Os tempos andam ruins para os que
lutam por direitos básicos e pela liberdade! Da proibição ao direito da mulher impedir uma
gestação indesejada a até as lutas por moradia ou educação, o que temos visto é
que o terreno anda espinhoso no que se refere à garantia de direitos e violento
no que se refere à luta nas ruas.
Com a saúde não tem sido
diferente: desde a aprovação da abertura ao capital estrangeiro a até a
privatização constante do SUS, como se dá com a EBSERH, temos nos deparado com uma
conjuntura nada agradável no que se refere à consolidação de um sistema
universal e verdadeiramente público de saúde. A questão mais recente diz
respeito à nomeação de Valencius Wurch como coordenador nacional de saúde
mental. Trata-se de um psiquiatra abertamente contra a reforma psiquiátrica e
que dirigiu um hospício que tinha já em sua fundação a prerrogativa de "internar"
pessoas desviantes - em especial as contra o regime ditatorial. Este lugar foi
fechado no ano de 2000 devido às inúmeras violações de direitos humanos.
São duas as questões que gostaria
de trazer à tona. A primeira diz respeito à argumentação que justifica a nomeação
de um partidário da contrarreforma e que tem sido a palavra de ordem da
psiquiatria e de parte da medicina para combater o que retira parte de seu
poder: "isso não é ciência". Para Wurch e os adeptos da contrarreforma,
a extinção dos manicômios não tem embasamento científico, apenas político e
ideológico. Algo irônico vindo de alguém que foi indicado por ser um bom amigo
do novo ministro e que não tem nenhuma produção científica na área da saúde
mental, e no mínimo cínico da parte de alguém que coordenou uma instituição que
teve que ter fechada justamente por não produzir e nem promover saúde. Mas
Wurch não está de todo errado: a discussão da reforma psiquiátrica extrapola a
exclusividade técnico-científica e sim, torna-se fundamentalmente política. O verdadeiro
papel que o hospital psiquiátrico exerceu e exerce até hoje nunca foi o do compromisso
com a saúde, mas sim o da manutenção de um determinado tipo de sociedade que impõe
um modo de subjetivação e de vida, e que lança mão deste tipo de instituição
para fazer valer seu ideário na marra visando sustentar o decadente e
contraditório projeto democrático ocidental. Tendo esta função política do
manicômio em mente, não devemos nos surpreender que junto do aumento da população
de rua nas grandes metrópoles, do aumento da criminalidade, de fenômenos como a
crackolândia, desemprego e uso abusivo de drogas, tenhamos justamente a
retomada de políticas de encarceramento em massa, como a redução da maioridade
penal e o resgate da internação compulsória em hospícios e comunidades terapêuticas.
É a retomada da função política-ideológica (no sentido de alienação) deste tipo
de instituição: individualizar e mascarar problemas sociais muito maiores, os
quais, diga-se de passagem, a reforma psiquiátrica reconhece quando diz que o
tratamento em saúde mental perpassa pela reinserção social e a retomada dos
direitos fundamentais. Concomitante a isso é preciso sinalizar também a
retomada do discurso liberal empreendedor, que visa com ações como a privatização
dos presídios e o repasse de verbas do ministério da saúde para comunidades
terapêuticas fazer verter dinheiro com as mazelas nacionais sem ter
comprometimento com sua resolução. O que se esconde no combate "à epidemia
do crack" e aos loucos (nas palavras do coordenador estadual de saúde
mental do RS, também de uma gestão do PMDB) é a retomada da higienização e
limpeza social como método resolutivo da atual crise. A guerra aos pobres. Portanto
sim, a discussão é política!
A segunda e última questão é um
alerta e uma autocrítica necessária. Nos últimos tempos a política
institucional tem demonstrado sua completa falência. Não é apenas no circo
armado no congresso nacional que isto se evidencia. É também na fracassada aposta
de muitos lutadores e lutadoras sociais deste país de depositar em um partido e
em cargos do Estado a garantia da efetivação de uma sociedade melhor, tendo
como resultado um governo nada alinhado aos movimentos sociais e que acaba por
aparelhar lideranças de boa parte dos mesmos, vindo em alguns momentos até
mesmo a frea-los. Com mais este golpe direto em todo o ideário cada vez mais
ameaçado do SUS devemos retomar uma velha lição política: o que sustenta e
garante uma sociedade alternativa, baseada na liberdade e igualdade, não são
cargos estatais: é o povo organizado - nada mais e nada menos. Nenhum passo
atrás!