Uma história de amor

Hoje, dia de jogo, fui fazer as compras cedo (você é quase obrigado a fazer isso, tudo fecha). Caminho sentindo-me velho nesses dias mais frios! Sujeito sério que levanta sozinho de manhã pra comprar pão e afins, apenas pra chegar em casa e tomar um café tranquilo ouvindo música e, posteriormente, me afundar em letras ou inutilidades virtuais - essas últimas reduzidas a vídeos engraçados de preferência.

Durante meu trajeto sempre passo por um pequeno parquinho, situado em uma pracinha na esquina de minha rua. É uma pracinha simples, com algumas árvores, chão de brita, aparelhos de exercício e um parquinho colorido com casinhas e brinquedos de madeira. Enquanto passava por ali imerso no som que meu caminhar fazia ao mover as pequenas pedrinhas, fui prontamente surpreendido por duas crianças dialogando. A cena foi a seguinte:


O garotinho, segurando uma mão na outra se aproximou de sua amiga e lhe disse:

-Você quer ser minha namorada?
Sua companheira não respondeu de imediato. Ficou engolindo o próprio dedo, olhou para sua mãe - que lhe sorriu de forma alegre - e então deu a resposta final: Acenou positivamente com a cabeça.

O autor da proposta vibrou! Ficou pulando dizendo "êêê!!!" e não tardou para que sua nova namorada o acompanhasse nisso. FIcaram por uns 5 segundos pulando e comemorando ao som de um "êêê!!" compartilhado.

ELes então saíram correndo gritando "êêêê" e dando risadas. Correram por boa parte do parquinho e  brincaram exaustivamente.

Fim.



Epifania Autoritária



Epifania autoritária

Cara, mais um texto? O que tu queres com esse calhamaço?

                Caros colegas! O que escrevo não são críticas pessoais nem a dúvida da boa vontade alheia. Pouco me interessa se os meus colegas vão ler este texto e se alinharem ao que penso. Interessa-me que tenham maior diversidade de instrumentos para enxergar de que forma agem os atores políticos no curso, podendo identificar o que lhes faz sentido ou não e daí tirarem suas conclusões sobre os atores atuantes no movimento estudantil da Psicologia. Em suma: meu desejo, além de fomentar o debate é que os novos estudantes exerçam o que Maquiavel chama de virtù diante da fortuna, encarando o processo político como governantes e não como governados.  Para facilitar a escrita irei apelar à estereotipia em algum grau e nomeio os atores políticos aqui [1] como os “pluralistas”, que são hegemonizados politicamente pelo Movimento das Empresas Juniores (MEJ) – uma organização tão política quanto qualquer outra que disputa o lugar público- e associados à defesa da democracia e os “radicais”, comumentemente associados à autoritarismo, ditadura, maconha e assembleias profanas. Estes últimos, dentro da psicologia, contam hoje com um número heterogêneo de estudantes dos quais poucos possuem alguma relação com organizações políticas. Peço desculpas de antemão pelo tamanho!


O Fato
                O fato político que me faz escrever tal texto aconteceu no dia 01/07/2014 durante uma reunião ordinária do CALPSI, hoje administrado (no sentido mais pragmático e empresarial do termo) pela gestão Epifania em parceria com o MEJ (“Personificado” na Persona). Tal espaço foi aberto para discutir a polêmica sobre o centro acadêmico deliberar por si a reserva das vagas de representação discente para os membros de sua gestão, sob o pretexto de “realizar o seu programa”. Fato que só não é inédito, pois perde em tempo para uma decisão da gestão anterior a esta (A Representa) que, em reunião sem chamado reservou 100% das vagas de representação discente no conselho de unidade para um membro de sua gestão. Importante pontuar: foi um dia antes da votação a respeito da apreciação da assembleia democrática que deliberou pela não criação das empresas juniores no centro. Desse exemplo histórico, quero deixar claro duas coisas: como é a empresa junior que passa a ser nuclear na tomada de decisão do CA e como a democracia representativa do setor “pluralista” do curso flerta com certo autoritarismo esguio, que se traveste de legalismo por via das eleições democráticas. 

