NOTAS DOS TEMPOS DE GOLPE

Estava eu e mais um grupo de umas 30 pessoas participando de uma caminhada histórica por POA, que tinha como objetivo apresentar pontos da cidade que serviam de espacos de organização política, lazer e cultura operária.

Por uma ironia do acaso, enquanto falávamos sobre as greves de 1919 e movimento anti nazi de POA, passa uma carreata pro Bozo (fraquíssima por sinal). Entre bandeiras do Brasil e da monarquia, aguardavamos a sinaleira para atravessar a avenida. Evidentemente, as pessoas da carreata clamavam por nosso apoio, mas.prontamente começamos a mostrar o dedo polegar voltado pra baixo, sinalizando desaprovação do candidato. Do alto do carro de som, um sujeito me.filmava e me xingava em alto e bom tom, algo que respondi com uma risada e uma saudação nazista irônica.

Na verdade, isso me tocou pouco. O que me.tocou veio depois: um menino que devia ter uns 4 anos e que estava dentro de um dos carros da carreata passou nos encarando e mostrando o dedo do meio. Ele tinha um olhar sério e até raivoso. Sustentou seu dedo do meio pra fora do carro até sumir pela avenida. Do nosso grupo, não houve nada de agressivo e apenas desaprovação.

Essa é uma cena que fica na cabeça e evidencia o mar de odio que os eleitores desse sujeito navegam.

Mãos Dadas (por Carlos Drummond de Andrade)

Não serei o poeta de um mundo caduco.

Também não cantarei o mundo futuro.
Estou preso à vida e olho meus companheiros.
Estão taciturnos mas nutrem grandes esperanças.
Entre eles, considero a enorme realidade.
O presente é tão grande, não nos afastemos.
Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas.

Não serei o cantor de uma mulher, de uma história,
não direi os suspiros ao anoitecer, a paisagem vista da janela,
não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida,
não fugirei para as ilhas nem serei raptado por serafins.
O tempo é a minha matéria, o tempo presente, os homens presentes,
a vida presente.

Carlos Drummon de Andrade