AINDA SOBRE A TERRÍVEL E ABOMINANTE NOTA TÉCNICA DE SAÚDE MENTAL DO GOVERNO FAXO -QUAL É A TARA PELO ELETROCHOQUE?

A nota recém lançada pelo governo é um horror. É fundamental ler ela para ver que seus fundamentos são os mesmos que sustentam o resto das ações desse governo: a ausência de embasamento, a necessidade de colocar a culpa nos governos de esquerda e um discurso essencialmente moralista. Eu queria comentar aqui essa tara pelo eletrochoque. Que fique claro que pra mim a questão principal é a retomada de hospitais psiquiátricos, mas vamos para a ECT antes.

A história desse procedimento anda de mãos dadas com a necessidade da psiquiatria ter que se refundar sob bases neurofisiólogicas, visto que toda sua história foi acompanhada por críticas severas á falta de cientificidade dos procedimentos psiquiátricos.

O famoso Eletrochoque foi muito utilizado nos manicômios pelo mundo a fora, sempre acompanhado de argumentações científicas inconsistentes a respeito de sua efetividade. Na prática, o eletrochoque era mais um instrumento de punição e tratamento moral do que de saúde, pois sua utilização tinha mais a ver com uma necessidade de domar e/ou punir loucos desobedientes ou "problemáticos" do que qualquer outra coisa. Ele era, portanto, muito funcional ao que se prestava e cruel ao mesmo tempo.

A ECT (que é o eletrochoque de volta) reaparece agora com essas roupagens estilo Hi-Tec e prometendo choques para reequilibrar a química cerebral. Até onde eu li sobre, segue sendo um procedimento complexo, caro e que precisa ainda de mais validações para ser usado a nível de política pública. No meu ponto de vista, sendo seguro, comprovado e utilizado como tratamento e não como tortura, não vejo problema. O que é suspeito é a citação direta sobre esse procedimento por parte do governo. Qual é a necessidade de reafirmar a ECT dessa forma e, curiosamente, junto dos hospitais psiquiátricos?

É aqui que pra mim entramos no verdadeiro ponto em questão: o interesse de abandonar a reforma psiquiátrica e seus preceitos progressistas e libertários para regredir ao modelo hospitalocêntrico e manicomial. Substituir um modelo de prevenção e tratamento em liberdade e no território pela retomada da internação, dos hospitais psiquiátricos e de procedimentos de alta complexidade não passa da necessidade da Psiquiatria tentar se reafirmar como hegemonia no campo da saúde mental, ao mesmo tempo em que faz do tratamento da loucura novamente uma bela mercadoria (nunca deixou de ser, mas podemos discutir isso em outro momento) pra ser explorada e preferencialmente tratada através de medidas baseadas no isolamento e internação,voltada diretamente aos elementos mais indesejados da sociedade: pessoas pobres e/ou em situação de rua, usuárias de drogas e que são em sua maioria pessoas negras. Quanto mais gente internada, mais dinheiro rolando. Para um Estado que se diz falido, instaurar um CAPS AD IV (com mais profissionais médicos) e focar em procedimentos de alta complexidade como hospitais e ECT parece um completo contrassenso, como é toda política desse governo.

De resto, a nota é um show de horrores e de retrocessos. Reafirma que devemos ser contra legalização das drogas e que a busca deve ser pela abstinência e supressão do uso de substâncias. Realinha a Saúde Mental com o discurso da Segurança Pública e retoma a clássica função de dominação dos corpos e punição dos indesejáveis.

Ps:
Leiam a nota. Ela é também muito mal escrita, parecendo mais um panfleto ideológico voltado pra legitimar hospitais psiquiátricos e comunidades terapêuticas (essas últimas diretamente citadas várias vezes)

http://pbpd.org.br/wp-content/uploads/2019/02/0656ad6e.pdf