O movimento de rua em Florianópolis – Pensando à frente




                Nesta segunda passeata em Florianópolis feita em consonância com os atos nacionais o movimento que tem dado as caras cada vez mais tem crescido e, junto disso, enfrentado os mais diversos desafios em termos de posicionamentos e concepções de movimento. Tentarei esboçar elas de forma pontual.

1)      A ida as ruas, o primeiro avanço
A primeira coisa que deve ser exaltada é que o povo talvez tenha aprendido a sair mais às ruas para manifestar-se. O número de pessoas nas ruas não mente. Estando elas com pautas ou não, isso implica em um ativismo. Toda ação implica em uma reflexão. Sempre há um pensar antes, durante e depois do agir. Deparar-se com os conflitos políticos que aconteceram hoje sem sombra alguma de dúvida colocou os elementos mais dispostos a pensar de que forma o povo pode, unido, conseguir as conquistas que deseja. 

2)      “O equívoco da crítica partidária violenta e a ausência de um programa” ou “contra o apoliticismo do movimento”.

Não há duvidas que todo movimento social deve ser independente e policiar-se para que não vire nada mais que um fantoche. Porém, a crítica feita no 2º ato ilhéu em relação aos partidos saiu de um formato democrático e entrou na violência gratuita. Os partidos políticos são uma dentre as mais diversas formas de se organizar em um país onde há garantias dessa liberdade. Se houveram (e em minha opinião isso é verdade), equívocos por parte de alguns partidos políticos das mais variadas formas ao longo da história política do país, da corrupção ao aparelhamento de movimentos sociais, isso exige algo que o movimento já aparenta ter: olhos muito abertos e a vontade de pensar a si mesmo. Motorizados por esta insatisfação, mas principalmente pela agitação de alguns poucos elementos agressivos provenientes de organizações políticas situadas mais à direita, muitas pessoas aderiram à ideia do “sem partido”, dando início a uma forte repressão àqueles sujeitos que, por algum motivo, estavam lá com bandeiras de sua organização. Independentemente do partido que lá estava presente, nenhum deles posicionou-se contrário àquilo (já houveram partidos que se posicionaram contra as manifestações). Cabe a cada sujeito ter suas crenças e apostas em formas de mudar: seja através de partidos, de associações, de movimentos sociais ou através do apartidarismoque é, também, uma forma de se organizar em grande escala, prova disso são os atos que estão ocorrendo. Das preocupações que mais escutei as duas preponderantes eram que: A) eles não me representam  e B) a mídia vai nos associar a eles.
A primeira justificativa faz sentido, mas não justifica de forma alguma a exclusão ou repressão destas pessoas de uma manifestação, até porque nenhum partido estava lá para representar ninguém além deles próprios. A segunda justificativa faz menos sentido ainda, primeiro porque a mídia já tem sido alvo das mais diversas críticas devido as suas falácias absurdas sobre nosso movimento e justamente por isso jamais deveria referenciar a conduta dos manifestantes. Que se danem as câmeras ou a opinião destes porcos oportunistas, somos o povo em ação, o controle está na nossa memória e na nossa consciência! Segundo, o movimento já demonstrou claramente que não deseja ter uma direção partidária. Não fomos dominados por nenhum partido (pelo menos não pelos que foram às ruas) e muito menos presenciei qualquer um deles se propondo a ser o movimento político que fizemos, nem sequer ouvi gritos de guerra específicos destes partidos.

                A única conclusão que podemos fazer disso tudo é que o povo, por influência do discurso de uma mídia completamente atrelada aos setores mais conservadores do país e também pela atuação direta de militantes destes movimentos situados mais à  direita tem levado as manifestações ao equívoco de sobreporem à crítica política aos partidos históricos do país atitudes completamente anti-democráticas, uma espécie de raiva pura que se expressa de forma desconstrutiva politicamente. Se o movimento nacional que acontece hoje se coloca contra o partidarismo ele precisa apontar claramente qual é o seu programa de substituição a esta forma de organização. Caso contrário, o discurso que da boca pra fora é cheio, em conteúdo leva a um vazio e uma letargia política gravíssima, onde o 6 vira apenas meia dúzia e as conquistas ganham um caráter subjetivo e moral de cada um. Um exemplo claro disso é centralizar a pauta dentro de ser contra a corrupção ou contra a pec 37, questões que também são fundamentais mas não andam na direção de conquistas que pautem a transformação social necessária. A crítica ao capitalismo surge apenas por parte do MPL em boa parte das manifestações: não é à toa. O movimento não tem pauta e nem sentido, possui apenas um sentimento de negação, uma negação que não tem causa. Se o sentimento é de mudança qual deve ser a mudança? Quais são as origens dos problemas do nosso país? A consciência dos políticos? Não pode ser.

