Saúde Mental do Estudante, universidade (e uma pitada de Reich)


 Olá pessoal. Na verdade isto não era um texto. Era uma série de apontamentos que havia feito para a participação que iria realizar no IX Encontro Catarinense de Saúde Mental, em uma roda de conversa com o tema "Saúde Mental do Estudante". participei como representando discente, através do Diretório Central dos Estudantes e realizamos esta conversa não só com convidados mas também com representantes da psicologia da Pró-reitoria de assuntos estudantis e um dos coordenadores da saúde de Santo Amaro. Tentei, ao final, usar o pouco que sei de psicanálise e Reich, na tentativa de um exercício intelectual mesmo, espero não ter cometido gafes :P
Busquei também dados sobre suicídio acadêmico, mas não consegui nada.

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Em um momento onde temos ocupações de reitoria e em um espaço curto de tempo uma série de campanhas a respeito das políticas de permanência estudantil, tratar da saúde mental dos estudantes é algo crucial e que certamente está em pauta.
Acredito que podemos dividir este tema em dois eixos, que certamente se cruzam e estão sempre em diálogo: O eixo estrutural universitário e o eixo individual de cada estudante. Ambos estão relacionados ao bem-estar acadêmico e certamente relacionados a um fenômeno muito interessante que é o da evasão acadêmica, problema recorrente nas IFES e que na UFSC atinge uma média perto de 15% de suas vagas, o que está próximo de 3000 alunos que desistem da graduação em seu curso a cada ano.
Entrando agora nos eixos, temos o eixo individual, que abarca questões como: afastamento da cidade natal, amigos e da família, condições financeiras e transição de uma etapa da vida para a outra. Não irei me aprofundar nestes.
No eixo estrutural universitário temos: grades curriculares extensas, demandas, cobranças, competitividade por estágios/bolsas, restaurante universitário, biblioteca universitária, moradia estudantil, bolsas permanência e auxílios, festas universitárias e a qualidade de ensino. Nestes irei tomar mais tempo.
Primeiro é preciso pensarmos no perfil dos estudantes da universidade: temos muitas pessoas do interior que deixam sua família, amigos, namorados/namoradas para viver aqui na universidade, sozinhos e com a missão de se formarem. Diante disso é preciso afirmar que a universidade, uma vez constituindo-se como o ambiente em que o estudante provavelmente vai passar mais tempo durante sua graduação tem um papel crucial em garantir o bem-estar deste, que está sendo subsidiado pelo estado para que tenha uma educação de qualidade. É a partir daí que podemos avaliar algumas insuficiências da estrutura universitária em garantir o bem-estar discente dentro de seus muros. A falta de professores e de disciplinas, a qualidade de ensino, uma biblioteca confortável e com um acervo atualizado e suficiente estão diretamente relacionados a permanência e a evasão estudantil de muitos cursos, uma vez que são estruturas essenciais para a qualidade de ensino. Esta atua diretamente tanto na motivação quanto nas perspectivas profissionais do jovem que deseja estar bem qualificado para exercer seu trabalho, e uma vez que este identifique dentro da instituição problemas com sua educação certamente passa a questionar sua capacidade profissional, a qual fica muitas vezes agarrada na esperança de um diploma com o logo de uma universidade federal, na esperança de que isto seja um passaporte certo para um futuro profissional bem sucedido. O restaurante universitário, que oferece 2 refeições por dia ao preço de 1,50 cada tem um papel crucial na permanência estudantil e no bem-estar, porém, encontra-se hoje com as obras atrasadas e filas de extensão enorme, reflexo da expansão sem uma estrutura adequada através do REUNI. Aqueles que dependem exclusivamente do RU acabam por ser os mais penalizados, bem como os dependentes da moradia estudantil, que hoje conta com 156 vagas em um corpo estudantil presencial próximo aos 25 mil estudantes. Isto nos faz, inclusive, repensar o caráter público da universidade, que embora tenha um sistema de cotas ainda assim mantém seu caráter elitista, sutilmente marginalizando aqueles que não possuem condições materiais suficientes para segurar sua graduação pelos 4, 5 ou 6 anos necessários para fechar seu curso. A UFSC oferece o auxílio moradia, este cobre um valor pequeno (200 reais) comparado com a grande especulação imobiliária próxima a universidade, que não oferece nenhum quite-net abaixo de 500 reais. Outro ponto é a carência de vagas de estágios, que favorece a competitividade acadêmica entre os discentes. Estes encontram-se pressionados a terem as melhores notas dentre seus colegas para que possam ter um bom estágio. A competição pelo famoso IAA não só piora as relações com os colegas como também, em alguns casos, faz com que alguns estudantes, que por diversos fatores outros que nada tem a ver com sua capacidade intelectual (falta de dinheiro, problemas pessoais, insatisfação com as aulas, etc...) fiquem marginalizados neste processo meritocrático baseado em números, muito semelhante ao vestibular que mostra-se cada vez mais um critério ruim de seleção. É importante dar atenção a isto, pois a universidade, sendo um espaço micro dentro de um sistema econômico macro, reproduz este tipo de valor individualista, onde, novamente, acaba sendo pautada pela lei dos “mais capacitados” e não pela inclusão e acesso a uma educação de qualidade. Assim como o auxílio moradia temos também as bolsas permanência, onde, teoricamente, o estudante trabalharia em um regime de 20 horas semanais em uma área universitária relacionada a sua graduação. Isto não ocorre (e inclusive coloca alguns estudantes a realizarem a função de técnico-administrativos) e o número de bolsas não consegue suprir a demanda de universitários que necessitam de seu auxílio. O que acarreta também em evasão ou em casos de grande frustração e/ou tristeza, com um regime de gastos reduzidos para que se possa sustentar-se com o mínimo até o final de sua graduação. O valor da bolsa também é pequeno em relação ao custo de vida em Florianópolis, com um valor hoje de 364 reais e que só obteve aumento após a campanha e o ato Prata Receba meu Recibo na reitoria, com 700 estudantes reivindicando seus direitos de permanência.
Por fim, temos a questão das festas na universidade, que sofrem hoje um processo de provável proibição. Sabemos que grande maioria dos estudantes são jovens, que trazem em si grandes desejos de exploração, diversão e liberdade. A ilha de Florianópolis caracteriza-se como um local onde a maior parte de locais de eventos festivos estão espalhados pela geografia complicada da ilha e/ou filtrados por um sistema de preços que dificilmente possibilitam que um estudante possa visitá-los todo final de semana. Diante disto, a utilização do campus não só como local aberto para festas mas também para todo tipo de evento relacionado a arte e cultura mostra-se essencial para garantir o bem-estar de seus estudantes, que vivendo uma realidade deveras cruel, competitiva e opressora de suas vontades necessitam de espaços para exercer seu lazer e reestabelecer um novo ciclo de amizades, hora deixados para trás em sua nova etapa de vida. A universidade, por ser pública e aberta e estar próxima de grande parte do corpo estudantil que mora em seus arredores não só pode como deve ser, também, utilizada como espaço de diversão. Sua acessibilidade e espaço físico garantem que ocorra a socialização entre a própria comunidade acadêmica. Ou isso, ou o que resta a grande maioria dos estudantes são os bares aos arredores da universidade, que não assumem nenhum compromisso além de seu comércio. A grande justificativa para a proibição deste tipo de eventos é a utilização desenfreada do álcool. Esquecem-se, porém, que o estudante (assim como o trabalhador comum) sofre de uma rotina de vida massante, cansativa e em alguns graus frustrante, e que, com pouco tempo e opções de lazer tem como materialização de um momento de prazer a ingestão excessiva de álcool. Isto, como é apontado pela psicanálise pode claramente ser trabalhado através da criação de espaços alternativos para a realização sexual do indivíduo, através da arte, esporte, oficinas, eventos, produções, artesanatos, teatro e muitas outras possibilidades de oficinas que poderiam ser admitidas, maior divulgadas ou abertas novas turmas. A universidade não deve ser resumida a um professor, um quadro e 40 cadeiras com estudantes.

