Reflexões Natalinas

Vim passar esta parte final de festividades em minha cidade natal – Bagé – no interior do Rio Grande do Sul. Já fazia algum tempo que não aparecia por aqui: parte por estar realmente longe e ficando bem inviável de viajar pra cá fora das férias e parte por não ter mais tanta afinidade com a cidade. Ainda assim há muito tempo eu não vinha para cá para vivenciar este tipo de festividade em conjunto de um número maior de familiares ficando restrito a festas um pouco menos pomposas e longe destes. Este ano, porém, resolvi voltar a vivenciar um pouco mais este tipo de festividade e depois de experienciá-las eu trago um novo conjunto de pensamentos e ideias.

Posso parecer um pouco mórbido ou até mesmo triste em levantar esta reflexão mas pouco me importa pois sei que a mesma é parte do âmago do homem desde que o mesmo passou a planejar sua vida de maneira organizada e projetiva. A palavra que mais fez parte de mim nesta noite de natal foi tempo. Anterior à noite de natal frequentei 3 formaturas: a de meu irmão (terceiro ano), a de minha prima (oitava série) e a de um dos melhores amigos meu e de meu irmão (terceiro ano). Ao final da terceira formatura percebi que já não era mais eu a criancinha que fica brincando à parte da cerimônia correndo de um lado para o outro; percebi que já não era mais eu o adolescente emburrado de braços cruzados querendo que a cerimônia terminasse logo; já não era mais eu, tenso, acalorado, aguardando ser chamado para receber meu diploma. Era eu já sim, o adulto, aquele que está refletindo pensando no seu futuro profissional e apreciando a felicidade de uma nova geração e que hoje está crescendo e deixando de serem apenas jovens para ingressar também em um ambiente adulto. Esta transição de papéis me chamou atenção e ao mesmo tempo observei aqueles já adiantados a nós: os pais alegres com a formatura do filho ou os avós observando com muita alegria e serenidade o quão bonita é a formatura e estão seus netos e/ou afilhados. A roda da vida estava realmente girando naquele instante e isto ficou muito claro para mim. Antecedido por estes fatos, cheguei na sala onde sempre passava o natal ansioso por presentes, na dinda de minha mãe e casa de minha querida bisavó. Ela ainda mantinha o mesmo formato com a árvore ao canto direito repleta de presentes e sacolas. A mesa estava com o peru frio que nunca gostei muito e dos doces que eu sempre fazia questão de comer. Não fiquei mais de um lado para o outro com meus primos ou irmão, nem observando as árvores. Sentei e passei a conversar com meus primos, já também adultos estudando e/ou trabalhando. Não falei mais em presentes, nem em brinquedos. Falei da vida; de minha namorada, estudos, trabalho. Ví porém minha prima menor, de 5 anos, repetindo muito de meus comportamentos passados relacionados ao natal. Minha bisavó ficava prestigiada olhando a todos com serenidade e aproveitando o Natal com seus familiares. Já na hora da ceia fomos recebidos por 2 violeiros que vieram prestigiar meu avô e abençoar nossa casa no natal. Passamos a virada da noite sambando no meio da rua com o som destes 2 homens que pra mim sempre me foram estranhos mas que em pouco tempo já faziam parte de algo muito maior que uma simples relação de conhecer ou não alguém : estávamos unidos aproveitando esta data especial. É uma pena que nos centros urbanos de hoje esta seja uma prática quase que impossível por motivos que agora não é de meu interesse discriminar.

Estas vivências me deram condições de analisar esta transição de papéis que cumpri e tenho cumprido ao longo da minha vida. De criança que brincava de jipe no pátio da casa de meus avós para jovem estudante de ensino superior. O tempo não nos deixa escapar de maneira nenhuma não é mesmo? Este sentimento nostálgico e a consciência de tudo que passou não vai voltar do jeito que era me fez pensar muito se tenho aproveitado estes momentos de minha vida. O que estou construindo hoje para um bom futuro e a possibilidade intensa de felicidade ao longo de meus anos? Como não me arrepender e poder dizer no final das contas: valeu à pena quando pessoas ou oportunidades já tiverem ido embora ou passado? Ao mesmo tempo que fiquei preocupado e de certa maneira até mesmo triste fiquei també,m realizado. Deparei-me novamente com uma das belezas do ser humano que é desvendar os mistérios dessa vida finita e como é bonito o seu passar e suas fases.