                Há a necessidade de nossa auto-crítica, pois até onde sei construímos um movimento democrático, consciente e pela melhora do país: não existem motivos reais para se banir bandeiras de manifestações ou atos públicos. Há partidos, organizações, associações etc... Que são a favor das manifestações. Estes estão do lado do povo, e devem por ele ser centralizados sempre. Há aqueles que são contra, estes, que fiquem de fora mesmo. Da mesma forma, o povo deve urgentemente elaborar um programa claro, crítico, radical, que eleve a sociedade brasileira ao patamar de grandes nações, que puderam contar com levantes populares que tiveram sempre a  ousadia, o vandalismo e a radicalidade de desvencilharem-se daquilo que não lhes servia e substituírem por aquilo que lhes parecia mais adequado. Não podemos mais ficarmos presos a uma moralidade que parece nos amarrar a uma ideia de “bom filho”, que sai as ruas pedindo “por favor, parem de nos roubar, veja, eu nem quebrei nada e até bati em quem fez isso”.

3)      Da insatisfação à mudança:  adiante com ação, crítica e radicalidade

Ao longo deste processo político existem muitas pessoas que abriram os olhos para as insuficiências do movimento e como isto o está levando a um vazio. Está na hora das grandes pautas virem à tona com tudo e com todo seu acúmulo: na saúde chega de privatização e lucro: consolidação real do SUS. Na educação, investimento e dignidade pros trabalhadores, dignidade para a juventude secundarista brasileira. Na segurança pública a extinção da PM. Na questão urbana o direito à moradia e o fim da especulação imobiliária. Estes e muitos outros são os grandes temas no nosso país que vieram à tona com a copa em 2014 e estão sendo completamente deixados de lado devido ao discurso vazio que está sendo instaurado no movimento e a atenção errônea para contradições como a de bandeiras partidárias ao invés dos temas fundamentais. O programa brasileiro precisa avançar. É hora de todos os elementos mais conscientes trazerem urgentemente a crítica ao modo de vida e as prioridades que até então pautaram nosso país e partirmos para a subversão completa destes.  A força do povo é a solidariedade e a compreensão entre iguais. Deixemos as elites com seus discursos e todos seus modismos escusos, que transformam passeatas políticas em atos “pra inglês ver”. Nós somos sim vândalos e depredadores, queremos mudar a nação e vamos ser radicais nisso. O inimigo é o governo, direcionado especialmente por elites específicas que transformam nosso país nessa maracutaia. Eis aí em parte o gênese da corrupção.

Diante do recuo para cima com mais força: Um movimento que pense a si mesmo.




Estamos vivendo um momento  fervoroso no Brasil. Nesta ascensão de um movimento massivo em nosso país, levando os mais diversos setores – dos acomodados aos ativistas – às ruas brasileiras, o povo começa a  aprender na pele a dura realidade da luta pelos direitos fundamentais dentro do subdesenvolvimento, materializada principalmente pela alta repressão estatal, independentemente de que a mobilização seja pacífica.