É interessante trazer aqui a reflexão que Reich traz em um de seus escritos, denominado “O que é consciência de classe” para pensarmos, talvez, por quê a universidade não se propõe a garantir um bem-estar pleno da juventude que a frequenta. Reich aponta a repressão sexual (no sentido psicanalítico) como a ferramenta essencial para a manutenção do status quo e da passividade e obediência da população. Em especial os jovens, que trazem em sí a revolta contra os pais (que podem ser representados pelas estruturas do Estado e da sociedade) e fortes energias sexuais, estes devem entrar na linha, através da repressão de todas suas pulsões sexuais, seja através das regras que proíbem ou dificultam seus relacionamentos amorosos ou da obediência da figura de um professor, sempre disposto a usar de seu poder para reprimir e colocar na linha qualquer jovem que se dê ao luxo de impor-se (utilizar-se de suas pulsões) ao que é colocado. Não é por acaso, inclusive, que o Movimento Estudantil, espaço onde se pode colocar esta revolta contra a estrutura de maneira mais focalizada e produtiva, seja prontamente rechaçado ou desmerecido pela instituição, normalmente colocando este como espaço de “vagabundos” ou “desocupados”. Para não mencionar a massante cobrança de trabalhos, prazos e notas, que exigem do jovem muita parcimônia para a sublimação destas fortes energias, que não sendo descarregas adequadamente podem certamente acabar em tristeza, depressão ou, em casos já notificados dentro de nossa própria universidade uma passagem ao ato de suicídio. Aí a importância também de um serviço como o do SAPSI, ainda insuficiente para a demanda de saúde mental acadêmica. Porém mais importante que isto certamente são as questões estruturais anteriormente levantadas, que podem realizar um trabalho até mesmo de prevenção. Não podemos deixar de mencionar, é claro, o papel que a universidade se propõe a executar dentro de um sistema capitalista. Esta não se propõe a educar com qualidade e garantir o bem-estar de seus estudantes, já que isto acarretaria em uma transformação do pensamento dos jovens e todos sabemos que isto representa um perigo para a ordem social vigente. Portanto, a instituição compromete-se mais com suas burocracias do que com seus estudantes, uma vez que estes, estando bem atendidos, irão propor-se certamente a pensar sobre a realidade brasileira que está posta em nosso cotidiano, uma vez que estarão livres de pensar se terão como comer direito amanhã ou se conseguirão tirar 10 nas próximas 4 provas para garantir um bom IAA.

