CRÔNICAS EM TEMPOS DE GOLPE - SHOW DO ROGER WATERS 30 DE OUTUBRO POA E A INSUSTENTÁVEL BURRICE DO SER

Ontem eu fui no "polêmico" show do Roger Waters.

Foi um show maravilhoso: a voz dele segue impecável, os solos estavam maravilhosos, o telão com imagens te convidada à psicodelia sem nem mesmo estar usando alguma substância, algo que até seria interessante pra esse show.

Trouxe muitas imagens de guerras, desigualdade, crianças e resistência. A segunda parte do show ele problematizava o fato de estarmos sendo governados por porcos (lembrou Orwell) e trazia críticas fortíssimas ao Trump, o que inclusive incomodou brasileiros destes da camisa da seleção. Porém, sua parte mais polêmica foi o intervalo de 15 minutos, onde o telão exibe várias coisas que devemos resistir: às polícias militarizadas, ao fascismo (nome de Bolsonaro não foi exibido), destruição ambiental, sai em defesa de Julian Assange etc. Foi maravilhoso: um show impecável! A produção de um respiro para quem está em um mundo sendo dominado pelo ódio e o fascismo e quer sustentar valores humanitários para todos e não só para seus cupinchas de credo e de classe.

Cabe uma reflexão política. Vale destacar que havia meia dúzia de pessoas que resolveram gastar seus 200, 300 ou até 600 reais para ir num show desses pra defender o fascismo e o autoritarismo, seja nas suas formas institucionalizadas ou seja apresentando ojeriza às críticas. Na contramão daquilo que elas estavam usufruindo (um show onde o artista pode livremente criticar politicamente presidentes e a história), se sentiam profundamente ofendidas pelo seu "novo líder" e além de vaias, largavam frases desconexas e desejos de censurar o artista do tipo:

"Espero que Roger Waters morra logo."
"David Gilmore é melhor"
"Ditadura sim"
"Quero música e não política"

Pra "disfarçar", já cansados e aceitando que eram uma minoria ali gritavam "Viva o grêmio". Depois de cenas tocantes, com um som maravilhoso, a pessoa só consegue berrar isso para disfarçar o ódio que estava sentindo do músico?

O fenômeno de ontem me fez querer entender mais como que o ódio produz uma dissonância cognitiva ímpar dessas. É algo que a Psicologia ainda demore pra explicar. A incapacidade das pessoas estabelecerem a relação entre a vida e obra do artista e ficarem objetivamente magoadas com as mensagens de Roger Waters é de uma burrice bastante profunda. Não acho que seja uma questão de neurônios, mas de um ódio que as tornou tão cegas ao ponto de não conseguirem estabelecer esse tipo de relação.

Hoje mesmo, Bolsonaro indica 3 ministros com histórico de corrupção para serem seus ministros, um deles (o da casa civil) admitiu que fazia picaretagem e apenas pediu "desculpas". Porém, seus seguidores seguem considerando Bolsonaro um "offsider" e que ele vai combater a corrupção.

Como eu falei, não tenho respostas. Mas é de se pensar o que faz com que alguém não se deixe tocar em nada pelas mensagens de paz e anti guerra do telão e se sinta convocada a desejar a morte do artista. Além do mais, era evidente que caso o que Waters estivesse criticando fosse a esquerda em geral, estaria por essas mesmas pessoas sendo considerado um gênio e a política seria muito bem vinda no show. Lamentável, mas só mais um sinal de ódio: a manifestação é boa apenas se reproduz o que eu gosto, caso contrário o melhor destino é a morte.

CRÔNICAS EM TEMPOS DE GOLPE - FRAGMENTOS DIÁRIOS

No clima das "viradas" pró Haddad, se evidencia pelas malhas das cidades diferenças de abordagens em relação à política. Há um ethos imbricado na práxis dos militantes que delineia posicionamentos que definem formas bastante diferenciadas de ocupar-construir a própria cidade. Vou generalizar a fim de registro pessoal de memória:

Pessoas fazendo campanha pelo #Haddad13: "Vamos conversar" é o mote; trazem amorosidade digna de Paulo Freire propondo sentar com "boulos" e café, tomar chá e trocar abraços; tentativas de discutir civilizadamente posicionamento político (contramão do momento); ocupam a cidade com cartazes com mensagens positivas e pela democracia; espalhados nas ruas; se prestam a ficar bons minutos falando com minions que queriam só importunar. A política aqui se produz parando o fluxo das vidas: sentar com calma e refletir. Convite a habitar o presente- lembram-me de Walter Benjamin. Está em pauta o encontro.

Campanha Pelo #B171: Ocupam a rua basicamente só em comícios; foco em carreatas; saudações nacionalistas duvidosas; discurso inflamado e odioso; promessa de aniquilação do(s) outro(s); abordam com câmeras e com voz alta quem discorda deles; xingamentos gratuitos; abordagem truculenta e intimidatória dos "vermelhos" que estão na rua na medida em que se aproximam vociferando impropérios mesmo sem ser abordados. Sinalizam usos pontuais e pragmáticos da cidade e operam por uma Política de condomínio: dentro dos carros, apartamentos, whatsapp. OS muros que separam uns dos outros não são enfrentados, mas reforçados. O próprio candidato debate política de dentro de casa e evita debates. Isso sinaliza uma prática política sempre a partir da reificação da propriedade privada e do próprio umbigo. Misturar-se com a diferença jamais. Uso pragmático e pontual da cidade para a política, sempre enviesado para o que lhes favorece (lembrar das placas de Marielle, intervenção urbana rapidamente destruída em POA por militantes de direita). É insuportável ver a cidade “suja” no cotidiano. Há dia, data e hora pra se fazer política legitimamente na cidade.

[Desenrolar reflexões depois, se possível]

Gostaria de relatar no dia de hoje estou feliz com a campanha que ocupou a última semana das eleições. Vejo uma retomada (ainda que tímida) de uma espécie de militância e micropolítica orgânica historicamente marcante na esquerda da America latina, que mistura afetividade com luta política aguerrida e descentralização das ações. Nota: Nunca coube no Estado essa característica rebelde Americana (não confundir com Tio Sam, nós somos América) e, quando se tentou fazer caber, perdemos. Respiro a retomada de uma de nossas caracterísitcas: a solidariedade. Não a demarcada por valores morais, mas aquela que se dá pela troca de olhares e a partilha conjunta de uma ação. Produzimos Comum, talvez diriam Dardot e Laval.

Deixa-me feliz que essa semana eu vi indícios da dissolução de uma terrível figura que se cristalizou nesses últimos anos: a do/da "militante chato" ou “o amigo/a militante”. Quem veio me chamar para as ruas, para eventos, para debate, para militar, não foram mais aquelas "figurinhas marcadas" das minhas redes de relações, mas pessoas que não traziam esse engajamento partidário e institucional mais sistemático em suas histórias de vida.

Feixes que anunciam as resistências.