Aos amigos e amigas de Floripa



Habitei Florianópolis por pouco mais que uma década. Da maior parte destes anos, tive a bela oportunidade de viver sozinho nesta grande ilha. Despeço-me dela aos poucos e não poderia fazer isso sem um agradecimento especial às pessoas que conheci aqui.

A primeira vez que fui acolhido pelo sol e beleza de Florianópolis, estava em viagem com a família. Era muito novo e lembro pouco da época. Estas viagens familiares ficaram cada vez mais frequentes e, já pré-adolescente, foi pela mediação de uma bola de futebol que fiz meus primeiros amigos ilhéus. No calor do sol, aqueles que seriam as primeiras pessoas a me receberem aqui se configuravam, na verdade, como adversários! Eram do time inimigo e nossas pelejas aconteciam todos os dias. As pessoas do meu time eram todas de fora e logo iam embora para suas casas, enquanto minha família podia ficar mais tempo por aqui, o que me deixava só. Inevitavelmente me aproximei daqueles caras do outro time. Perguntaram meu nome e de onde eu era. Eu, ainda com um sotaque legitimamente grosseiro e bageense, lhes disse que era de Bagé. Como bons manés, tiraram com minha cara e logo me batizaram de “Bageano”, carinhosamente abreviado para Bagé. Foram inúmeras manhãs, tardes, noites e madrugadas passadas com essas pessoas. Eram praticamente meus irmãos, pois eu, já quando habitava sozinho, cedia meu apartamento para que fosse um grande QG de articulação para as mais diversas operações. Tive o prazer imenso de viver cercado todos os dias por estes amigos, que estiveram comigo nos mais variados momentos. Os mais especiais eram as festas clandestinas nas praias e uma série de atividades que envolviam todo o tipo de perturbação da paz pública ou vandalismo – para não mencionar os porres. Passei a me articular em torno do skate também nessa época e não me faltam memórias que envolviam todo o tipo de conflito com policiais ou com transeuntes que se indignavam com nossa prática, ao passo de que sempre nos envolvíamos em debates sobre como a rua era pública ou nos vingávamos posteriormente fazendo mais barulho. Aprendi muito com eles a valorizar a liberdade e a amizade. Não consigo lembrar nenhum momento onde me senti sozinho perto deles. Não houve um momento que alguma destas pessoas hesitou em pisar ao meu lado nos momentos difíceis, fossem das brigas físicas com outros grupos ou nas desgraças amorosas. Muito menos nos momentos de assumir algum ônus de nossas transgressões ou compartilhar revoltas. Recebi uma base importante sobre companheirismo convivendo com cada uma destas pessoas. Vivi integralmente com elas a intensa paixão que é comum da pré-adolescente. 

Passaram-se os anos....

Chegava a hora do término do ensino médio. Falhei 2 vezes em passar no vestibular e cogitei ir embora, mas consegui ingressar e iniciar minha jornada no ensino universitário. Fervia em mim a chama da mudança e o tesão pelo conhecimento e por mudar meu país. Dentro da universidade conheci pessoas com indignações e disposições semelhantes às minhas. Novamente, me via cercado de sujeitos ativos e tão transgressores quanto eu. Estas pessoas me ajudaram compartilhando conhecimentos e, principalmente, questionamentos. Ajudaram-me a elevar a transgressão outrora aplicada de forma crua, pontual e egoísta para o nível da transformação e do protagonismo na mudança. Ensinaram-me a usar dela como material para criar. Aprendi com estas pessoas a valorizar ainda mais a liberdade, a construir todos os dias, dos mais simples atos aos mais complexos, novas formas de se relacionar entre os homens e mulheres. Ensinaram-me o valor fundamental da autocrítica e a centralidade da transformação na vida humana. Apresentaram-me à história. Nesta nova jornada também aprendi o que significa verdadeiramente o amor e também a amar como nunca, estendendo isso para além de grupos ou uma pessoa; a usá-lo como motor fundamental para exercer minha profissão e consolidar a utopia de uma nova forma de viver com “liberdade, igualdade e fraternidade” – coisa que nenhuma apostila soube ensinar de fato. Estas pessoas também estiveram comigo nos erros e nos acertos, nas vitórias e nas derrotas. Foram todos companheiros e companheiras nos mais diversos tipos de situação, especialmente nas transgressoras.
Estou em vias de me despedir de Florianópolis. Parto sem uma ideia certa de voltar a habitar este lugar novamente. Quando escrevo esse texto me dói o coração, pois estarei me afastando de muitas dessas pessoas. É como arrancar uma parte de mim: sinto como se enfiasse minhas próprias mãos em meu coração e o partisse propositalmente. Ao mesmo tempo, uso do que eu aprendi e concluo: independentemente da distância, as lições e o companheirismo ficam. Consolo-me sabendo que dentro de mim, até quando a memória me permitir, estarei carregando um pouco de cada um dos momentos que passei com vocês, presentes nos meus atos e pensamentos.

Obrigado amigxs.. Obrigado mesmo...

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