Tomás tinha amigos, embora não
muitos. O que o leitor irá descobrir é que embora verdadeiros amigos, todos os
amigos de Tomás, sem exceção, tinham características as quais escondiam uns dos
outros. O primeiro destes tipos que vamos apresentar é Jonas Carvalho.
Jonas era mais velho que Tomás,
estando na faixa de seus 32 anos. Estudou em uma boa universidade federal e
conseguiu fazer uma pós-graduação nos Estados Unidos. Conheceram-se em uma
despedida de solteiro de um outro amigo de ambos e entre porres, putas e
risadas acabaram simpatizando um com o outro. Jonas tinha voltado a pouco tempo
dos Estados Unidos e tinha muito a contar, enquanto Tomás tinha regressado de
si mesmo e tinha muito a ouvir. Dentre suas características principais, o cabelo
escovinha para trás tentando disfarçar sua leve calvície e uma levíssima
corcunda se destacam. Trouxe dos EUA o costume de usar uma pochete, o que o
torna estranho aos olhares contemporâneos e o faz parecer mais velho e
desinteressante do que realmente é. Fala com rapidez, parece sempre elétrico e
trabalha com sistemas de informação de uma grande empresa nacional, embora seja
originalmente engenheiro. O porquê de o interesse por computadores acabar por
gerar uma infinidade de estereótipos de Jonas por aí é algo que deixo para
outras pessoas explicarem. Para todos, Jonas é um sujeito responsável e que as
vezes, por tentar agradar demais, acaba por sem querer sendo desagradável. Mas
nenhum de seus bons amigos se incomodam mais com isso e se sentem livres para
censurá-lo nos excessos.
Em seu íntimo, porém, Jonas se
dedicava a hábitos os quais propositalmente escondia e nunca falava sobre. Ao
menos 3 horas por dia se dedicava a navegar anonimamente na internet. Nesta
madrugada ficou vendo vídeos de pessoas sendo mutiladas, intercalando com vídeos
de animaizinhos. Quando cansou, foi debater política em fóruns anônimos. Este
sim era sua atividade predileta, talvez mais que tudo em sua vida, embora não
admitisse. Tal era seu interesse em debater anonimamente na internet, que as
vezes se olhava no espelho e se via como um intelectual ou político de grande
porte. Adquiriu o hábito de vestir algum adorno antes de debater e se debater
em seu teclado: uma gravata, um chapéu, um anel.. precisava vestir algo. Acreditava
verdadeiramente que era um sujeito acima da média de inteligência e gastava boa
parte de sua madrugada se referenciando em websites, vídeos do Youtube e citações
de origem duvidosas para refutar seus adversários em debates longos.
Secretamente se regozijava a ponto de comemorar internamente (externamente,
quando sozinho) quando suas idéias recebiam algum "Curtir" ou eram
aceitas por algum outro participante da discussão. Orgulhava-se internamente
por nunca ter arredado o pé em nenhuma discussão virtual, coisa que o fazia se estender
por toda madrugada se fosse preciso, sacrificando seu sono em prol de sua
vitória - ele sempre era o vitorioso. Passou a se sentir poderoso e consentiu
consigo mesmo de que, para não estragar suas relações pessoais, não iria
debater pessoalmente com as pessoas, visto que seu vasto domínio cultural e
político, junto de sagacidade argumentativa, poderia estragar suas relações.
No outro dia encontrou Tomás e
outros amigos no seu gabinete. Estava com as olheiras costumeiras. Foi inquirido
por um dos colegas sobre estas últimas, ao passo de que respondeu
"Trabalhei toda a madrugada". Discutiam sobre um novo governador e o
impacto que aquilo poderia ter em leis trabalhistas. Jonas se segurou
fortemente para não falar nada. Seus dedos começaram a mexer como se estivesse
teclando e quando perguntaram o que ele achava respondeu enquanto engolia seu
café, meio vacilante no tom de voz: "Não gosto de política".
Logo mais Jonas e sua idéia de superioridade
estariam prestes a achar novas vazões, quando Tomás iria lhe apresentar um novo
aplicativo.
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