Quando o chauvinismo impera sob a política: a polêmica do decreto 8.243



E tiveram fim as eleições. Análises à parte, uma coisa é certa: fica o destaque da postura reacionária de número considerável dos eleitores anti-(insira aqui pauta da esquerda ou algo que use a cor vermelha). E essa postura, ao que tudo indica, tende a ser mantida independentemente da objetividade dos fatos. A manifestação mais recente é a comemoração da negação do DECRETO Nº 8.243.

Este decreto tem sido alvo das mais variadas críticas, dentre quais se destacam: o Brasil irá virar a Venezuela; trata-se de uma medida ditatorial (novo AI-5); o congresso irá se transformar em um “almoxarifado” que ficará de joelhos aos movimentos sociais (segundo Álvaro Dias-PMDB); destruição da democracia; um poder paralelo do PT e outras variantes com requintes um tanto paranoides. Aos que não leram ainda o decreto, eu sugiro a leitura. Verão que se propõe a algumas coisas, menos ao que se acusa. Embora o terrorismo propagando por ícones imbecilizantes da linha midiática hegemônica (Olavo de Carvalho, Reinaldo Azevedo, Constantino & cia) de fato seja de fácil acesso nas mentes passionais que ainda não engoliram a vitória petista, ele pode tranquilamente ser vencido por uma simples consulta ao projeto. Trata-se de aprofundar a relação entre sociedade civil e as instâncias democráticas através da criação de mais espaços de representação direta. Não se propõe de forma alguma (infelizmente) uma reforma política radical ou substitutiva ao modelo que temos hoje. Seu ápice se dá em conferências nacionais temáticas, donde se assegura um processo que vem da base desde as propostas e eleição de delegados a até as pautas. O decreto sequer assegura a existência dessas conferências, sinalizando que elas estarão sujeitas à “pertinência de sua realização”. Devo lembrar ao leitor que muitos destes espaços já existem atualmente. Talvez um dos sistemas diretos mais significativos da nossa constituição seja justamente o controle social pensado para o Sistema Único de Saúde, onde os conselhos municipais elaboram propostas através de suas instâncias representativas, passando por um processo estadual e posteriormente nacional, que culmina na Conferência Nacional de Saúde (obrigada a acontecer de 4 em 4 anos) e dá diretrizes a serem discutidas e pactuadas no Conselho Nacional de Saúde. Já são quase 25 anos com esse sistema e, embora a conferência indique uma série de medidas em defesa do SUS, não houve governo que deixou de fazer seu “business” capitalista em prol da melhoria radical da saúde - o que não tira o mérito e importância destas instâncias, visto que serviram/servem para mudanças fundamentais no sistema e impactam diretamente a saúde das pessoas promovendo a cidadania.

Estes setores, mesmo com críticas ferrenhas ao sistema representativo e toda a argumentação sobre pessoas mais “inteligentes” como eles formando um novo país, ainda assim se mostram incapazes de visualizar nessa proposta algo positivo. Fica a pergunta: Por que ser contra mecanismos de participação direta? Talvez a resposta esteja no medo do senador Álvaro Dias: a submissão das instâncias formais à vontade do povo. Criar mecanismos como estes é aumentar o risco que as minorias influenciem mais diretamente a atuação de nossos representantes. Criar estes espaços é proporcionar maiores chances para que estes setores passem a fazer a política de forma mais ativa, consequentemente se educando politicamente neste processo. Nestas horas, a indignação reacionária prontamente se torna a santificação de um sistema que eles próprios estavam a criticar quando lhes era conveniente e o congresso se torna o suprassumo da democracia. Um modelo representativo completamente apassivador da massa, uma das inúmeras causas de tantos males já extensamente identificados na forma que se dá a política atualmente, inclusive a corrupção. E então, acima de uma mecanismo que a longo prazo pode servir contra qualquer manutenção excessiva de poder através do protagonismo e da proposição, preferem colocar a saciação de seu sentimento anti-esquerda imediato, fazendo uso de justificativas como “bolivarianismo” para ser contra tal medida e, por tabela, reafirmar um modelo representativo onde colocamos na mão de terceiros a condução das políticas públicas do país.

Há quem chame isso de bolivarianismo, ditadura e afronta à constituição . Eu chamo de exercer controle social. Chamo de aprofundar a democracia.

Quem realmente ganhará as eleições presidenciais



Aproximamo-nos, finalmente, do desfecho das eleições de 2014. Com o início do segundo turno, a polarização entre os eleitores ficou cada vez mais acirrada, algo que tem sido potencializado pelo uso das mídias sociais e da internet. Porém, independente do resultado final, a vitória política já é a dos setores reacionários. 

