Crônicas Detestáveis de Tomás III

Érica acordou insatisfeita. Estava em um quarto escuro, onde a cortina não dava conta de tapar completamente a luz do sol que raiava e que a fazia despertar com os olhos entreabertos. Ao invés de ter preguiça só conseguia perceber que seu coração batia forte fazendo-a se sentir angustiada e ansiosa. Passou sua fina mão em seu peito, tentando acalmar seus sentimentos intensos e que a tomavam conta. Então veio em sua mente a clássica passagem freudiana: "Afinal, o que querem as mulheres?". Voltou para si a provocação: "O que eu quero?" pensou ela. Seu olhar fixou-se no teto.  Estava sentindo um vazio dentro de si, tinha falta de algo e queria que aquilo acabasse; queria ir embora. Tinha acabado de dormir com dois homens que conheceu em uma noite. Um era um rapaz negro muito bonito e o outro um homem mais velho, com uma barba em vias de ficar grisalha, mas que era desejado por um número considerável da outras garotas por todo seu appeal cult. Ambos também tinham uma mentalidade sobre sexualidade destas que acham espaço nos círculos libertários e de esquerda, dispostos à vivências de toda a sorte. Também desfrutavam de alta reputação em seus meios sociais. Fato é que foi bem servida toda a noite. Gozou muito. Mas ainda assim acordou com este pensamento. Tratou de ir embora logo, mesmo com a insistência e o carinho de um dos homens. Na verdade, sentiu certa repugnância daquelas carícias e essa ambivalência só a deixou mais confusa. Partiu com rapidez.

Aguardava um taxi já fora do ambiente angustiante, mas sua mente continuava ansiosa. Não queria sentir mais falta. Queria estar completa! Não lhe faltavam oportunidades. Era uma mulher jovem, bonita, intelectualizada e com um salário que lhe garantia grande independência.  Ao embarcar no veículo prontamente abriu seu smartphone e viu que em seu Whatsapp e seu Tinder possuía um diverso e verdadeiro cardápio de homens e mulheres. Mas a mensagem que ela queria ver ali não estava. Nenhum recado dele. Queria muito entender a si mesma. Queria saber porque estava desejando um sujeito tão simples diante de toda essa gama de possibilidades. Percebia que gostava de se sentir ansiosa por causa dele. Detestava o fato de amar a ambiguidade que ele lhe passava. Gostava de viver entre a certeza e a incerteza: tinha prazer com o desprazer da dúvida. Por um lado, ele lhe ofertava um afeto que lhe fazia sentir desejada e acima de tudo segura de si mesma e de que era amada, e sempre que pensava e sentia isso tinha uma sensação de plenitude que não sabia explicar. Por outro, certo descaso deste rapaz com seus próprios sentimentos,  mesclado com um desapego existencialista a faziam pensar que ela não era tão especial e que ele tinha outras prioridades. Não haveriam garantias e o pior de tudo é que isso transmitia a ela a angustiante ideia de que ele não sofreria em nada caso ela decidisse por romper com ele. Embarcava nessa montanha russa emocional novamente e vivenciava um gozo inexplicável, mas também doloroso.

Passou parte do dia obsessivamente pegando seu celular e verificando se recebera ou não uma mensagem dele. Sabia que o celular iria vibrar e tocar se isso acontecesse, mas mesmo sem acontecer, pegava e olhava de qualquer jeito. Queria era dizer isso tudo pra ele e que se danassem todas as consequências! Mas tinha um medo terrível de ser carente. Tinha dúvidas se realmente queria se sentir completa. Se estava "pronta" para essa entrega única, que é a dos nossos medos mais íntimos aos cuidados de quem se ama: um mostrar-se frágil e insuficiente, algo que uma sociedade burguesa pautada na ideia de self-made man tenta suprimir com todas as forças psiquiátricas e psicológicas. Sentia-se como prestes a pular de um bungee jump toda vez que pegava aquele celular e de alguma forma pensava em mandar alguma mensagem, mas logo sobrevinham todos esses pensamentos relacionados à ideia de "parecer auto suficiente". Queria ser como ele um pouco, que aparentemente doma seus sentimentos mais íntimos e os direciona para onde bem achar melhor. Mas ela não era assim. Era pura sensação.

O dia passou. Olhou para a caixa de medicamentos ansiolíticos que havia conseguido em uma consulta. Talvez fosse hora de admitir que precisava deles. O celular vibrou. Largou tudo e viu que era uma mensagem dele. Pensou se aguardava alguns minutos, para parecer ocupada. Que nada. Logo respondeu e logo estava se preparando para recebê-lo em casa, saltitante e feliz. Os remédios, por hora, ficariam de lado.