                Diante disto, foi criado de forma muito correta um espaço na reunião geral do CALPSI para discutir este tema. Nesta reunião, a cisão entre os projetos se evidenciou das seguintes formas: Os “pluralistas” (que tranquilamente pode ser caracterizado como MEJ, pois foram membros da Persona que fizeram a maioria das falas de defesa e apresentação, senão todas) fizeram a defesa da tomada de decisão da gestão, pautando-se na legitimidade desta devido ao processo eleitoral e descredenciando a realização de passagens em sala e de uma assembleia estudantil para eleição de representantes.

                Os “radicais” adotaram a linha que defendia a realização de eleições abertas para estes cargos, devidamente acompanhadas por um processo político que envolvesse ao máximo o corpo estudantil e que poderia ser feito das mais variadas formas, inclusive através de assembleia. De início, também se colocaram em maioria contra os 50% reservados ao CA, mas posteriormente transferiram a polêmica para a importância de que exista este processo no curso, de forma que a política não se centralize no CALPSI, mas se abra ao curso e aos interessados em serem representantes discentes. Esta proposta (eleições diretas para as cadeiras) não é nova e surgiu muito antes, por parte da própria oposição do CALPSI na gestão de 2011, na época alinhada ao pensamento dos “radicais”. No entanto, foi acatada e se mostrou na prática trabalhosa, mas profícua.
                Vendo que o debate havia se esgotado, a gestão optou por, em sua instância máxima de deliberação (abaixo só de uma assembléia estudantil), votar nas propostas. Em reunião repleta de sujeitos interessados em debater isto, foi consensuado que se abririam mão dos 50% destinados ao CALPSI e votado que os ali presentes se engajariam em criar um processo participativo no que se refere à ocupação das cadeiras. No mesmo dia, após a reunião, um membro do MEJ apresentou críticas severas ao absurdo da decisão. Horas depois, a gestão Epifania lança uma nota voltando atrás nesta decisão, buscando refúgio para sua atitude na legalidade, no descredenciamento de assembleias (“é restritivo a pessoas com disponibilidade, não respeita subjetividades, pois apenas considera pessoas que se expõe e é segregatório. Logo, se trata de uma democracia velada para poucos”)[2] e na importância da concretização das propostas da gestão, contrariando uma decisão tomada dentro da própria entidade e com participação de estudantes alheios à gestão – sendo este último fato, ironicamente, não interpretado como um sinal de democracia e abertura, mas sim de cerceamento da liberdade do projeto particular da gestão.


 A real faceta do projeto dos “pluralistas”: por que este grupo mata a grande política no curso 

                Explicado o fato, precisamos agora analisar de que forma se estrutura a linha argumentativa do pluralismo, donde peço atenção para seus 3 pilares: a) refúgio na legalidade b)Descredenciamento das assembleias c)”o projeto” da gestão. Estes 3 pilares argumentativos demonstram o seu projeto político implícito (seja ele consciente ou inconsciente nos seus partidários). Trata-se de um projeto que mescla características autoritárias que são reproduzidas e alimentadas pela manutenção da passividade política do corpo estudantil e que veste o véu da democracia e da formalidade.

                A grande característica que deve ser severamente combatida no campo das ideias é a enorme tendência que este grupo tem de acabar a grande política [3]estudantil e adotar a pequena política como carro chefe. A primeira forma argumentativa que este fenômeno se manifesta é justamente no refúgio da legalidade para afirmar seu projeto político. Não é de hoje que isso é novidade na política institucional brasileira, onde sempre que ocorre desconforto se recorre a uma série de mecanismos legais para justificar todo o tipo de autoritarismo ou negligência pública. O CALPSI evade do debate político dizendo que ele “pode” fazer isso. E ele realmente pode. Da mesma forma que pode implicar o curso na tomada de decisões importantes. Por que ele não faz isso, mesmo com estudantes voluntariamente indo a sua reunião e se dispondo a problematizar isso?

