(Texto Originalmente feito para o jornal PSIU! do Centro Acadêmico Livre de Psicologia)
Loucura.
Quando se fala esta palavra o que lhe vem à cabeça? Pense por um instante.
Quando se fala em louco ou loucura logo temos uma enxurrada de imagens e ideias. Muitas dessas idéias surgem como convenções sociais, culturais e históricas produzidas acerca do tal do “louco” e o que ele representa na sociedade contemporânea.
A associação mais recorrente é a do “doente mental”, através de incapacidade, estupidez, invalidez, improdução, etc... O fato é que no curso de Psicologia da UFSC surgiu a necessidade de avaliarmos e repensarmos o ser humano e suas relações entre seus iguais e o mundo para que avancemos em uma discussão crítica a respeito da nossa atuação enquanto futuros psicólogos.
Portanto, falaremos da questão do “louco” e da proposta que o Sistema Único de Saúde traz como maneira de superar as concepções e as maneiras desiguais de se lidar com a loucura e o indivíduo “louco”.
SUS e Reforma Psiquiátrica
Diante da realidade que os hospitais psiquiátricos/manicômios exibiam e também as formas desumanas de se realizar um processo terapêutico com os “loucos”, viu-se a necessidade de estabelecer uma nova forma de lidarmos com a loucura e a saúde mental em nosso país. A reforma, porém, não surge do nada ou acontece sozinha. Suas propostas vêm em conjunto com toda uma reformulação no sistema de saúde pública em nosso país, aparecendo dentro da proposta geral do Sistema Único de Saúde (SUS), instituído em 1988.
O SUS e toda sua concepção é o fruto não só da ação de trabalhadores e intelectuais, mas da contribuição direta de diversos movimentos sociais, que, identificando as insuficiências do acesso a saúde e das consequências disto no bem-estar social prontamente elaboraram propostas e trabalharam em cima destas. Ele abrange não somente reformulações físicas e burocráticas do sistema de saúde, mas também propõe novas maneiras da relação profissional-comunidade, tentando superar moldes de pensamento reducionistas e enxergando o ser humano em sua formação integral, como parte de um sistema que engloba muito mais do que o seu biológico mas sua relação com a sociedade e o momento histórico onde está inserido.
Os três princípios básicos do SUS são integralidade, eqüidade e universalidade. Não é intenção deste texto aprofundar demasiado no SUS, porém, existem maneiras de se aprofundar nestes temas com outros estudantes e estas, estarão colocadas mais ao final.
Dentro do contexto de uma reformulação do sistema do saúde e da situação precária da atenção à saúde mental existente se fortalece o movimento da Reforma Psiquiátrica. Este movimento bebe diretamente de outras iniciativas internacionais como o movimento italiano de Franco Basaglia contra a institucionalização e a superação dos manicômios como forma de tratamento. Um dos cernes da reforma psiquiátrica é a desinstitucionalização: o fim dos manicômios e sua substituição gradativa por uma rede substitutiva de assistência à saúde mental. Esta rede inclui a efetivação dos Centros de Atenção Psicossocial, trabalhos na atenção básica (postos de saúde) de prevenção e participação comunitária, residências terapêuticas e outros mecanismos onde se possa superar a internação a marginalização e o isolamento do indivíduo e tentar realizar um trabalho que garanta autonomia dos usuários e possibilite sua reinserção na sociedade e na comunidade onde vivem colocando estas também como autores do processo.
Movimento da Luta Antimanicomial
O movimento no brasil consolida-se em 1987 com a organização do movimento da Luta Antimanicomial formado por usuários, profissionais e familiares relacionados a saúde mental. O movimento garante e formula propostas para a reforma psiquiátrica e sua efetivação. A importância do movimento está nos que o compõem: usuários e familiares. Quem o compõem são as pessoas que normalmente dependem ou utilizam ou trabalham com o SUS, ou seja: são as pessoas que vivem e viverão diretamente as mudanças propostas, como elas estão sendo feitas, se são boas ou não, contemplam a população, etc...