            Inicialmente o estado usou a fórmula “infalível” de sempre: porrada e ideologia. Achou que como faz todos os dias reprimindo manifestações de minorias ou de camadas marginalizadas iria dar conta do recado e impedir de que qualquer manifestação fosse pra frente. Tão logo começaram as manifestações embrionárias e a violência policial, começou também a mídia burguesa e hegemônica a disseminar as ideias de sempre: trata-se de uma minoria; vândalos; vagabundos; drogados; desocupados etc... Ocorre que tanto o estado como a mídia hegemônica não imaginavam a potência da mídia independente, ancorada hoje principalmente pela internet. Se antes a população contava com muito pouco para narrar e provar a sua versão sobre as manifestações e atos de rua, hoje pode fazer circular rapidamente na rede todo o tipo de material textual e audiovisual produzido por aqueles que estavam diretamente na luta. O resultado disso foi a comoção generalizada, em especial de setores tradicionalmente acomodados, que se enxergaram solidários com os manifestantes pioneiros. Esta comoção, na verdade, não é mágica: é fruto de uma opressão constante e cotidiana, que embora em menor grau nem sempre encontra sentido claro ou coletivo. Naquele momento, a violência contra aqueles que reivindicavam seus direitos à cidade disparou a insatisfação contida nos cidadãos, que viam ruir qualquer ideia de democracia diante da brutalidade estatal. Rapidamente este sujeito estava nas ruas e em tempo menor ainda aprendeu no calor da ação de rua, nas lágrimas decorrentes de bombas de gás e no grito de seu compatriota ao lado que a insatisfação não era insignificante ou apenas sua, e que o que se falava de repressão não era mentira. Em pouco tempo a mídia hegemônica e seus representantes mais populares encontravam-se em posição de constrangimento, uma vez que agora nenhum discurso barato poderia mascarar a marca de uma bala de borracha por apenas estar protestando na rua. Não tardou para que viessem os pedidos de desculpas. Agora, como mágica, o discurso passa a ser outro e o ativista deixa de ser o vândalo para ser manifestante pacífico e até exemplar. Em uma das cidades a PM até negociou “de cara” com manifestantes.

            Precisamos nos atentar a contradição disto que, se pode ser avaliado como um dos desdobramentos da força do movimento também pode ser a semente de sua derrocada e cisão. Primeiro, precisamos nos afirmar enquanto movimento político. Não há nada de errado nisso: não saímos na rua por uma questão moral e utilizarmos esta palavra não significa uma associação direta com o partidarismo clássico. Ao adotarmos esta compreensão podemos entender que a política se faz sustentado em pautas, em programas: em interesses. Qual é o nosso interesse? Acabar com a corrupção? Evidentemente, todos queremos isso. Mas o que isso significa? Licitações mais justas para as empresas de ônibus? Mudar de presidente? Adotarmos outro regime governamental? Reduzir o aparato público ao máximo (entendendo que são seus funcionários a gênese de toda corrupção)? Um movimento sustentado pela conscientização em massa, com a participação direta e constante dos cidadãos no seu governo? É nesta ambiguidade que surge a atuação da reação. Se entendermos que neste exato momento anseios populares expressos das mais variadas formas estão em choque com os interesses do próprio estado, representante da Ordem do sistema, rapidamente veremos que a mudança discursiva da mídia hegemônica, representante do status quo, sustentada e sustentante dele, não surge apenas como um sinal de vitória, mas fundamentalmente como manobra política tática, de recuo, para manter-se na disputa ideológica da população. Desta forma, passa a incutir em nosso movimento, que é um movimento de mudança, sustentado na tensão do NOVO, as ideias de um movimento de “consenso”; um movimento “pacífico”, sem vandalismo/tensão, que quer “só” o bem da nação e ser ouvido com dignidade. A aparência discursiva destes aparatos midiáticos mudou da negação da manifestação para sua afirmação DESDE QUE não seja de nenhuma forma questionadora ou radical. Porém, a  linha é a mesma: manifestem-se, contanto que não mudem demais o país, não sejam radicais ou políticos. O interesse do estado é que isso cesse; que a copa do mundo aconteça, que o transporte público continue rendendo, que os índios não atrapalhem, que o “progresso” continue. O nosso interesse, repito a pergunta, qual é/será?
 
            Segundo, admitindo que temos interesses que entram em conflito com os interesses do nosso governo, devemos afirma-los com toda nossa força. A força de nosso movimento é a sua massificação e consciência; o poder que tem ao criar um clima onde florescem as mais variadas produções humanas e projetos de sociedade. É preciso aproveitar estes ares e pensar urgentemente no que queremos, saíndo do campo de um discurso ambíguo de “contra a corrupção” e entrando em questões hoje fundamentais: direito à cidade, à cultura, à moradia digna, à educação gratuita,  ao transporte público gratuito etc... Em suma: sermos filósofos no sentido mais radical  e renovador o possível. O movimento deve sempre pensar a si mesmo.

            Acredito e sempre acreditarei no meu país, na sua cultura e no nosso povo. Sou brasileiro com muito orgulho, misturado mesmo: etnicamente e massivamente a cada passo e berro que dou no mesmo dia e no mesmo horário que compatriotas de todos os cantos do país.

Luís Giorgis Dias
Estudante de Psicologia