Pensando com Brecht

Nada mais terapêutico do que identificar-se na arte:

Acabou a peça
Acabou a peça. Cometeu-se o espetáculo. Lentamente
Esvazia-se o teatro, um intestino relaxado. Nos camarins
Os ágeis vendedores de mímica improvisada e retórica
rançosa
Lavam o suor e a maquiagem. Finalmente
Apagam-se as luzes que puseram à vista o triste trabalho, e
Deixam na penumbra o belo vazio do palco maltratado.
Na platéia sem espectadores, ainda com leves aromas
Senta-se o pobre autor de peças, e insaciado procura
Lembrar-se.

Bertold Brecht

Após a leitura, eu me pergunto: Até quando será insaciável esse movimento de lembrar-se, celebrar a peça passada e escrever uma nova, apenas para - novamente- lembrar-se?

Meu consolo está em saber que nossa própria dinâmica mental incorpora tal funcionamento e portanto não há nada mais humano que isso.

Sonha(dor)

Incomodado, acordei
Será que queria?
Mais um sonho eu tive.
Não sei se motivo de tristeza ou de alegria

Enxaguei o rosto
Pensei: mas sonhei com isso de novo?
Essa repetição
representa um prazer ou um estorvo?

Lavei a louça.
Indaguei: Mas será preciso ser tão dicotômico?
Pode ser as duas coisas!
Meu sentimento não se resume a nem um nem outro

Fui ao centro.
Descoberta: Acho que sei do que se trata!
É um desejo que vem
Mas a censura sempre mata!

Voltei de ônibus
Uma luz: Acho que sei como resolver o dilema
Basta realizar isso que me surge
E adeus ao problema

Escovei os dentes
A razão berra: Estou louco, isso é fora de cogitação!
concretizar esse dilema
Ah, mas não sairá da imaginação!

Deito na cama.
Penso por fim: acho que sei porque evito realizá-lo
Não tenho certeza se é pela dor
Ou pelo prazer de mantê-lo ao sonhá-lo