                A outra forma que este projeto se manifesta é pelo descredenciamento das assembleias. Creio que não seja preciso aprofundar no quão tosca é a justificativa para que elas não existam. A assembleia estudantil é uma rica forma de promover a organização estudantil através da tomada de decisão coletiva e aberta. Desde a assembleia do CFH, as pessoas do MEJ iniciaram uma campanha ideológica para deslegitimar todo espaço público e aberto à opinião para tomada de decisão. Infelizmente, como o CALPSI se elege e se mantém em acordo com este grupo, cede facilmente à tese subjetivista de que por ser um espaço onde surgem conflitos, podem existir “incomodações subjetivas” – novamente é a EJ que centraliza a tomada de decisões de uma entidade estudantil.  Esta concepção de uma política asséptica é só um refúgio para aqueles que não querem se incomodar na realização de seus projetos pessoais ou tendenciosos dentro do espectro público. A justificativa para isso ganha o nome de “pluralidade” e “respeito às subjetividades”, quando na verdade é a imposição implícita de vontades específicas que não se propõem à crítica e ao debate público. Quando um membro da Epifania e da Persona disse em reunião o problema da democracia era a abertura ao convencimento, confesso que fiquei chocado. Fez uso desta afirmação para justificar que uma assembleia é ruim, pois pessoas são movidas “pelo calor da emoção” e não por um processo de convencimento e debate. Isto é a materialização argumentativa de como não existe preocupação tanto da Persona quanto da Epifania em fomentar a organização e autonomia do corpo estudantil, senão pelas vias burocráticas e institucionais, as quais eles se julgam capazes e dignos de reservas por sua capacidade de “diálogo” e projeto particular. A crítica à assembleia e a justificativa da “legitimidade eleitoral” são na verdade a fuga do questionamento público e à decisão coletiva. Não é possível que nossos representantes reduzam a opinião estudantil a apenas “o calor do debate” ou que subestimem o potencial político, organizativo e pedagógico de um espaço destes por sua “violência subjetiva”, quando lá eu vi pela primeira vez membros de minha oposição falando publica e abertamente. Esse é o espectro nefasto da democracia representativa dos “pluralistas”: sua redução do papel político do estudante ao voto e à confiança em seus representantes. Essa é a pequena política e o assujeitamento do corpo estudantil ao institucional. Se contrapormos esta concepção ao seu contrário, qual seja, a da implicação dos sujeitos nas tomadas de decisões e discussões pertinentes a sua comunidade, qual delas é de fato a autoritária e qual é a democrática?

                Por fim, devemos nos questionar qual é o projeto que a gestão quer implementar e que se faz necessário. Se não for para garantir o voto favorável à implementação das EJs e “garantir o diálogo [submissão] com os professores”, qual é o grande diferencial deste projeto afinal? A única coisa que estes sujeitos querem garantir é a consolidação de suas bandeiras particulares, amparados nas eleições. Reconheço as eleições do CALPSI e a gestão. Mas esta chapa foi eleita para quê? Para tomar as decisões por nós e para “nos permitir” implementar EJs, serviços modelo, atléticas e o escambal sem incomodação? 

                Com estes aspectos, podemos seguramente superar a política floreada pelo pluralismo e democracia verbal e passar a articular o discurso com os atos. A contradição deve ser explorada! É inaceitável que o CALPSI, uma entidade que serve para a organização estudantil, esteja completamente imersa em um aparelhamento de interesses particulares como os do MEJ. Quando entrei no curso, independente da gestão, era claro que o CALPSI era do curso e servia para ele. Esta sua função tem sido paulatinamente assassinada por este grupo, na medida em que trabalha para afastar a ideia de um espaço coletivo e organizativo e implementa a de uma mera instância burocrática e formal. Todo estudante é membro do CALPSI se assim o quiser. Um viva à democracia participativa e à horizontalidade e um imenso lamento ao autoritarismo vigente da “democracia plural” da Epifania/MEJ!

Luís Giorgis Dias (Bagé) – O socialista que se formará na 10ª fase.


[1] Meu interesse na caricatura é irônico.
[2] Citação direta da nota publicada.
[3] Termo do filósofo Antonio Gramsci, que diferentemente da pequena política, rompe com as estruturas de poder estabelecidas e busca novas relações para além delas.