Boa noite
caros colegas, queridos familiares. Professores, reitora, amigos e companheiros
de jornada.
Nesse dia, faço questão
de dizer que nosso sentimento de gratidão se engrandece por cada um de vocês.
Turma! É muito gratificante
pra nós dois estarmos aqui. Estar nessa posição implica em uma grande
responsabilidade com a mensagem a se passar. É um prazer.
Quando chegou a hora de
elaborar esse discurso nos veio à cabeça os tantos momentos em que a questão da
representatividade apareceu nas nossas discussões de sala de aula. Pois bem,
acreditamos que essa turma teve na questão da diferença uma de suas principais
qualidades, portanto o que queremos com esse discurso não é representar a turma
de 2009.2.
Paremos pra
observar este momento, colegas: 5 anos se passaram desde que entramos na
universidade. Quando olhamos em perspectiva, nem parece que faz tanto tempo
assim, parece? Ainda ontem estávamos todos quietos, ansiosos, curiosos,
desesperados para achar as salas que tínhamos aula – completamente atentos ao
que os coordenadores de curso nos relatavam. Quietíssimos e silenciosos! Depois,
já estávamos participando da gincana dos calouros! Fazendo dinâmicas de Reich
meio estranhas e saindo por aí usando crachás, tirando fotos, alegres e
felizes, em lugares históricos, como a extinta “ala B” e o famigerado bandejão
do RU, com todas as suas lendas universitárias. Fizemos nosso primeiro churrasco
– que, por sinal, foi exatamente na data de hoje. Ou seja: há 5 anos atrás,
exatamente neste horário, estávamos nos confraternizando como turma pela
primeira vez! Festa essa que deixou várias memórias. Lembro que até elegemos uma
diva da sala! Fato é que depois desta festa, a turma quietinha logo se tornou
uma turma falante. Daí pra frente, começamos a construir nossas memórias. Já no
meio do curso passamos a compartilhar angústias e perspectivas, coisas
suportáveis e insuportáveis do curso, da universidade e da nossa formação
profissional. Pensamentos de largar o curso... E hoje estamos aqui,
compartilhando o fim deste ciclo. Afirmo com muita tranquilidade que, embora
muitas vezes sem nos falarmos muito, estivemos fazendo as mais diversas trocas
desde o começo, seja nos momentos bons como também nos momentos de angústia.
Avaliamos que nossa turma
teve uma trajetória de encontro, desencontro e um bonito reencontro no final,
quando começamos a transformar diferenças e semelhanças em mudanças e trocas
profundas, que junto com todas as reflexões que o curso de Psicologia por si só
é capaz de promover, contribuíram muito para transformações em nós como
indivíduos e como coletivo – creio que aprendemos muito uns com os outros.
Essas mudanças também se
estenderam ao nosso currículo e nossas aulas, através do processo de avaliação
de curso. Assim fomos caminhando como turma, usando nossa diversidade a seu
próprio favor.
Esse caminho
hoje chega em seu ápice: nos tornamos psicólogos ao recebermos o diploma da
Universidade Federal de Santa Catarina. Este diploma que recebemos é
resultado do mérito individual de cada um na sua entrada e conclusão do
curso, não há dúvidas. Mas não podemos reduzí-lo a isso. Em 1983, 31 anos
atrás, o Ministério da Educação e Cultura reconhecia o curso em que nos
graduamos hoje. Nesse momento, a nação fazia a escolha de formar em Santa
Catarina psicólogos que pudessem contribuir para o desenvolvimento econômico e
social do nosso estado e país. Pelo esforço coletivo de um povo, nos foram
fornecidas salas de aula, cadeiras, alimentação, livros, professores etc...
Estes fatos tornam nosso diploma mais que uma mera etapa em nossas vidas, mas
nos imbui de uma missão. Sairemos daqui carregando em um pedaço de papel os
sonhos e esperanças que são depositados em nossa profissão. Sonhos estes que se amparam na ideia de que a Psicologia pode mudar o país e a vida dos que nele vivem. E munidos disso,
vamos nos deparar com as contradições do subdesenvolvimento:
um Brasil que é o 6º país mais desigual
do globo, embora seja a 7ª maior economia; um Estado que mata, em média, 5 civis por dia; uma sociedade que mata 1 pessoa a cada dois dias
por conta de sua orientação sexual; um país com
mais de meio milhão de seus cidadãos presos, donde sua maioria são negros; um país com quase 10% de sua população adulta
analfabeta; que tem 25 mil sujeitos em condições de
trabalho escravo e outras 150 mil em condição de trabalho infantil; onde 1% da população detém quase metade das terras
produtivas; um país onde
50 milhões de cidadãos sequer tem um teto para morar, mesmo com um número de
domicílios vagos que supera o déficit habitacional. Estes, dentre
tantos outros temas, delineiam uma série de problemas estruturais do país onde
vivemos. De que forma tudo isso afeta o pensamento e a condição psicológica dos
sujeitos brasileiros? Como se dá o processo de subjetivação em um país como o
nosso? Como é sofrer, como é ser feliz aqui? O que estas pessoas tem para nos
ensinar e para nos falar - de que forma devemos qualificar nossa escuta diante
deste contexto? Por isso, dizemos que hoje recebemos não apenas o fruto de mais
uma de nossas conquistas, mas a incumbência de investigar o fenômeno
psicológico dentro da nossa realidade, pra que possamos exercer a construção de
uma psicologia necessária: uma psicologia brasileira.
Dentro da
academia, se faz com razão a crítica de que se interpreta muito e se faz
pouco. Por isso, nós, que nos recusamos a incorrer a tal erro, sempre nos
perguntamos: O que fazer?
Arriscamos
aqui uma proposta. Lembremos, sempre, da força que tivemos com nossa avaliação
de curso. Resgatemos sempre esta experiência: a de que pensando igual ou
diferente, é apenas quando nos juntamos pra falar sobre isso que conseguimos
propor e criar. A experiência do protagonismo e a experiência da troca. A
experiência que nos mostrou que juntos nos faremos sempre mais fortes e capazes
de enfrentar nossos desafios. Estão aí as mudanças curriculares que não nos deixam mentir, e que aconteceram quando os estudantes se juntaram para conversar sobre seus problemas. Por isso, colegas, eu e Ana lhes dizemos de coração: Aprendemos muito com vocês. Possivelmente mais do que livros e algumas aulas poderiam ensinar. Estes momentos nos serviram muito! Obrigado.
Quando
entramos na faculdade, no segundo dia de aula, subimos em cadeiras, recebendo
olhares e perguntas de veteranos aos berros: “Por que Psicologia, calouro?”.
Ontem, foi o
dia do Psicólogo. Hoje, saímos da graduação para entrarmos no mundo do
trabalho.
A pergunta não deve ser mais “Por que,
Psicologia?”, mas desejamos que de tempos em tempos tenhamos disposição para
nos perguntarmos: “Pra quê Psicologia?”
Discurso escrito pelos formandos Ana Raquel e Luís Dias, proferido no dia 28 de Agosto de 2014.