas nuvens e voltar a agir como um menininho autista que fica olhando para seu umbigo e fecha-se com o mundo exterior. A questão é: porque a universidade não está atrelada a comunidade? Porque ela tem que fazer ensino, pesquisa e extensão e não apenas ensino e pesquisa entrelaçados na sociedade brasileira?

Deixo a reflexão e não pretendo colocar aqui de maneira pronta minha ideia sobre isso. Apenas atento que todos os fatos postos não surgem por acaso, possuem um histórico por detrás que faz com que assim se deem as coisas. Para início de pensamento sugiro as seguintes perguntas: Se as pessoas da comunidade frequentassem a universidade cotidianamente (ainda que não para estudar, poderia ser simplesmente para empinar pipa e conversar com estudantes e professores) quais seriam as consequências disso? Quais seriam as consequências de um ensino e uma pesquisa que fossem pensados e construídos em cima da realidade social da maioria da população brasileira? Essas consequências prejudicariam algo ou alguém? Como e por que?

O Movimento Estudantil e minha formação

Ontem estava pensando um pouco a respeito dos estágios de meu curso e as possibilidades que eu teria pela frente para encarar e contar com a ajuda de professores para orientação. Deparei-me então com uma reflexão em cima da minha graduação como um todo, um sentimento de insatisfação mesclado com leve desespero e por fim, do papel do movimento estudantil em termos de enriquecer minha formação em graus astronômicos através de uma boa prática e auto-reflexão constante, em conjunto com uma capacidade crítica além do normal para lidar com o conhecimento e os aspectos postos no dia a dia.

A análise que tenho hoje no meu curso deixa exposto uma coisa: a graduação é medíocre. Ela não prepara por sí só profissionais que consigam sair da universidade preparados 100% para lidar com as demandas concretas do dia a dia, as quais exigem muito mais do que uma leitura superficial de textos de autores conhecidos em um plano abstrato e estágios além do estilo “despachante” ou “se vira”. Exige uma capacidade que só se pode conseguir na prática e no contato constante com a insatisfação e reflexão constante dos problemas que estão atormentando as pessoas. Certamente isto é culpa em grande parte dos professores mas, estando submetidos a uma estrutura universitária arcaica e também sendo manipulados ao melhor estilo de fantoches por fundações (as quais dão a linha em suas pesquisas e prioridades através de dinheiro) é de se entender porque o ensino fica em última instância para a maioria destes. Logo, não é necessariamente culpa dos professores (embora eles pudessem se organizar e reivindicar algumas possibilidades de mudança) mas de uma estrutura que submete os mesmos a uma inércia e sentimento de insuficiência e frustração. Por tabela, claro, quem se fode são os estudantes que se deparam até o final do curso com uma graduação que embora seja considerada 5 estrelas ainda assim os deixa em estado de tensão diante do que virá pela frente para ser feito como profissional. Não obstante dentro da academia, especificamente da sala de aula, definitivamente não é onde aprendemos a planejar, refletir e realizar de maneira concreta mudanças. Definitivamente não é dentro da universidade que aprendemos ou adquirimos uma capacidade crítica tanto de analisar e formular em cima dos livros que lemos quanto em termos de repensar cotidianamente e frequentemente a situação da sociedade e das pessoas em um geral dentro do meio ambiente onde estão inseridos e vivendo. Em sumo, não é na sala de aula que adquirimos um caráter de produção de algo novo, apenas de repetição (e as provas e os trabalhos deixam isto muito claro desde o ensino médio).

É duro diante de tanta insatisfação ficar parado ou, pelo menos, deitar na cama um dia (ou na grama como eu gosto) e pensar- ainda que de maneira ligeira pois logo tendemos a suprimir esta insatisfação/desespero – onde estamos e o que vamos fazer lá pra frente. Tentar entender o que está errado. Então você olha ao lado e percebe que assim como você existem estudantes de diversos gostos e cursos fazendo este mesmo movimento impulsionado por sua insatisfação com a graduação e normalmente com a sociedade. Mesmo em outros centros e outras realidades e até mesmo em outros estados a insatisfação surge de um mesmo ponto. Aqui entra então o papel do movimento estudantil em minha graduação. Tive a oportunidade de entrar no movimento impulsionado e acolhido pelo grupo “Boas Novas” e o Coletivo 21 de Junho da UFSC. Diferentemente da maioria dos movimentos ou tendências da esquerda que adotam a postura de berros e apontar erros de maneira pronta condenando aqueles que não entendem ou não mostram interesse, este grupo se propõem a atuar de maneira diferente. Se propõe ao diálogo com o estudante, com a reflexão conjunta em cima dos fatos dados de maneira concreta na realidade universitária. Sai do abstrato e de coisas que não fazem sentido para a maioria dos estudantes e tenta, de maneira Paulo Freiriana, iniciar através das experiências do universitário o trabalho do debate em cima do que se vive no dia a dia universitário. Como tinha/tenho aversão ao esquerdismo (embora me considerasse na esquerda), logo passei a manter meu contato com o DCE e com o CA (que também estava submetido a esta nova maneira de atuar do movimento estudantil).

É inexplicável e impossível elencar aqui os ganhos que tive para mim e para minha formação ao iniciar a militância. Foi fazendo movimento que eu adquiri e continuo adquirindo capacidades essenciais para qualquer psicólogo e ser humano (não que isso seja difícil dada a situação da graduação em Psicologia). Foi dentro do movimento que participei de discussões, reflexões, ações e planejamentos que possibilitaram e ainda possibilitam uma ampla gama de aprendizagem no que toca essencialmente ao profissionalismo e acima de tudo, a capacidade de ir além do que está posto e propor mudanças efetivas para os problemas. Caminhar em direção de um projeto de sociedade mais justo e acolhedor, que não favoreça o sofrimento psicológico que favorece hoje em dia. Foi dentro do movimento que aprendi a escutar e dialogar com o diferente de mim e a construir em conjunto- respeitando a autonomia do outro e suas ideias – as soluções para os problemas (algo que um psicólogo deve saber fazer – especialmente aqueles que acham que devem ser a figura do saber e das soluções de todos) que nos tocam. Foi dentro do movimento também que eu aprendi a ser desconfiado do que aparece como posto, que sempre foi assim. Adquiri capacidade de refletir além do que está colocado, de pensar e repensar minha atuação e meu papel na sociedade.

Dentro do fato de estar em uma universidade pública, financiada pelo povo e que deve reverter este investimento em benefícios voltados para este mesmo povo que bancou a formação do profissional que sai a campo torna-se obrigação da universidade, como casa do saber e da formação, formar profissionais aptos a ter este diálogo com a população, de detectar problemas na sociedade brasileira e saber se organizar em conjunto com aqueles que sofrem nesta sociedade ou dividem a mesma tarefa e propor, realizar e construir novas possibilidades de existência. E foi o movimento que me ensinou isso até então. ELE conseguiu ir além da sala de aula, das pesquisas abstratas e dos estágios corridos. E é ele que torna extremamente paupável essa mudança que sempre é condenada como utópica mas que, quando estou ao lado de meus companheiros e companheiras se concretiza vagarosamente diante de meus olhos quando sentamos em roda e iniciamos nossos debates e planejamentos. Sem dúvida, devo muito a estas pessoas que constroem comigo. Viva o movimento estudantil!