Crianças




Ultimamente tenho parado para prestar mais atenção nas crianças. Não sei se pelo fato de fazer psicologia ou por algum prazer nostálgico, o fato é que quando as observo além da graça e do prazer em si descubro muitas coisas relacionadas a mim mesmo, ao ser humano e a sociedade.

Em uma dessas situações estava eu aguardando algumas horas pelo meu próximo ônibus em dos “magníficos” terminais integrados de Florianópolis. Enquanto estava reclamando para mim mesmo do frio que fazia em santo antônio observei uma pequena garotinha, talvez nos seus 4 ou 5 anos. Ela era loira e sorridente, caminhava e corria de forma semelhante a de um pinguim com sua mãe. Ela olhava para os horários dos ônibus, olhava para sua mãe ,recebia sua aprovação pelo olhar, e sorria. Aventurava-se alguns passos longe dela e então voltava correndo, dando risadas e gritinhos em uma forma de linguagem que ao mesmo tempo que era compreensível também era incompreensível. Resolveu então sentar-se. Em poucos minutos uma outra garotinha entrou em cena, talvez com seus 6 anos. Era morena e tinha um cabelo longo e encaracolado de dar inveja a muitas mulheres. Visivelmente tinha uma destreza mais trabalhada que a outra menininha pois corria com muita facilidade e certa graça. Sua brincadeira era correr alguns metros longe até os quadros dos horários, bater lá e voltar dando risadas e gritinhos. Por volta talvez da 10 repetição deste processo ela já tinha levantado a atenção de boa parte das pessoas que assim como eu aguardavam um ônibus para seu destino, arrancando sorrisos singelos e tímidos de muitas delas. Não demorou muito para que quando ela regressasse encontrasse em sua frente parada a garotinha menor. Ficaram uma de frente para a outra por talvez um pouco mais que 1 minuto, sem nada falar. Uma delas resolveu sorrir, a outra respondeu e em questão de pouquíssimos minutos elas estavam correndo uma atrás da outra dando gritinhos por todo o terminal. A maior corria na frente e a pequena com seus passos de pinguim, a qualquer momento sujeita a uma queda, a perseguia. A brincadeira era ir até um banco, sentar e voltar (a pequena não conseguia subir no banco mas ela tocava nele e voltava a ficar atrás da maior). As mamães estavam sentadas em um banco aparentemente tranquilas, conversando. Em pouco tempo a alegria daqueles pequenos seres com seus corpos pulsantes de energia e felicidade contagiava boa parte dos adultos carrancudos e chateados em sua volta. As pessoas as olhavam em sua graça simples e inocente, aqui avaliando inocência como simplicidade na forma de ser.

Então primeiro olhei a mim mesmo. Além da graça que ali estava posta pela forma que as menininhas agiam percebi que o prazer que sentia não era apenas pela graça de suas atitudes. Também havia um prazer no que ver aquelas crianças agindo de forma livre e alegre significa para mim: memórias de um passado. Era evidente para mim que aquelas crianças resgatavam em mim memórias de um tempo estimado, onde supostamente era um ser mais feliz e tranquilo, sem muitas responsabilidades e relativamente livre para ser feliz sem me preocupar com nada. Essas memórias surgiram, me apeguei nelas por algum tempo revivendo um prazer anterior. Sorri sozinho quanto a isso e quando me dei conta do que fazia e decidi então observar os outros adultos que as observavam. Eles também dirigiam olhares alegres e vez ou outra desviavam seus olhos para alguma direção, alguns apresentando um olhar vago. Não teria muito medo de arriscar que talvez estivessem também passando por um pequeno momento nostálgico. O fato é que tiraram os olhos de seus relógios e revistas, do caminho por onde surgiriam os ônibus, alguns descruzaram os braços e voltaram-se por alguns instantes para a pequena bagunça no terminal. Um dos adultos arriscou-se dialogar com elas, arrancou delas algumas risadas e depois voltou para a espera de seu ônibus. Eu próprio tive vontade de correr também mas logo percebi que isso certamente pegaria mal, e aí outra coisa me veio a cabeça...

Outra ideia que estas crianças despertaram em mim foi uma pequena indignação com nossas regras sociais. Fiquei pensando a imensa facilidade que estes dois seres tiveram de virarem amigas e passarem a aproveitar o momento juntas. Isso definitivamente não é algo normal no mundo adulto. Dificilmente encontraria um desconhecido no terminal e o convidaria para qualquer tipo de atividade ou iniciaria qualquer tipo de conversa que rompesse com a bolha impessoal que criamos em espaços públicos. Bolha essa devidamente conservada por todos nós, que provavelmente também nos sentiríamos incomodados ou receosos com qualquer proposta ou ação invasiva relacionada ao nosso ser – por mais amistosas que fossem. Poderia divagar aqui as origens disso mas deixaria esse texto longo, mas apontaria de forma superficial a maneira que nossa rotina (neurótica) está institucionalizada (a ponto de ser um perigo rompê-la), a nossa própria repressão sexual devidamente ensinada e colocada como doutrina que nos impede de expressar diversos desejos e é claro a eterna sensação de medo, incerteza e desconfiança que estamos sujeitos a viver quando se trata de estranhos e as ruas.

Por fim, senti uma ponta de inveja das crianças. Enquanto estávamos todos nós adultos enrijecidos em nossos corpos tentando nos proteger do frio, dos olhares e de qualquer distração estavam lá duas crianças aproveitando seus corpos regadas a sorriso e diversão. Parei para contar como são poucos os momentos em que faço isso, menores ainda os de forma coletiva. É duro o que a civilização fez com a gente: ao mesmo tempo que algumas de suas regras se tornaram necessárias para avanços significativos na forma de existirmos e nos reproduzirmos também trouxe junto com estes avanços certos regressos e dores, as quais muitos de nós se defrontam e alguns tem dificuldades em lidar.

“Eu gosto de crianças”, conclui, como sempre. E tratei de entrar em meu ônibus afinal não queria perder mais tempo esperando um ônibus no frio.

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