Não é a primeira vez que os brasileiros passam por um processo político aonde as mídias e redes virtuais atuam extensamente na formação de opinião. Verdade seja dita, cada vez mais elas tem se tornado acessíveis e, principalmente, um veículo de informações rápidas através de imagens ou vídeos curtos. Além disso, tem se tornado um lugar que abre espaço para certa liberdade de expressão, de forma que as pessoas têm compartilhado muito seus pensamentos políticos na rede. Mas o destaque que gostaria de dar é para certa irresponsabilidade no uso expressivo destas redes. São cada vez mais frequentes postagens mentirosas, montagens tendenciosas, vídeos editados e mensagens ofensivas e/ou odiosas para com determinado grupo, partido ou pessoa. Atiram essas informações sem verifica-las ou se dando o trabalho de estuda-las, como se não houvesse um compromisso com o tipo de coisa que se dissemina. Parecem estar guiadas por um objetivo único: desmoralizar/derrotar o que “eu não gosto” – e acaba aí. Se for falando mal de x, então é válido e qualquer coisa que tente disser o contrário está equivocada. Adeus diálogo! Esse comportamento impulsivo de apenas compartilhar informações se torna uma barreira ao pensamento. É mais uma das evidências de que o brasileiro só consegue dar uma expressão visceral e afetiva à insatisfação política. Tem dificuldade em dar um sentido elaborado por si para os problemas que vive. No máximo consegue expressar, junto do compartilhamento de notícias e reportagens, coisas como “EU DISSE/PTRALHAS MALDITOS/CADEIA NELES” e variantes. Mas sempre raciocínios curtos, ancorados em palavras e discursos elaborados por outrem. 


Um dos desdobramentos disso é justamente a incapacidade de se responsabilizar pelo que se compartilha. A competência de pensar ou elaborar discurso sobre o que acontece é sempre transferida ao outro, tornando o sujeito que age assim incapaz de sequer conceber quais os desdobramentos disso para além de alívio imediato de sua indignação. As jornadas de Junho exemplificam claramente isto: após o protagonismo do MPL as pessoas decidiram ir para as ruas colocar sua insatisfação, mas só porque estavam “#cansadas”. Cansadas do que? Talvez nem elas soubessem dizer. Não tardou para que o discurso midiático orientasse, no lugar delas, esse sentimento. Esta postura resignada/passiva, aponta bem Reich em “Psicologia de Massas do Fascismo”, é um dos pilares fundamentais para regimes de cunho fascista. O depósito na condução de uma nação ou do pensamento em uma figura quase mítica e que resolverá os problemas de tudo, enquanto poderemos viver a vida em paz e sem incomodação, seguros de que “algo está sendo feito” por nós e contra nossos inimigos – inimigos esses que tem uma cara sempre bem definida e generalizante. 


Naquela época, Reich combatia as argumentações fascistas de “bolchevismo cultural” e toda uma mitologia envolvendo os inimigos do povo alemão. Hoje, temos de escutar sobre “marxismo cultural” e outras balelas sem fundamento. Como superar isto? Reich diz que a única forma de vencer o fascismo seria com conhecimento e análises bem fundamentadas da realidade. E talvez ela esteja correto. Mais do que nunca precisaremos da calma, da paciência argumentativa e da cooperação para superar uma onda reacionária à qual só tende a crescer nos próximos anos, donde quem sairá perdendo, fatalmente, será o povo trabalhador e pobre.

(In)feliz dia das crianças

Belíssimo dia das crianças! Mas podemos chamá-lo de um dia feliz? 

No Brasil 45,6% das crianças vive em famílias pobres. Somos um país aonde a desnutrição infantil é uma realidade para parte da população. Um país onde de cada 100 jovens, 59 terminam a oitava série e apenas 40 o ensino médio. Onde mais de 3 milhões ainda se encontram sob condições de trabalho infantil. Para não mencionar os que vivem nas ruas e que, por conta dessa condição, já foram/são mortos - descansem em paz os jovens da Candelária.¹

Inevitável não me entristecer. Mas fico tão mais triste quando vejo pessoas que na sua infância tiveram cuidadores e ganharam brinquedos, que foram incentivadas ao estudo e ao trabalho e que puderam se apoiar em exemplos próximos para projetarem suas vidas adultas em segurança; olhando para todas "as outras" que não tiveram estas condições e propondo nada mais que a redução da maioridade penal e menos políticas assistenciais. Acham que elas precisam “aprender a pescar" e que precisam ser punidas pelo que são, visto ser culpa exclusiva delas. Esquecem-se das fases de suas próprias vidas e descartam todos os dias parte da juventude brasileira que ainda é, quase que em sua maioria, marginalizada. Jogam fora o futuro do nosso país aos poucos, sendo consciente ou inconscientemente ignorantes, para não dizer odiosos/odiosas em boa parte dos casos. No que se refere ao menor em conflito com a lei, a solução é a mais imediata e higienista o possível: trancafiar todos! Em especial agora, sob o aval de um candidato que privatiza presídios e que apoia a medida - nada mais coerente da parte dele. E é apenas isso que podemos oferecer a uma das desgraças de nosso país. O descarrego de uma cólera coletiva, que tem dificuldades de ganhar sentido senão pelos afetos mais brutos da psique humana, quando não travestida de uma completa apatia para com os jovens carentes ou desinteresse completo em suas histórias e determinantes que extrapolam suas individualidades.

