Funkeiro

http://youtu.be/dh3bleXWaCk?t=2m30s

Que doidera, viver.
Vivo
Não vivo.
Mas vivo
Como é bom
Como é ruim
Como é libertador
Como é repreensivo...

O tempo passou.
Eu vivi,
Eu vivo
A certeza da incerteza
A dor da magnitude do que somos
Com um gosto de funk.

A cada solo, cada verso
Cada vivência
Cada palavra

me coloquei ali
incerto, mas certo
de que a minha marca
ficou.

E assim sigo.


Da Democracia - O tolerante intolerante



                Viver em sociedade hoje custa caro e Freud já discorreu muito bem sobre isso. Juntar um monte de humanos em um espaço delimitado exige de nós muito esforço psíquico para que possamos viver de forma organizada e “pacífica”. A política passa a se tornar inevitável para a vida humana, uma vez que demarca o território “legal” e mais potencialmente criativo para o conflito dos diferentes modos de viver e pensar e de se resolver problemas individuais e coletivos.

                Não precisamos  voltar para a Grécia antiga nem para um resgate sobre as origens da palavra democracia. Esse termo vem sendo usado desde os gregos, passando pelas revoluções e chegando até ao século XXI como um ideal a ser ainda alcançado, um modelo perfeito de se viver em comunidade sob “um governo do povo”. Quem atua politicamente ou milita em seu cotidiano inevitavelmente cai em debates onde o plano de fundo se estrutura todo em cima de concepções a respeito de uma democracia, uma abstração que condensa uma série de valores e atitudes a serem adotadas por quem vive sob este regime como se fosse uma idéia universal e pronta, fechada e eterna. Porém já nos disse Foucault em seu texto “Nietzche, Freud e Marx”: "Os símbolos são justificações que tratam de justificar-se e não o inverso". A palavra democracia não está isenta disso e para mim inclusive é uma das mais impregnadas pela concepção política de cada um embora os demagogos insistam em tratá-la como se vestisse um véu de perfeição, neutralidade e de universalidade, sem se dar conta de que ao fazer isso também estão tentando impor democraticamente (frase paradoxal não?) sua concepção a respeito da organização política e relacional humana. Em diferentes épocas e lugares a democracia foi tratada de forma diferente e adequada a estes momentos:  desde a Grécia nada inclusiva com escravos e mulheres a até a “ditadura do proletariado” concebida por Lenin. Qual seja a época a democracia carregou porém sempre algo em comum, a qual retiro do texto “Socialismo e Democracia” de Ruy Mauro Marini: sempre carregou consigo a idéia do convencimento, a possibilidade de que eu imponha meu ponto de vista através da persuasão, da coerência, do diálogo.  O ideal democrático portanto sempre se construiu em cima do espaço do embate de idéias, a colocação sistemática e convincente de um ponto de vista sob um determinado tema em conflito com outro (ou outros), o qual é submetido a aprovação da maioria através do voto e da escolha. Um governo de maiorias, uma escolha de maiorias. Na democracia não há apenas a convivência mútua, há a necessidade real do posicionamento e da escolha para que seja efetivada de fato - ainda que as eleições florianopolitanas tenham colocado em cheque esta concepção. Ou tenham explicitado que de democrático nada tivemos em nosso regime eleitoral ilhéu.

