Érica acordou insatisfeita. Estava
em um quarto escuro, onde a cortina não dava conta de tapar completamente a luz
do sol que raiava e que a fazia despertar com os olhos entreabertos. Ao invés
de ter preguiça só conseguia perceber que seu coração batia forte fazendo-a se
sentir angustiada e ansiosa. Passou sua fina mão em seu peito, tentando acalmar
seus sentimentos intensos e que a tomavam conta. Então veio em sua mente a
clássica passagem freudiana: "Afinal, o que querem as mulheres?". Voltou
para si a provocação: "O que eu quero?" pensou ela. Seu olhar
fixou-se no teto. Estava sentindo um
vazio dentro de si, tinha falta de algo e queria que aquilo acabasse; queria ir
embora. Tinha acabado de dormir com dois homens que conheceu em uma noite. Um
era um rapaz negro muito bonito e o outro um homem mais velho, com uma barba em
vias de ficar grisalha, mas que era desejado por um número considerável da
outras garotas por todo seu appeal
cult. Ambos também tinham uma mentalidade sobre sexualidade destas que acham
espaço nos círculos libertários e de esquerda, dispostos à vivências de toda a
sorte. Também desfrutavam de alta reputação em seus meios sociais. Fato é que foi
bem servida toda a noite. Gozou muito. Mas ainda assim acordou com este pensamento.
Tratou de ir embora logo, mesmo com a insistência e o carinho de um dos homens.
Na verdade, sentiu certa repugnância daquelas carícias e essa ambivalência só a
deixou mais confusa. Partiu com rapidez.
Aguardava um taxi já fora do
ambiente angustiante, mas sua mente continuava ansiosa. Não queria sentir mais
falta. Queria estar completa! Não lhe faltavam oportunidades. Era uma mulher jovem,
bonita, intelectualizada e com um salário que lhe garantia grande independência.
Ao embarcar no veículo prontamente abriu
seu smartphone e viu que em seu Whatsapp e seu Tinder possuía um diverso e verdadeiro cardápio de homens e
mulheres. Mas a mensagem que ela queria ver ali não estava. Nenhum recado dele.
Queria muito entender a si mesma. Queria saber porque estava desejando um
sujeito tão simples diante de toda essa gama de possibilidades. Percebia que
gostava de se sentir ansiosa por causa dele. Detestava o fato de amar a
ambiguidade que ele lhe passava. Gostava de viver entre a certeza e a
incerteza: tinha prazer com o desprazer da dúvida. Por um lado, ele lhe
ofertava um afeto que lhe fazia sentir desejada e acima de tudo segura de si
mesma e de que era amada, e sempre que pensava e sentia isso tinha uma sensação
de plenitude que não sabia explicar. Por outro, certo descaso deste rapaz com
seus próprios sentimentos, mesclado com um
desapego existencialista a faziam pensar que ela não era tão especial e que ele
tinha outras prioridades. Não haveriam garantias e o pior de tudo é que isso transmitia
a ela a angustiante ideia de que ele não sofreria em nada caso ela decidisse
por romper com ele. Embarcava nessa montanha russa emocional novamente e vivenciava
um gozo inexplicável, mas também doloroso.
Passou parte do dia
obsessivamente pegando seu celular e verificando se recebera ou não uma
mensagem dele. Sabia que o celular iria vibrar e tocar se isso acontecesse, mas
mesmo sem acontecer, pegava e olhava de qualquer jeito. Queria era dizer isso
tudo pra ele e que se danassem todas as consequências! Mas tinha um medo
terrível de ser carente. Tinha dúvidas se realmente queria se sentir completa.
Se estava "pronta" para essa entrega única, que é a dos nossos medos
mais íntimos aos cuidados de quem se ama: um mostrar-se frágil e insuficiente,
algo que uma sociedade burguesa pautada na ideia de self-made man tenta suprimir com todas as forças psiquiátricas e psicológicas.
Sentia-se como prestes a pular de um bungee jump toda vez que pegava aquele
celular e de alguma forma pensava em mandar alguma mensagem, mas logo
sobrevinham todos esses pensamentos relacionados à ideia de "parecer auto
suficiente". Queria ser como ele um pouco, que aparentemente doma seus
sentimentos mais íntimos e os direciona para onde bem achar melhor. Mas ela não
era assim. Era pura sensação.