Com frequência sou criticado pela radicalidade no que se refere às soluções para problemas estruturais do Brasil. Mas quando vejo que diante destes casos as palavras "socioeducativo" e "reinserção social" se tornaram parte de um vocabulário "asqueroso de direitos humanos", fico preocupado com o trabalho a ser feito em termos de conscientização e construção de uma sociedade justa e mais humanizada. De qualquer forma, um feliz dia das crianças para aquele seu priminho ou sobrinha, que ganhou coisas, carinho e é alimentado de perspectivas todos os dias. Como a vida é bela e a infância magnífica, né? Vou até abrir um champanhe pra comemorar e lembrar meus bons tempos feliz e inocente, ou minha impulsividade adolescente...


¹: Dados da UNICEF e IBGE

Para não dizer que não falei das flores



Bomba eleitoral! A esquerda de norte a sul, leste a oeste: todos indignados e indignadas com os resultados eleitorais. Profundamente receosos e preocupados com o futuro do país diante de tal onda conservadora tomando os cargos públicos. Para não mencionar as bizarrices de sempre, que vão desde candidatos palhaço aos candidatos biônicos, todos sem nenhuma história pública ou de luta por direitos, mas mesmo assim sendo eleitos a rodo. A cereja do bolo são alguns dos mais votados, que são reconhecidos por seus discursos de ódio e ainda assim atingem números absurdos de votos.

De fato a situação é no mínimo constrangedora para aqueles que vislumbram um país diferente e mais justo. Mas devo lhes dizer que, mais que os resultados eleitorais, a postura dos/das camaradas diante desses fatos me deixa mais perplexo. Agem impulsivamente, como se houvessem escolhas reais! Agem de acordo com o joguete democrático burguês tupiniquim, vivendo uma suposta disputa entre esquerda e direita através de uma candidatura entre Aécio Neves e Dilma Rouseff. Falam mal uns aos outros por terem batido demais em Marina ou votado em Luciana, se lamentam e dizem querer mudar de país, esbravejam o quanto vão se tornar petistas e toda a sorte de tentativas de dar sentido a essa frustração. Parecem que esqueceram tanto quanto as massas as manifestações de Junho e a lição que nos deram: povo tem que estar organizado e na rua. E não me refiro aos levantes fascistóides: refiro-me a quem estava lá por um país com mais saúde, educação e direitos garantidos. Muito pobre, professor, garis, jovens e profissionais. Isso é democracia de verdade: ir além de legendas ou candidatos eternamente insuficientes para nos representar. Dissociar a democracia como exclusividade do Estado e compreendê-la como algo em eterno exercício e construção. Essa é e sempre deverá ser a nossa bandeira, seja Tiririca ou Jean Wyllys na presidência.

Infelizmente, hoje colhemos os frutos de um partido que se intitulou de esquerda e dos trabalhadores, que consagrou para si mesmo alguns grandes ícones de combate e enfrentamento para um país melhor, mas que falhou em cumprir com um papel radical e comprometido com mudanças estruturais. E colhemos também os frutos de nos mantermos presos ao modelo institucional de política, falhando em construir levantes paralelos e significativos (salvo exceções), nos mantendo reféns deste tipo de disputa fictícia. Levantes estes que sejam geridos e pensados por quem deles faz parte, que não sejam absorvidos pela política institucional. Que criem seus próprios candidatos para que não fiquem vítimas de disputas falaciosas como a polêmica PSDB e PT, ou de um jogo democrático que nos diz dar “liberdade de escolha”, mas nos coloca a mercê de figurinhas previamente escolhidas de forma completamente distante do povo e de seus anseios. Seja Aécio ou Dilma, os escândalos vão se manter, a corrupção não vai acabar, as privatizações vão continuar, os bancos continuarão felizes abocanhando mais da metade do trabalho dos brasileiros etc...

Por mais desanimadora que seja a hora, não podemos jamais nos esquecer da utopia de Galeano. É necessário nos alimentarmos dela para continuarmos criando, continuarmos caminhando. Continuarmos tendo o gás para inventar uma democracia cada vez mais participativa e com a cara de nosso país, rompendo com estes candidatos artificiais e que em nada tem a ver com nosso povo; exterminando a maléfica redução da política e da construção de uma nação exclusivamente nas urnas ou deixada nas mãos de terceiros.