Ontem eu fui no "polêmico" show do Roger Waters.
Foi um show maravilhoso: a voz dele segue impecável, os solos estavam maravilhosos, o telão com imagens te convidada à psicodelia sem nem mesmo estar usando alguma substância, algo que até seria interessante pra esse show.
Trouxe muitas imagens de guerras, desigualdade, crianças e resistência. A segunda parte do show ele problematizava o fato de estarmos sendo governados por porcos (lembrou Orwell) e trazia críticas fortíssimas ao Trump, o que inclusive incomodou brasileiros destes da camisa da seleção. Porém, sua parte mais polêmica foi o intervalo de 15 minutos, onde o telão exibe várias coisas que devemos resistir: às polícias militarizadas, ao fascismo (nome de Bolsonaro não foi exibido), destruição ambiental, sai em defesa de Julian Assange etc. Foi maravilhoso: um show impecável! A produção de um respiro para quem está em um mundo sendo dominado pelo ódio e o fascismo e quer sustentar valores humanitários para todos e não só para seus cupinchas de credo e de classe.
Cabe uma reflexão política. Vale destacar que havia meia dúzia de pessoas que resolveram gastar seus 200, 300 ou até 600 reais para ir num show desses pra defender o fascismo e o autoritarismo, seja nas suas formas institucionalizadas ou seja apresentando ojeriza às críticas. Na contramão daquilo que elas estavam usufruindo (um show onde o artista pode livremente criticar politicamente presidentes e a história), se sentiam profundamente ofendidas pelo seu "novo líder" e além de vaias, largavam frases desconexas e desejos de censurar o artista do tipo:
"Espero que Roger Waters morra logo."
"David Gilmore é melhor"
"Ditadura sim"
"Quero música e não política"
Pra "disfarçar", já cansados e aceitando que eram uma minoria ali gritavam "Viva o grêmio". Depois de cenas tocantes, com um som maravilhoso, a pessoa só consegue berrar isso para disfarçar o ódio que estava sentindo do músico?
O fenômeno de ontem me fez querer entender mais como que o ódio produz uma dissonância cognitiva ímpar dessas. É algo que a Psicologia ainda demore pra explicar. A incapacidade das pessoas estabelecerem a relação entre a vida e obra do artista e ficarem objetivamente magoadas com as mensagens de Roger Waters é de uma burrice bastante profunda. Não acho que seja uma questão de neurônios, mas de um ódio que as tornou tão cegas ao ponto de não conseguirem estabelecer esse tipo de relação.
Hoje mesmo, Bolsonaro indica 3 ministros com histórico de corrupção para serem seus ministros, um deles (o da casa civil) admitiu que fazia picaretagem e apenas pediu "desculpas". Porém, seus seguidores seguem considerando Bolsonaro um "offsider" e que ele vai combater a corrupção.
Como eu falei, não tenho respostas. Mas é de se pensar o que faz com que alguém não se deixe tocar em nada pelas mensagens de paz e anti guerra do telão e se sinta convocada a desejar a morte do artista. Além do mais, era evidente que caso o que Waters estivesse criticando fosse a esquerda em geral, estaria por essas mesmas pessoas sendo considerado um gênio e a política seria muito bem vinda no show. Lamentável, mas só mais um sinal de ódio: a manifestação é boa apenas se reproduz o que eu gosto, caso contrário o melhor destino é a morte.