Contra o capital estrangeiro na saúde pública

[Há spoiler do filme "Jardineiro Fiel no segundo parágrafo, cuidado]

No dia 19 de Janeiro a saúde pública recebeu mais um duro golpe. Refiro-me à sanção da Lei 13.097 pela presidência da república. Tal lei modificou a famosa lei nº 8080 e abriu enormes portas para a entrada do capital estrangeiro na exploração da saúde pública. Mais uma das evidências de que há uma pretensão de cada vez mais privatizar nosso direito à saúde, quando não contorcê-lo e usá-lo como moeda de troca para negociatas com empresas privadas.

Assim que li a notícia recordei-me do filme "O jardineiro fiel", que por acaso foi dirigido pelo brasileiro Fernando Meirelles. Como pano de fundo desta obra temos uma operação ilegal de uma multinacional farmacêutica que com a desculpa de combater a AIDS na África, realizava testagens ilícitas de um de seus medicamentos na população que atendia, acompanhando através da saúde pública as decorrências e efeitos colaterais de seus medicamentos. A trama segue com o jardineiro descobrindo como os interesses de mercado e de lucro se embrenhavam com a estrutura pública e local, criando toda uma rede de corrupção e sustentação do esquema, bem como de violação de direitos e até assassinatos. Se há um aspecto romântico demais neste filme, certamente é o de que a empresa acaba por ser desmascarada no final.

A obra de Meirelles nos serve como material para refletirmos o que significa de fato a privatização da saúde pública e, neste caso, sua submissão aos interesses estrangeiros. Pensemos: Por que um grupo americano voltado a financiamentos diversos (capital financeiro) no valor de 203 bilhões de dólares em ações, empresas e convênios em diversas partes do mundo teria interesse em comprar parte de uma rede hospitalar brasileira e abrir seu próprio serviço; ou até melhor: REDE orgânica de serviços clínicos em terras tupiniquins?[1] Será pela sua preocupação com o oferecimento de um serviço de qualidade e as necessidades de saúde de um país subdesenvolvido ou pela preocupação com os interesses de seus acionistas de diversas partes do globo? O que será que influencia os convênios e ética desta empresa-hospital: trabalhadores qualificados e a saúde de seus pacientes ou o lucro e uma outra série de vantagens que se pode retirar disso? Como a relação capital x trabalho influencia na qualidade e produção do serviço? Não podemos também esquecer que o campo da prática é, em especial na saúde pública onde oficialmente se privilegia isso, um espaço prioritário para a formação de quadros e a formulação teórica que orienta as práticas de saúde do país. A absorção do acúmulo da prática desses profissionais nesses lugares vai se dar de que forma? Que tipo de ensino e pesquisa em saúde estes lugares promovem (voltamos ao capital x trabalho) - como isso dialoga com as necessidades sociais em saúde de nosso povo? Na verdade, não dialoga. Não há diálogo entre necessidades de mercado e necessidades sociais em saúde. Enquanto o primeiro tem suas exigências particulares (e nesse caso, por se tratar de capital estrangeiro, elas extrapolam os limites locais), o segundo tem outras que não exigem superespecializações, máquinas e complexos hospitalares em massa.

Quando a lei nº8080 foi criada, ela abriu brechas para que o sistema particular entrasse como complementar à rede pública, o que desde então permitiu que o Estado, em conjunto com investidores e empresários da saúde, entrassem em constantes acordos para que cada vez mais o primeiro cedesse espaço para o segundo. Para garantir este processo, se incorreu sempre à associação com a mídia burguesa e hegemônica, que se dedicou décadas a praticar uma espécie de terrorismo com a saúde pública, assentando as bases das justificativas de sempre: o Estado não sabe gerir, tem muita corrupção, o serviço é ruim porque é público e voilà : privatiza! Este jogo já manjado sempre serviu para esconder a única e verdadeira ineficiência: a ineficiência política de um governo que investiu sempre muito pouco na saúde da população; que produz uma saúde ineficiente propositalmente. Com este decreto, chegamos em seu ponto extremo, que é cedermos a saúde de uma nação para ser explorada ao capital estrangeiro.

A aprovação desta nova modificação na lei coloca a saúde de um povo à venda. Antagoniza radicalmente com a idéia de um sistema universal, público e de qualidade, que existe para dialogar com os nossos problemas socioeconômicos. Um sistema que é pra ser verde e amarelo, ter um coração que bate junto de quem trabalha e vive nesse país e não pra ser regulado pelo tinir de moedas no bolso de uma minoria. Eu estou, diferentemente do governo, junto com os trabalhadores, usuários(as), a Conferência Nacional de Saúde e a Conferência Nacional de Saúde Mental - Intersetorial: contra a privatização na saúde.



[1] http://www1.folha.uol.com.br/fsp/mercado/205118-investidores-estrangeiros-assediam-hospitais-no-pais.shtml

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