CRÔNICAS EM TEMPOS DE GOLPE – APOTEOSE PARTE 1

No dia 24/01/2018 chega um dia histórico no país: o julgamento globalmente visto como controverso e enormemente enviesado politicamente do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Para mim, trata-se do ápice do golpe que temos vivido e a apoteose de nossa decadência política: de um lado a extrema direita junto da direita na rua pedindo a prisão de Lula (e apenas a dele) e afirmando o golpe e suas “reformas” anti-povo; do outro uma esquerda estilhaçada defendendo uma flor que não se cheira politicamente, que é o Partido dos Trabalhadores.

Mas o que queria relatar ao leitor nesses registros são esses “detalhes” que às vezes ficam suprimidos em narrativas históricas lineares e “polidas”, dessas que lemos séculos depois dos ocorridos. O que eu queria comentar que aconteceu nas vésperas desse dia foram as dissidências dentro da esquerda. Em um lado, havia pessoas defendendo a não condenação: petistas e setores da esquerda que entendiam que a condenação seria um golpe duro na democracia e na esquerda como um todo. Do outro lado, militantes envoltos em um certo purismo ou em uma noção de dialética um tanto engessada: não cabe/não vou defender Lula e o PT, pois prefiro defender Rafael Braga e/ou não coaduno com as decisões do partido ao longo de seus governos.

Gosto de pegar esse fato, pois essa peculiaridade exemplifica bem um problema gigante que temos vivido no campo da esquerda: a dificuldade de composição. Se por um lado o petismo cego acha (mesmo) que Lula presidente é a salvação do Brasil, por outro alguns militantes de esquerda acham que por invocar a pauta A ou B ou lembrar do movimento minoritário Z ou Y, estariam ou deveriam estar isentos diante da situação – e não há dúvidas que muitos já fazem isso pensando na eleição de seus candidatos. Perdura entre nós algo de um pensamento voltado ao próprio umbigo, orientado talvez pelo prazer de “lavar as mãos” quando for oportuno crescer politicamente ou simplesmente para se sentir bem dizendo “eu falei” de uma posição distante. Esse é um prazer recorrente dentro do campo da esquerda: certa “lacração” advinda de uma posição pura e isenta de contradições. Enfim, a negação de toda uma tradição de pensamento embasada no movimento e na luta.

Eu assisti o discurso de Lula no dia anterior. Impossível não pensar que tudo que foi dito foi sumariamente ignorado nas gestões de coalizão de seus governos. Ainda assim, é necessário defendê-lo nesse dia, pois para o campo da direita eu sou Lula e o PT – e talvez eu seja um pouco mesmo, pois esse partido ainda é parte central da história recente da esquerda nacional. Não é ignorando (muito menos cuspindo) em nossa história que avançamos, especialmente se focarmos nossa ignorância nas partes “ruins”.

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No mais, marchamos, penso eu, para uma profunda derrota, pois aparentemente só através dela podemos voltar a sonhar e abandonar um pouco o pragmatismo eleitoreiro.