Se fosse perguntado para mim algumas semanas atrás "Como estão as coisas?" certamente a resposta seria "Final de semestre". Nem iria perder tempo formulando uma frase. Meus olhos, expressão e respiração em tom de desabafo logo tornariam estas duas palavras altamente compreensíveis de maneira a passar minha mensagem. É de assustar a quantidade de estudantes que andam pela UFSC no final do semestre arrancando seus cabelos, preocupados com suas notas, trabalhos, disciplinas, estágios e tudo mais. É uma loucura coletiva que passa dos limites do "normal" e passa a se tornar algo bizarro. O pior é que já está tão enraizado que quando você fala que está tendo dificuldades no final do semestre o que recebe de respostas é um tapinha nas costas com uma risadinha, confortando (ou não) dizendo "pois é, final de semestre é assim mesmo. foda. Bom vou lá terminar (insira trabalho aqui)". O mesmo fenômeno ocorre com os professores que também sentem a sobrecarga de seus trabalhos e orbigações para com o ensino e a pesquisa universitária. Quem sofre com isso, claro, é o estudante.
Poderíamos ficar aqui divagando muito tempo sobre o absurdo que é, o sofrimento, a angústia e tudo mais. Não quero desmerecer as emoções e o estado de saúde mental dos estudantes de maneira alguma mas gostaria de levar este pequeno diálogo um pouco mais a fundo, que tem a ver com a estruturação de nossos currículos e a ótica vigente dentro da universidade à respeito de uma graduação de "qualidade".
Veja eu por exemplo. Projetinho de futuro profissional na área da saúde. Mas que profissional de saúde vou me tornar sendo que durante minha graduação eu próprio sofro um adoecimento severo e estressante? Que condições de trabalho são impostas para nós estudantes e professores? Meu curso é integral e mal deixa espaço com todas suas atividades para que eu possa praticar com a consciência limpa um esporte 3 ou 5 vezes por semana, uma língua adicional, atividades de militância estudantil e grupos de estudo. Na verdade mal posso ler um livro que me interessa (e a maioria é de psicologia!) pois não tenho tempo e certamente sou invadido por um sentimento de culpa quando me pego estudando Marx quando na verdade tenho uma prova de estatística para calcular a normal de um gráfico no outro dia. É justo sentir-se culpado com isso? Pior ainda é ter de abster temporariamente de atividades que me fazem bem para ter que colocar os estudos (inúteis) em dia ou fazer aquele trabalho sem sentido nenhum e que no próximo semestre já não vai fazer mais sentido algum pra mim. Além disso deparar-se diariamente com uma grade curricular que não contempla em grande parte a realidade de vida do brasileiro, bem como professores com opiniões que chegam ao mais alto grau de conservadorismo discursando mil teorias abstratas também em nada contribui para o bem estar aqui dentro e durante o semestre. Passa a pancada, vêm as férias, e a gente começa a apanhar de novo.
Novamente, isto é puramente sintomático. Poderíamos ficar aqui por boas horas colocando a culpa na nossa graduação ou reclamando de como a vida é dura neste aspecto. Mas se olharmos um pouco mais a fundo podemos ver que estes aspectos (uma grade curricular angustiante, aulas inúteis e sem sentido, trabalhos excessivos) são consequências de uma ótica de funcionamento na universidade que es´t aatrelada a um pensamento produtivista, pragmático e dotada de uma lógica, como diria Paulo Freire: bancária.
A noção que se tem de uma graduação com qualidade está vinculada ao quanto você sai sabendo, quantas horas aula você tem, que artigos publicou (independente da qualidade deles), qual é seu IAA, etc... Esta é uma lógica geral, vigente na maioria das nossas instituições que estão mais preocupadas com nosso rendimento em medições e números do que de produção autônoma de um conhecimento de qualidade. E isto permeia nossas próprias noções em relação a nossa própria pessoa de maneira que nos submetamos a este funcionamento a ponto de ficarmos aos prantos no final de semestre, preocupados e ansiosos. O alto número de trabalhos, as provas intemrináveis, o "depósito" de conteúdo que em grande parte se tenta fazer na cabeça do estudante... Todos são sintomas de uma noção geral que se tem do que deve ser uma boa graduação. Mas mesmo estando todos tristes, chateados, estressados e tensos no final do semestre é preciso pensar também porque esta submissão. Que relações de poder estão em funcionamento para que os estudantes se submetam a tudo isto e que igualmente os professores se submetam a tudo isto? Seria realmente necessário um caminho tão penoso pela recompensa de um diploma ou esta trilha de aprendizagem e conhecimento poderia acontecer de maneiras muito mais prazerosas, emancipadores e realmente formadoras de um conhecimento pautada na e para a atuação profissional?
É uma questão difícil e que certamente entra em jogo interesses vinculados a manutenção de um funcionamento de nossa sociedade. Mas são desafios a serem superados.
Um bom final de semestre a todos!
ps: praticamente nada do que escrevi aqui é fruto de reflexões em sala de aula. Apenas da indignação que se passa dentro dela, que fique bem claro.
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empatia 100%. reflexão super válida. devia circular nas listas da galera. parabéns.
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