A luta antimanicomial, portanto, existe para assegurar que a reforma seja efetivada como se propõe tentando superar não apenas a instituição manicômio mas sim a lógica manicomial que está presente tanto na sociedade como em diversos profissionais. A lógica manicomial engloba o que está em xeque de ser superado: a concepção do louco como incapaz, isolamento como forma de tratamento, o ser humano como um objeto ou uma doença e toda uma série de posturas que não condizem com a proposta emancipatória de se enxergar o usuário e a sociedade que o SUS traz.
O movimento tensiona portanto nesta direção, tentando garantir que as propostas substitutivas não se tornem apenas mecanismos mais sutis de isolar aqueles que são diferentes ou manter a sobreposição de saberes. Entra aqui também a importância de sua extensão sendo importante estar presente dentro de espaços formadores de profissionais (como a universidade) para levar a questão e a discussão da reforma psiquiátrica aos futuros profissionais, tentando dar um toque de realidade a posição distante da que normalmente a universidade e suas grades curriculares tomam em relação ao que se passa no plano prático nacional das políticas públicas de saúde. Algumas iniciativas já foram tomadas em plano nacional neste sentido como o I Encontro Nacional dos Estudantes Antimanicomiais que aconteceu em Porto Alegre em 2010 tentando organizar o movimento estudantil e sua relação com a saúde pública.
O que o curso de Psicologia da UFSC tem a ver com isso?
Os saberes da Psicologia em conjunto com muitas outras áreas contribuíram e muito para a formulação e contribuem também para a consolidação da Reforma Psiquiátrica.
Porém, em que momento nosso curso pára no 18 de maio, (dia da luta antimanicomial) para debater saúde mental? Por que não temos acesso facilitado (seja por informações ou por subsídios materiais por parte do curso) para visitarmos os CAPS? Por que tantas poucas vagas nos PET's? Qual nossa relação com os outros estudantes das áreas da Saúde? Existe alguma pós-graduação em nosso curso relacionada a Saúde Pública ou Saúde Mental? Quando ao decorrer da graduação nos deparamos com a “loucura” sem ser por iniciativas individuais ou, com sorte, nos estágios obrigatórios? Quando em nossa graduação podemos sentar com familiares e usuários para discutir o SUS? Estamos, realmente, trabalhando para superação de uma lógica ou maneira reducionista de se enxergar o homem ou apenas transmitindo informações mas pecando na prática e na efetivação concreta desta transformação?
O movimento entende que a reforma deve acontecer na prática e não apenas na teoria. Ainda que a Psicologia na UFSC tenha conseguido avanços nesta questão (graças ao Pró-Saúde) ainda é necessário mais que 2 cadeiras obrigatórias. É preciso avançar na prática, inserir o estudante no cotidiano da reforma psiquiátrica (este raciocínio aplica-se a todas outras áreas que nossa profissão engloba), visitando postos de saúde, hospitais e a rede como um todo.
E agora, José?
Acreditamos na capacidade do estudante de formular e propor maneiras de se reconfigurar a universidade e o seu funcionamento. Para isso existem entidades como o Centro Acadêmico Livre de Psicologia e muitas outras, como um espaço de fomentação e formação de perspectivas para nossa graduação e a universidade. O estudante que estiver interesse em organizar-se em torno da saúde e sua relação com nossa graduação está convidado a participar junto com tantos outros dessa construção. O CALPSI portanto convida os estudantes a participarem destes espaços:
- Do coletivo Pira! Que organiza a luta antimanicomial dentro da universidade e discute temas relacionados à nossa formação e à saúde pública, bem como elabora atividades que possam trazer este debate à universidade. As reuniões acontecem nas segundas-feiras as 18:30 até as 20:30 na sala 302 do CFH.
- Participarem dos Centros Acadêmicos da Saúde (CASA) do qual o CALPSI faz parte. O CASA é composto por outros centros acadêmicos dos cursos da saúde e tem a intenção de debater e realizar atividades relacionadas a integração e discussão de saúde entre os cursos como por exemeplo as Jornadas da Saúde, Cervejada da Saúde, Acolhimento integrado dos calouros, entre outras... A participação está aberta via CALPSI, basta aparecer nas reuniões Gerais.
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