Por que, ainda, a militância?

Por que ainda a militância

    Eis aí uma pergunta que permeia minha vida. Se o questionamento não é feito diretamente (por outros ou por mim mesmo) para mim, tenho certeza que passa pela cabeça de muita gente quando se depara com qualquer pessoa que exerça uma atividade militante, em qualquer grau ou em qualquer causa, mas certamente aqueles vinculados a causas humanistas e sociais defrontam-se com isso muito mais em seu cotidiano. Não farei aqui nenhum aprofundamento teórico denso, mas um texto/ensaio com caráter informal sobre isso.

    O cotidiano social nos chama atenção por “n” fatores, mas sempre, em todos os momentos, nos indignamos com muitas coisas que surgem e que nos fazem pensar. Seja por um momento, as custas de 1 noite de sono ou por uma vida inteira. Dentre estes sentimentos tenho certeza absoluta que um deles é a indignação. Esta aí surge em alguns mais e outros menos  (e nos tipos chauvinistas e crápulas nem dá as caras), quando há o enfrentamento com contradições, coisas que não estão de acordo com o que nos falaram ou nos falam. E no Brasil, assim como outros países periféricos e explorados a situação tende a dar mais possibilidades para que isso apareça. Todo o sonho de igualdade, liberdade e fraternidade - bem como o patrimônio cultural humano que é os direitos humanos - passam a ser destruídos, rasgados e atirados no lixo todos os dias ruas afora. A todo momento isto ocorre, seja pela televisão ou por um passeio pelos grandes centros urbanos. Não há escapatória. Mas “a vida tem de continuar”; “é o preço que se paga”; “as coisas infelizmente são assim, mas bem, vou voltar pois preciso ficar mais 9 horas no trabalho”; “é um horror que as pessoas passem fome.. mas eaí, vamos no sushi hoje?”; “a vida é dura”; “as pessoas escolheram ser assim”; “olha só um índio, vou fingir que ele não existe e está pedindo esmola”; e toda essa série de mecanismos de defesa embutidos sistematicamente em nossa cabeça, que reivindicamos para sustentar tanto nossa posição de conforto como para ter forças para continuar a vida (mesmo na iminência de uma catástrofe social em um tempo de tantos avanços técnicos e científicos para o homem). E assim se passam os anos, mas a indignação fica, em alguns mais e outros menos. Surge de vez em quando para lembrar a todos nós que a vida humana é mais complexa e mais trágica do que análises simplistas como as que exemplifiquei acima. Mas ainda assim, existe um acordo de fato generalizado e que supera em grande número as mentiras totalmente sem sentido de que a melhora será gradual ou está acontecendo (no exato momento em que alguns morrem sem comida ou moradia): o sistema tem problemas.

    Com tudo isso, as pessoas se movem. Movem-se em todos os sentidos: da manifestação mais simples via facebook a até ações de maior organização e que agregam números do país inteiro na defesa de uma sociedade diferente ou uma crítica inteligente ao que vivemos e vivenciamos. Existe a ansiedade e a necessidade de se fazer algo em relação isso – por mais egoísta que possam ser as razões por detrás disso. Esse movimento ocorre com todos, provenientes de todos extratos sociais com exceção, obviamente, daqueles que mais estão acomodados e aproveitando-se de toda essa situação. E é interessante dizer: esse tipo de levante não é de hoje, tem acontecido faz muito tempo e tem sido o motor principal das maiores mudanças sociais já vistas na história ocidental (como exemplo clássico a revolução francesa). É a ação política humana.

