Crônicas Detestáveis de Tomás II


Tomás vestia sua casaca surrada, seus tênis rasgados e seus jeans desgastados enquanto empurrava pessoas para sentar no metrô. Atraiu olhares de desgosto, mas naquele momento, só conseguia pensar que todos fossem se foder - queria mesmo é sentar. Sacou de seu bolso um exemplar de um livro, destes clássicos de bolso que ele já havia lido e que queria buscar frases de efeito. Observou o quanto adorava ler quando sentia raiva.

Suspirou profundamente e refletiu que o livro nada mais era que uma mediação suave, que o retirava do mundo e o colocava em um contato íntimo consigo mesmo. Concluiu que estes objetos sempre foram excelentes companhias. Sempre fora seduzido por livros. Escorregar por suas palavras e pela fantasia era algo que o fazia sentir bem, um gozo diferente. Quando abriu o livro atrás das marcações que fez nele, deparou-se com uma pequena ficha com um número. Provavelmente pegara em alguma loja ou farmácia para entrar na fila de atendimento. Surpreendeu-se diante deste pequeno fato, com o quanto sua relação com seus livros diziam muito sobre seus percursos da vida. Verdadeiras companhias. Escreveu em seu caderno:

"E então cheguei ao nível de tratar meus livros exatamente como faço com memórias de romances passados: gosto de ir até eles nos momentos oportunos e ver as marcas que eles me deixaram e que eu deixei neles, os símbolos de nossas trocas: presentes, cartas, fotos; riscados, sublinhados e frases. Hoje voltei a um deles e encontrei uma senha destas que você pega para entrar nas filas de lojas. Tentei lembrar de onde era e aos poucos aquele livro me mostrou parte dos meus percursos por esta vida. Percursos que eles dividiram comigo: lugares que passei e coisas que vivenciei."

Optou por terminar com suas romantizações aleatórias, estas que de súbito ocupam algumas mentes. Achou e leu as frases que procurava. Após a leitura, fechou os olhos e sorriu. Então olhou para as pessoas e decidiu oferecer seu lugar a uma moça cheia de sacolas. Deixou seu livro na mochila e correu para visitar a sessão de clássicos de uma livraria. Mas desta vez sem empurrar ninguém!

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