As mortes e(m) um cigarro

    Tomás havia acordado cedo naquele dia em virtude de um pesadelo. Neste, encontrava-se preso em uma cela. De repente, enquanto estava ajoelhado no canto escuro, sentiu uma sombra aproximando-se dele. Primeiro sentiu um rasgo em suas costas, depois outro e então, quando viu, apagava afogando-se em seu próprio sangue. O assassino não tinha rosto.

Tinha alguns dias havia presenciado o enterro de sua mãe. Ainda lembrava das rugas da velha dentro do caixão. Tinha um olhar de descanso, de paz. Naquele dia não chorou e até então não havia feito isso, o que havia preocupado sua irmã, a qual não falava já tinha pelo menos uns 5 anos e por sinal nem pretendia falar novamente. O sentimento que tinha era um certo vazio, uma espécie de letargia emocional. Achou que um cigarro cairia bem e logo estava fumando um de seus prediletos. A cada tragada sentia que o vazio se preenchia, tão logo abria-se novamente quando jogava o ar para fora. Não era de ficar pensando muito na vida e nem entendia quando falavam dessas coisas de analisar sonhos. Mas não deixava de juntar todas as peças do prazer que estava sentindo com aquele entra e sai de nicotina e fumaça:

-“Talvez seja uma mensagem da vida” – pensou para si mesmo -. “Na minha vida, como no sonho, o cárcere e a paz em que me encontro sempre se abrem através de alguém. Trago o cigarro – e tragou, tão logo soltando. -Mal tenho tempo de sentir e já estou jogando fora a fumaça, tudo muito rápido, como o suspiro que dei nessa morte;também letal como os ferimentos que me mataram mais com o tempo que duraram do que com a dor crua sentida com a facada. Tal qual foi com o enterro de minha mãe: um olhar, um desvio. Simples, rápido e fácil: preenchido e esvaziado. Um outro olhar para seu descanso: preenchido. Desvio o olhar: esvaziado. Abençoado com o barulho da porta e feliz por receber alguém, privado desta felicidade pela mesma pessoa que abre a porta e me mata. Minha mãe me dava o sol e ao mesmo tempo o retirava. O engraçado é que continuei sonhando e continuei olhando e desviando.”

Terminou o seu cigarro apagando na sua pia levemente coberta por limo.

-”Ou é só mas uma viagem escrota da minha mente”.

Partiu para a rotina.