                Dito isso podemos partir para a atualidade. Percebo hoje principalmente no campo universitário que existe uma concepção de certa forma generalizada a respeito da democracia enquanto a convivência de iguais, a aceitação de pontos de vista diferenciados.  Fica em voga a democracia como o regime da simples tolerância onde a diferença de opinião é tratada no nível da simples aceitação. Na concepção destes sujeitos “ser” democrático implica em apenas aceitar que existem opiniões diferentes e que essas opiniões todas devem ter seu espaço – estrutural e ideológico – dentro do Estado, que seria o lugar onde se organizariam as políticas nacionais. Não obstante estes sujeitos adeptos da tolerância (e não da diferença) normalmente consideram ofensivos muitos debates políticos quando realizados na arena conflituosa da política, por mais polidos e ricos que sejam; consideram a divergência de suas opiniões como algo inadmissível e pessoalmente ofensivo dentro da democracia brasileira vindo inclusive a ridicularizar ou dar as costas completas ao embate político (isto em seus termos porque ninguém na vida fica isento de posicionar-se e impor aos outros seu ponto de vista sobre algum tema), entendendo este como um absurdo ou uma afronta ditatorial dentro de um território democrático. Chamo estes sujeitos como os adeptos da tolerância, os tolerantes intolerantes. Os adeptos deste discurso reivindicam a diferença não enquanto exercício mas enquanto algo a ser simplesmente aceito ou tolerado. Em nome da democracia instituem para si e tentam colocar aos outros o quanto é errado a discordância e o quanto é correto aceitarmos pontos de vista diferenciados apenas demarcando à là Voltaire (“Não concordo com nada do que dizes mas defenderei até a morte o direito de dize-lo!”) um certo “respeito” pelo que é dito embora exista clara divergência. Os tolerantes intolerantes portanto acabam por ser os maiores agentes antidemocráticos da esfera política: primeiro pois ao instituir o ideal da tolerância em nome da harmonia (utópica) entre seres humanos negam o exercício da diferença através de sua expressão política, que é naturalmente embativa, e em segundo negam o exercício efetivamente democrático que é justamente o da decisão da maioria por alguma coisa, mas que alguma coisa uma vez que se deve apenas tolerar e evitar  embate político? Como escolher, posicionar-se, demarcar-se como sujeito no mundo se lhe é colocado exaustivamente por estas pessoas que só lhe resta aceitar opiniões diferentes? Não satisfeitos com isto, os tolerantes intolerantes são ainda desonestos consigo e com os outros pois ao se apropriarem da democracia desta forma estão adotando um ponto de vista e impondo-o as pessoas, ou seja: exercem sua opinião politicamente mas no seu discurso impedem que os outros dele discordem uma vez que isso é absurdo. Enganam a si e aos outros com uma idéia de neutralidade e tolerância dos diferentes. São os sujeitos mais intolerantes da política, os menos democráticos uma vez que menos dispostos a debaterem e submeterem as opiniões a escolha mas ao mesmo tempo os mais propensos a militarem ativamente por esse posicionamento político – tudo isso regado as maiores boas intenções e não quero soar irônico com isto. Mas não seria isso uma atitude ditatorial? Há uma contradição direta entre este discurso completamente liberal e a formação de sujeitos democráticos. A idéia da escolha e da votação em espaço comum sempre implicará no convencimento de uma maioria que impõe sob uma minoria discordante, sendo o real diferencial disto tudo o processo, a possibilidade do convencimento e da expressão individual no campo coletivo e de se acatar ativamente as decisões tomadas pelo grupo humano no qual estamos inseridos. Isto é consciência e atuação política. O posicionamento dos tolerantes intolerantes nega essa formação do sujeito por completo pois o poda de sua ação política – impondo-lhe suas idéias de conciliação e aceitação. É um joguete político interessante, muitas vezes inconsciente pois ao não haver conflito não há possibilidade de uma reflexão através do outro, mas que não é democrático uma vez que não proporciona a possibilidade do enfrentamento contrário ao discurso que se dá.

                Penso que a crise política instaurada hoje em nosso país é gravíssima, é dialeticamente causa e efeito da nossa condição histórica de subserviência e dependência enquanto nação de outros lugares. Vejo que a superação de uma posição política como a do tolerante intolerante seja fundamental e uma das vias de sairmos da situação política em que nos encontramos. Para isso há de se justamente romper com este posicionamento, sairmos de nossa zona de conforto e exercermos mais, democraticamente e respeitosamente, nos espaços legítimos pra isso, nossos posicionamentos e ideais. Eu acredito na construção de um país mais democrático mas este só poderá ser efetivado através de sujeitos em exercício.