Final de Semestre universitário

Se fosse perguntado para mim algumas semanas atrás "Como estão as coisas?" certamente a resposta seria "Final de semestre". Nem iria perder tempo formulando uma frase. Meus olhos, expressão e respiração em tom de desabafo logo tornariam estas duas palavras altamente compreensíveis de maneira a passar minha mensagem. É de assustar a quantidade de estudantes que andam pela UFSC no final do semestre arrancando seus cabelos, preocupados com suas notas, trabalhos, disciplinas, estágios e tudo mais. É uma loucura coletiva que passa dos limites do "normal" e passa a se tornar algo bizarro. O pior é que já está tão enraizado que quando você fala que está tendo dificuldades no final do semestre o que recebe de respostas é um tapinha nas costas com uma risadinha, confortando (ou não) dizendo "pois é, final de semestre é assim mesmo. foda. Bom vou lá terminar (insira trabalho aqui)". O mesmo fenômeno ocorre com os professores que também sentem a sobrecarga de seus trabalhos e orbigações para com o ensino e a pesquisa universitária. Quem sofre com isso, claro, é o estudante.

Poderíamos ficar aqui divagando muito tempo sobre o absurdo que é, o sofrimento, a angústia e tudo mais. Não quero desmerecer as emoções e o estado de saúde mental dos estudantes de maneira alguma mas gostaria de levar este pequeno diálogo um pouco mais a fundo, que tem a ver com a estruturação de nossos currículos e a ótica vigente dentro da universidade à respeito de uma graduação de "qualidade".

Veja eu por exemplo. Projetinho de futuro profissional na área da saúde. Mas que profissional de saúde vou me tornar sendo que durante minha graduação eu próprio sofro um adoecimento severo e estressante? Que condições de trabalho são impostas para nós estudantes e professores? Meu curso é integral e mal deixa espaço com todas suas atividades para que eu possa praticar com a consciência limpa um esporte 3 ou 5 vezes por semana, uma língua adicional, atividades de militância estudantil e grupos de estudo. Na verdade mal posso ler um livro que me interessa (e a maioria é de psicologia!) pois não tenho tempo e certamente sou invadido por um sentimento de culpa quando me pego estudando Marx quando na verdade tenho uma prova de estatística para calcular a normal de um gráfico no outro dia. É justo sentir-se culpado com isso? Pior ainda é ter de abster temporariamente de atividades que me fazem bem para ter que colocar os estudos (inúteis) em dia ou fazer aquele trabalho sem sentido nenhum e que no próximo semestre já não vai fazer mais sentido algum pra mim. Além disso deparar-se diariamente com uma grade curricular que não contempla em grande parte a realidade de vida do brasileiro, bem como professores com opiniões que chegam ao mais alto grau de conservadorismo discursando mil teorias abstratas também em nada contribui para o bem estar aqui dentro e durante o semestre. Passa a pancada, vêm as férias, e  a gente começa a apanhar de novo.
Novamente, isto é puramente sintomático. Poderíamos ficar aqui por boas horas colocando a culpa na nossa graduação ou reclamando de como a vida é dura neste aspecto. Mas se olharmos um pouco mais a fundo podemos ver que estes aspectos (uma grade curricular angustiante, aulas inúteis e sem sentido, trabalhos excessivos) são consequências de uma ótica de funcionamento na universidade que es´t aatrelada a um pensamento produtivista, pragmático e dotada de uma lógica, como diria Paulo Freire: bancária.

A noção que se tem de uma graduação com qualidade está vinculada ao quanto você sai sabendo, quantas horas aula você tem, que artigos publicou (independente da qualidade deles), qual é seu IAA, etc... Esta é uma lógica geral, vigente na maioria das nossas instituições que estão mais preocupadas com nosso rendimento em medições e números do que de produção autônoma de um conhecimento de qualidade. E isto permeia nossas próprias noções em relação a nossa própria pessoa de maneira que nos submetamos a este funcionamento a ponto de ficarmos aos prantos no final de semestre, preocupados e ansiosos. O alto número de trabalhos, as provas intemrináveis, o "depósito" de conteúdo que em grande parte se tenta fazer na cabeça do estudante... Todos são sintomas de uma noção geral que se tem do que deve ser uma boa graduação. Mas mesmo estando todos tristes, chateados, estressados e tensos no final do semestre é preciso pensar também porque esta submissão. Que relações de poder estão em funcionamento para que os estudantes se submetam a tudo isto e que igualmente os professores se submetam a tudo isto? Seria realmente necessário um caminho tão penoso pela recompensa de um diploma ou esta trilha de aprendizagem e conhecimento poderia acontecer de maneiras muito mais prazerosas, emancipadores e realmente formadoras de um conhecimento pautada na e para a atuação profissional?

É uma questão difícil e que certamente entra em jogo interesses vinculados a manutenção de um funcionamento de nossa sociedade. Mas são desafios a serem superados.
Um bom final de semestre a todos!


ps: praticamente nada do que escrevi aqui é fruto de reflexões em sala de aula. Apenas da indignação que se passa dentro dela,  que fique bem claro.