    E aí, um caminho que nos responde de maneira generalizada a pergunta: “ Por que ainda a militância?”. Primeiro, porque ela se mostra necessária. Toda a crítica, toda a dor e angustia de ver a riqueza do trabalho humano restringido a poucos, dados que não surgem de um coração mole mas sim de dados concretos de nosso cotidiano deve ser concretizada através de ações transformadoras e significativas para o mundo. Por melhor que poderia ser, infelizmente, não são desejos, crenças/pensamentos puros ou um gênio de uma lâmpada que vão transformar o mundo, mas sim o ser humano em ação, no sentido mais material que isso significa. Uma vez insatisfeitos com a realidade que nos acena todos os dias é evidente que é preciso transformá-la. Deixá-la nas mãos de outros não é a melhor saída – e nosso congresso nos mostra isso da maneira mais impecável possível. Somos nós, e apenas nós, o povo, que podemos dar as melhores soluções para todas as questões relacionadas a aquilo que mais temos apreço durante nossa existência: nossas vidas. A defesa pública, livre e sincera daquilo que acreditamos ser o melhor para nossa nação e toda a situação humana.
    Segundo, o movimento não acontece e muito menos tem sucesso sozinho. Tamanha é a insatisfação que não são 1, 10 ou centenas, mas sim grandes quantidades de milhares de pessoas que encontram-se em estado de desespero mesclado com revolta, que pegam-se questionando frequentemente o que acontece em sua volta, tentando achar o porquê daquilo que a indi guina.
    Terceiro, que é também um fato material: já nos são mais de 500 anos de um Brasil colonizado, colocado desde sempre na posição de serviço as necessidades externas internacionais, sob a égide furada do desenvolvimento e do progresso através da simples transposição e cópia de outros países mais “sucedidos” (que por sinal romperam, em algum momento, com qualquer posição de submissão em relação a influências externas). A fórmula não funcionou, e se alguém tem alguma dúvida, basta sair nas grandes periferias nacionais. Quer dizer, funcionou, em algum grau, para ajudar uns e de fato alavancou outros. Mas A mudança, aquela que colocaria os brasileiros como centrais na consulta, não aconteceu. E para isso, novamente, nos basta um olhar direto a realidade nacional: aos nossos serviços de saúde, desemprego, criação de leis, dificuldade de moradia, atrasos tecnológicos, educação etc... coisas que, sabemos, se dependessem de nós estariam no eixo principal dos orçamentos governamentais ao invés do “prato cheio” que é 50% de nossos impostos indo para financiar juros com a dívida externa e bancos.
    Não é de hoje, mas ainda perdura o sentimento de “Basta!”. E é tempo, mais do que nunca, de novamente nos levantarmos enquanto nação e tomarmos as rédeas de nosso país. Isso significa, obviamente, a ação política em todos os níveis, mas especialmente o coletivo. E não me refiro apenas as ruas. Me refiro as assembléias, câmaras, associações e tudo o mais, que por mais que nos tenham feito acreditar serem inúteis são justamente o espaço onde deveríamos estar.
   
    Eis aí porque ainda a militância: colocadas as condições é mais que tempo de ousadia e, literalmente, pervertermos a ordem que nos é colocada. Partirmos para a transformação conjunta de nossa nação, da maneira brasileira, a qual nós e apenas nós podemos construir. Colocar-se e correr os riscos necessários para construir, projetar e certamente efetivar as mudanças necessárias, aclamadas e colocadas para nós todos os dias debaixo de nossos narizes, não apenas pela bondade com o outro ou uma ajuda aos necessitados mas sim pela consciência de que o país precisa de melhoras imediatas e essenciais. Houveram momentos em que aprofundando no tema ou me deparando com a superestrutura (que se traduz em todas as falcatruas as quais conhecemos como corrupção e assassinato) pensei não ser possível. Mas foi justamente na vivência junto com as Brigadas Populares, quando me vi cercado de muitos outros ansiosos e dispostos a trabalharem pela construção de um país popular, que eu resgatei algo muito simples, que vem da concepção dialética, materialista e histórica: nada é imutável e a transformação é constante pelo movimento e pelo conflito.

    Por isso afirmo: por que ainda a militância? Por que é preciso, porque é humano e porque essa situação não nos serve.