Estas são as contribuições que tentei trazer com esta reflexão. Sei que são insuficientes, pouco aprofundadas mas ainda assim, acho que podem nos auxiliar em um pensamento.

Sobre a Universidade e seu momento


Há cerca de 2 meses atrás tinha início uma greve generalizada em meu país dos servidores e técnicos-administrativos de todas universidades federais. Apesar do fato estar dado, ainda assim o semestre em minha universidade continuou em plena “normalidade” (bem entre aspas pois não tínhamos mais restaurante, nem biblioteca e nem laboratórios de informática). Mas tudo bem, faz de conta que não deu nada errado pois o semestre já estava acabando. Hoje, passados mais de 60 dias o semestre tem início na Universidade Federal de Santa Catarina ainda com um ar de “está tudo bem”. Mas apenas o ar, pois em termos práticos a cada dia que se passa a continuidade das atividades letivas se mostra insustentável.

O Centro de Filosofia e Ciências Humanas, em decisão correta, optou por não dar início ao semestre letivo (mesmo com pressão por parte da reitoria) diante do desespero de alguns coordenadores de curso e as exigências de que se faça um trabalho que não faz parte de sua categoria. Durante esta semana de paralisação evidentemente não deixei de ir à universidade. Era necessário que os estudantes realizassem algo e também estivessem presentes nos espaços de esclarecimento e debate sobre a paralisação do centro de ensino. Há quem diga que as aulas ainda não começaram. Eu, pelo contrário, ví que elas tiveram seu início exatamente no dia 8 – porém não no formato tradicional de exposição dentro de uma sala de aula.

Foram poucos os momentos onde tive a oportunidade de aprender lições sobre política, cidadania e deliberação coletiva sobre problemas coletivos dentro de minha estimada instituição. Esta, pelo contrário, faz todo um movimento para que este tipo de aprendizagem seja minimizado ao máximo, com uma estrutura muito bem sistematizada para não estimular este tipo de aprendizagem. Seja pela burocratização extrema de espaços de deliberação político-administrativos ou pelo simples descrédito de atividades relacionadas aos movimentos sociais (como o movimento estudantil, MST e luta antimanicomial)., as quais são prontamente rechaçadas por alguns professores ou simplesmente não contam pontos em nenhum sistema da CAPS e do CNPq, fazendo com que professores não estejam impelidos em realizar trabalhos relacionados a isto e, consequentemente, não estimulando a comunidade acadêmica a ingressar em projetos de pesquisa ou estágios vinculados a este tipo de tema. Tema este essencial para qualquer formação de um profissional que tem sua graduação custeada pela população nacional e deve retribuir este investimento através da atuação de um profissional de ponta, disposto e preparado a alterar a realidade nacional em que nos encontramos e que, em grande parte, é marginalizada. E esta população, infelizmente, não é a que busca atendimento nas clínicas privadas, não é aquela que tem suas crianças em escolas particulares e, definitivamente, não recebe nenhum benefício justo de nenhum tipo de empresa privada. Pelo contrário: depende grandemente da estrutura pública que oferece diversos serviços essenciais onde o psicólogo se mostra necessário, e, nestes espaços a disputa política se faz presente, uma vez que está vinculada a um governo federal e recebe diretrizes e metas de todo tipo de programa. São espaços também, que uma vez de domínio público, estão vinculados a todo tipo de decisão que afeta diretamente a vida de muitas pessoas. E aí fica a pergunta: por que, então, a universidade brasileira negligencia campos de formação política de seus estudantes? O compromisso dela é a mudança da sociedade ou uma casa de saberes neutra, que embora custeada por todo dinheiro de uma nação está sempre colocada como um lugar livre e apolítico, sem compromisso com a transformação nacional e limitando-se em sua desculpa de que ao realizar uma SEPEX cumpre seu papel de “disseminar conhecimento”?

Diante de tudo isto afirmo: é tempo de pensarmos e, para sempre, repensarmos qual o papel da universidade na sociedade brasileira. Que ela esteja sempre movida pela energia da juventude e jamais atravancada pelos “velhos costumes” de ordens antigas, ordens estas nada comprometidas com os anseios da população brasileira.