Vamos rescindir com o Hospital Psiquiátrico São Pedro?

Visitar o Hospital Psiquiátrico São Pedro é sempre uma experiência no mínimo incômoda. Semana passada regressei  a este lugar e de novo passei a ouvir ecos e ver imagens de um passado próximo, mas que ainda tenta persistir no presente.

Foi minha terceira visita ao São Pedro. Fui conhecer as moradias e projetos que lá existem, como parte da itinerância pelos campos da residência multiprofissional. Elas infelizmente são muito próximas ao São Pedro, mas ainda assim se mostraram espaços fundamentais e de maior liberdade para os usuários. Para chegar nelas passei por dentro do manicômio e neste percurso escutava gritos reais de pessoas em crise. Mas em meu imaginário também vinham imagens e gritos de dor e sofrimento. O "Holocausto Brasileiro", como coloca Daniela Arbex, ressuscitava em minha cabeça e gerava um tremendo mal estar. "Quanta dor se acumulou ali?", me questionei. Não conseguia aceitar que aquele hospital continuava existindo, pelo menos não enquanto um dispositivo de "saúde mental".

Passados alguns dias, este sentimento negativo retornou. Peguei em mãos a nota do governo anunciando que estaria rescindindo o aluguel de 3 serviços residenciais terapêuticos. Na nota a justificativa é a de que eles não eram usados e desviavam de suas funções. Não se problematiza o porquê disto ocorrer, apenas se conclui que por causa destes motivos os contratos não existirão mais. Prossegue com uma abstração sobre a RAPS e finaliza elogiando a importância do São Pedro por ele possuir uma diversidade de especialistas médicos. Ainda antes desta notícia houveram outras: a da reativação do hospital colônia de Itapuã e a declaração do novo coordenador estadual de saúde mental de que a intenção do governo é a de reativar o São Pedro como uma referência em saúde mental não só para usuários como também para a formação de profissionais, de forma que a Escola de Saúde Pública foi convocada a tornar o manicômio um dos lugares privilegiados de formação, indo na contramão de toda a reforma psiquiátrica.

Diante disto é inevitável não pensar que o velho argumento do corte de gastos espirra agora na saúde mental gaúcha. A justificativa pragmática dada pela gestão (não eram usados) surge apenas como uma forma de tangenciar o fato de que se por um lado cortamos esses serviços alternativos, por outro se tenta reativar e modernizar o manicômio. Seguindo a lógica da gestão, fica a provocação: Por que não rescindimos com o São Pedro? Há muito tempo ele deixou de cumprir sua função. Há muito tempo ele sequer é admitido pela legislação como lugar privilegiado e prioritário de saúde mental. O movimento deveria ser justamente o contrário: o de cortar contratos com São Pedro na medida em que os que lá moram deixam aquele lugar, direcionar seus leitos para Hospitais Gerais e aumentar a rede de atenção psicossocial, preconizando o tratamento em liberdade e pautado pela integralidade com a rede. Esta última, inclusive, não só é rica em especialistas médicos como também em outros núcleos profissionais e diversidade de serviços.

O desserviço que a lógica manicomial fez para muitas famílias e pessoas ecoa até hoje, de forma que é difícil acreditar que os residenciais não possuem utilidade, pois certamente não faltam pessoas dentro da rede que fariam o devido uso deles. Esta recisão não é meramente uma operação de corte de gastos como se quer fazer parecer, mas acima de tudo mais uma evidência de um projeto de saúde mental onde se privilegia tornar centrais o manicômio e a vacilante psiquiatria em detrimento do aprimoramento da rede. A mobilização se faz precisa.


¹Foto tirada em um dos muros próximo das moradas do São Pedro.

Qual é a surpresa?

Tenho visto pessoas surpresas nessas últimas semanas. Como se as recentes marchas fossem algo inédito. Como se fosse algo novo uma elite brasileira defendendo retrocessos ou operando na base do ódio e do terror, reduzindo a política à moralidade.

O romancismo residual de 2013 e a polarização falsa das eleições precisam ser deixados de lado. O MPL e outros movimentos de esquerda entraram nas ruas apanhando e saíram apanhando - se removeram das manifestações. Apanharam inclusive desta direita que arrancava bandeiras, elogiava a polícia e ficava feliz em "purificar" os protestos dos partidos, da esquerda e dos "vândalos". No caos de 2013, embora a esquerda tenha sido protagonista, isto de forma alguma fez dos protestos algo revolucionário. Pelo contrário, setores mais reacionários e combativos como os fascistas e outros partidos de direita também somaram às ruas já querendo combater "o esquerdismo" e o PT, que pra eles é um símbolo da esquerda. Não saíram nas ruas pelo passe livre. Saíram pra exaltar Joaquim Barbosa e pra pedir o retorno da ditadura, redução da maioridade penal, combate ao gayzismo e o kit gay, contra o aborto, pela privatização, contra a "ilegalidade" da Lei maria da Penha etc... Para não mencionar a jogada da mídia (simbolizada pelas desculpas de Jabor) de estímulo ao protesto, ao invés da clássica demonização deste tipo de exercício democrático.

Estes seus familiares exaltados e amigos ou amigas que nunca saíram pra protestar pra nada e resolveram sair no dia 15 sempre foram adeptos deste campo. Eles nunca simpatizaram em nada pela luta por direitos. Desde antes sempre foram aqueles sujeitos que faziam uso das frases clássicas como "direito dos manos",  que o Bolsa Família é um absurdo, que acham que comunistas são vagabundos, que protestar é vadiagem ou que a criminalidade é um problema exclusivamente moral. Desde antes não apoiavam "os vermelhos" e o PT - para eles Maria do Rosário e Dilma sempre foram vacas imbecis. É por isso que existe a atenção seletiva destas pessoas para com determinados fatos políticos: é a luta de classes; a luta política, em suma, guerra. A racionalidade é justamente a de fortalecer a si e enfraquecer o inimigo. Que existem pessoas que só estão "#cansadas" do PT e de repente possuem uma mente progressista também é verdade, mas estas aí são a ressaca de 2013 que foi abocanhada pela direita e sua tática de centralizar na Dilma e no PT os problemas do país.

Que a insatisfação da direita é altamente questionável é fato, mas por outro lado também é legítimo que a ela esteja organizada e tenha a coragem de falar publicamente. Ela também tem a sua cara e precisa mostrá-la. Por hora, todo tipo de movimento de direita está junto vestindo a bandeira do Brasil. Integralistas estão andando de mãos dadas com liberais contra o comunismo e contra a esquerda, ainda que mascarando seus interesses específicos atrás do tema da "corrupção", tema este que definitivamente não é o divisor de água entre pessoas que foram e não foram no dia 15.


Esta é a conformação da organização mais explícita da direita nacional. Nada de novo. O que fica em aberto é: A) Onde está a organização da esquerda? e B) Por quanto tempo a corrupção e o PT vão servir pra ludibriar as pessoas de que se trata de um movimento puro e pela mudança do país.