Em um momento onde vivo as eleições da reitoria da UFSC e acabei de passar por um processo eleitoral dentro de meu Centro Acadêmico fica inevitável que a reflexão contínua sobre a política não habite em minha cabeça. Vivendo em um país onde ainda a política (popular) é negligenciada e cotidianamente rechaçada- seja por políticos corruptos, que tiram a esperança de qualquer mudança ou seja por uma tendência relativista que reduz tudo a uma “liberdade de tudo” - se torna dever de qualquer militante que visa a mudança radical de nossa sociedade hoje reviver, ou melhor, potencializar a vontade política dos brasileiros e brasileiras hoje. Digo potencializar pois diferente de um discurso extremamente despolitizante sobre o brasileiro desinteressado e malandro na política tenho total crença que a ampla maioria da população brasileira, dos jovens aos mais velhos, tem interesse sim em questões políticas nacionais. Isso evidencia-se na criação de espaços significativos para discussões no cotidiano, onde as pessoas falam, reclamam e apontam soluções para seus problemas (melhores que muitas propostas de alguns vereadores espalhados por aí).
Dentro das eleições de meu centro acadêmico, sob o risco de ser taxado como “autoritário” tal qual como já fui por alguns docentes, tentamos superar cotidianamente a noção do “marasmo político” e do desinteresse. Fizemos de duas formas: primeiro pautando a discussão em cima de um programa claro de intenções e propostas dentro da entidade e segundo defendendo a ideia de que um Centro Acadêmico não só pode como deve posicionar-se claramente para com os seus estudantes – seja contra ou a favor de uma parte deles.
Em relação a um debate sobre um programa: A política não se faz no abstrato, e embora seja necessária uma dose de utopia também não é sustentada apenas nela que ela se faz e se constrói. É preciso um programa político que traga as propostas e o horizonte de um grupo dentro da entidade de um Centro Acadêmico. Um programa político traz à tona uma série de debates, os quais destaco dois deles: 1) a disputa nas massas entre as chapas e 2) o horizonte político-ideológico do grupo que se propõe construir a entidade. Sobre o primeiro ponto, é essencial a discussão em cima de um programa político. Um programa político traz o caráter sério e a concretude da disputa de propostas dentro das massas, onde a vitória cabe àquele grupo que conseguiu melhor que o outro identificar o movimento que está em curso naquele momento, sabendo aproveitar-se dele da melhor maneira na direção de avanços políticos em relação aos estudantes e seu curso, que vai se expressar pela coerência de suas propostas e os avanços reais (conquistas da categoria) que elas vão proporcionar ao longo da gestão. Este processo de disputa legitima não só a gestão vencedora como a própria entidade; a gestão, que com seu programa eleito pela maioria passa a defendê-lo e fazê-lo valer a qualquer custo, e também a entidade, que pelo seu valor político passa a ser disputada cotidianamente pelos estudantes, que desejam ver seus direitos e vontades serem representados e reivindicados – ou quem sabe tomar eles próprios as rédeas da entidade através da disputa. Estes interesses mencionados não são nem devem ser homogêneos, mas são sim heterogêneos, que implicam divergências no corpo estudantil entre diversos grupos, e que devem ser expressas nas eleições. O segundo ponto tem relação direta com o que coloquei, visto que uma chapa defende um horizonte político que deve ficar claro. No caso das eleições para entidades estudantis, envolve a defesa de um projeto de universidade e um projeto de profissional. Novamente, o programa se faz necessário uma vez que explicita as intenções de um grupo que tem interesse em dirigir a entidade em disputa, deixando claro a que e a quem ela se propõe.
A segunda maneira que citei foi a do posicionamento, e que tem a ver com o que coloquei acima. Uma vez com um programa claro e defendido nas massas, esse programa eleito entrará em curso, e será reivindicado e defendido pela gestão uma vez que foram eleitos pela maioria com esta proposta - nada mais coerente a ser feito. Mesmo que isso vá contra um grupo ou três específicos, mas que se mostram como minoria nas eleições.
Dentro do curso de psicologia este processo caracterizou para mim um enorme avanço e amadurecimento político dentro do curso. A necessidade de superarmos a ideia de que a democracia se dá pela liberdade de tudo e todos através da “convivência mútua dos diversos interesses” ou do discurso dos “direitos individuais” (como por exemplo “meu direito de ser machista com o outro”, que representa a perpetuação de uma relação de exclusão e poder incabível em uma sociedade justa) torna-se evidente. É ilusório que na vida pública possamos conviver com projetos políticos diferentes sendo atendidos ao mesmo tempo, isto tem sido evidenciado por Marx desde sua elaboração da teoria de classes. Existem projetos que se contrapõe e que jamais conseguirão sobrepor-se, pois defendem e perpetuam ideais muito diferentes de uma universidade, de um profissional psicólogo e de sociedade. Estas divergências devem estar sempre claras e o discurso da “convivência mútua de todos interesses” serve apenas para atenuar e mascarar o conflito existente entre os interesses de uns e outros, e outros e outros. Como experienciamos no processo eleitoral esse ocultamento leva mais a confusão e ao infantilismo político dentro do curso, ficando de lição inclusive para as gestões anteriores que furtaram-se, por suas limitações, de posicionar-se claramente em relação ao curso e a universidade. Devo mencionar o quanto é péssimo para a política do curso que outros grupos façam campanha justamente por uma noção política como esta (como uma campanha pelo voto nulo sem um contra-programa), certamente por terem um projeto político que tem pouco ou nenhum interesse como uma revolução na revitalização política da sociedade brasileira, e que certamente contribui para o enfraquecimento político da entidade, uma vez que ela não é disputada e sim anulada gratuitamente. Experienciamos como o conflito, diferente do que é pregado por tais correntes, mais amadurece que enfraquece a política dentro do curso, pois envolve a amplitude dos estudantes na escolha e na reflexão de um projeto que a categoria acredita ser o melhor para a sua entidade, não só pelo seu programa como também pela sua prática política. Isso é democracia, a escolha (e a direção) pela maioria de um projeto que se acredita ser o mais representativo para os interesses desta categoria, o que mais vai reivindicar e trabalhar em cima das necessidades dos estudantes. Ela passa pela escolha e eventualmente a negação (ou a superação) de outras propostas, as quais uma vez vencidas não devem ser defendidas pela chapa vencedora.
O que concluo é que temos avançado politicamente em passos largos dentro do curso de psicologia da UFSC. O corpo estudantil se mostra cada vez mais preocupado e interado sobre sua entidade e isso é ótimo, um costume que devemos levar para sempre em relação a todos nossas entidades e órgãos representativos. É preciso porém ir além: utilizarmos do conflito político para renovarmos continuamente nossa maneira de fazer e participar da política, discutir representatividade e democracia mais a fundo, expor opiniões divergentes e dúvidas em relação ao que é feito dentro de nosso curso. É assim que acumulamos e é assim que juntos, enquanto estudantes, amadurecemos, nos formamos e vamos adiante profissionalmente na busca e na realização daquilo que temos como um projeto de mudança social. E sempre na construção de uma democracia plena e participativa, superando a ideia da política de gabinete, de troca de favores (como ocorre com alguns grupos de poder nas eleições da reitoria, como do candidato Paraná, onde se oferece um benefício material em troca de votos e campanha),de papo de corredor e de picuinhas por uma maneira de fazer política pública, participativa, disputada e construída com a ampla maioria dos votantes, que tomam as rédeas da decisão sobre sua entidade.
Recuperemos o tesão pela política e pela mudança! Lutemos por nossos ideais e nossas perspectivas!