Caros e caras,
A universidade tem a incrível habilidade de nos transformar de estudantes em especialistas. Através de um diploma ela nos autoriza a vestir esta estranha carapuça que nos investe de uma força que nos autoriza a olhar a vocês e lhes dizer o que é bom ou ruim pra suas vidas, ou o que você é ou tem "na cabeça". Isto nos torna muitas vezes vaidosos e confiantes de que temos um leque tão vasto de leituras e ferramentas, que podemos dar respostas para praticamente todos os problemas que surgirem. Este vício nos deixa tão impregnados, que muitas vezes quando não temos a resposta tratamos de criá-la - processo que muitas vezes ignora o que vocês nos dizem. É muito fácil sermos seduzidos por nossa formação profissional e nos custa muito pouco assumirmos o posto de "doutores", vindo de forma muito cômoda a nos encerrarmos neste lugar que denuncio.
Minha formação me deu muitos livros e leituras. Dotou-me de conceitos e termos complexos. Colocou-me esta carapuça e fez eu achar que já sabia o bastante sobre saúde mental. Mas então conheci cada um de vocês! Uns mais e outros menos. E vocês me mostraram pelas falas, olhares, histórias, emoções, lágrimas e risadas, que a saúde mental não se opera só com conceitos clínicos ou diagnósticos! Eu havia lido sobre isso, mas foi só depois de encontrar com vocês que eu senti isso - e então de verdade aprendi. Aprendi que a saúde mental se faz com o vínculo e com a troca sincera. Vocês me mostraram que é possível ser um terapeuta fora de uma sala fechada. Ensinaram-me que quando saímos juntos nas ruas em uma passeata em defesa de nossos direitos ou que tocando gaita e violão, estamos fazendo saúde mental. Quando me deram a honra de me considerarem seu amigo, me mostraram que isso não é necessariamente um problema para o terapeuta, que não estraga esse lugar e que em alguns casos é muito mais relevante para vosso bem estar do que pomposas interpretações analíticas ou explicações extensas sobre as "doenças" que possuem. Quando se deram a liberdade de fazer piadas ou quando mexeram comigo de alguma forma cômica, me ajudaram a ver com mais leveza este lugar de técnico e aprender que a convivência, as risadas e as bobagens também nos aproximam e muitas vezes permitem que vocês se sintam à vontade de expor histórias e conflitos. Mostraram-me que em nada interfere, senão para o melhor, sentar com vocês para papear por uma tarde jogando xadrez ou lanchando. Mas também me mostraram nas crises e nos conflitos a necessidade da firmeza e dos contratos, e que nosso lugar também implica na responsabilidade de sermos, às vezes, "chatos" com vocês. A cada PTS revisto, me ensinaram que a saúde mental não é estática e que para que o CAPS não seja um outro manicômio, precisa ser flexível e disposto à construção conjunta. Vocês me mostraram que saúde mental se faz com humildade e uma profunda abertura a todo o material que vocês se permitem expor.
Falei tudo isto para lhes agradecer do fundo do coração. Vocês mexeram comigo de uma forma muito positiva, assim como espero ter mexido com vocês. Vocês me auxiliaram na minha formação quando me ajudaram a sair deste lugar de "formado" para adentrar no de parceiro, terapeuta e, por que não, amigo. Sentirei muitas saudades e desejo a vocês muitas felicidades.
-Luís Giorgis Dias - Residente UFRGS - 2016