Com
este escrito tenho a simples pretensão de relatar como foi que passei o dia
12/05/2016. Não o faço para lermos no nosso tempo, mas para que fique jogado
por aí um registro simples de como foi o dia do golpe pra um sujeito comum.
Iniciei
a quinta feira trabalhando. Acordei cedo e logo fui pegar o ônibus. Na noite anterior
encerrou-se, por conta do passar da hora, a sessão do senado que colocaria o
ponto final no impedimento da presidenta Dilma, com a intenção de que se
reiniciasse e se finalizasse a votação na quinta pela manhã. Foi estranho ver
que um dia tão marcante como este estava sendo na verdade um dia comum. No
ônibus estavam todos com as mesmas caras neutras, com fones de ouvido ou simplesmente
imersos em si mesmos. Fazia frio e era cedo. Pela janela via as pessoas em seus
carros irem trabalhar com as mesmas caras. Nas ruas operários agasalhados davam
seguimentos às obras. Garis varriam as ruas. Moradores de rua bebiam ou
mendigavam. Nos bares os trabalhadores tomavam seus cafés. Nas esquinas algumas
pessoas agasalhadas papeavam com as mãos nos bolso. Neste trajeto não vi
bandeiras nem buzinassos. Não vi nem ouvi marchas. Ninguém no ônibus comentava
sobre isso. Estávamos ali, todos brasileiros, trabalhadores e ocupados. Sem se
falar sobre um descarado golpe que ocorria naquele dia. Com a mesma apatia
cotidiana. Logo cedo já havia sido confirmado o impedimento da presidenta e
ainda assim nada. Nem risos ou lágrimas: só motores roncando e o barulho da
catraca.
Neste
dia iria para um município do interior realizar uma ação de educação permanente
com trabalhadores da saúde. Entrando na instituição fui saudado pelos guardas,
que davam risada e falavam coisas da vida. Um deles cerrou a cara quando me
viu, pois não me conhecia. Avisei que iria aguardar pela equipe e ele, ainda
desconfiado, disse para que eu esperasse sentado. Voltaram então para seu papo
particular. Logo que entrei na sala da equipe conheci o motorista da prefeitura
da cidade do interior. Era alto, magro e falava com sotaque "gringo",
comum da serra. Vestia um boné e roupas simples. Ficamos esperando o resto da
equipe na sala e trocamos algumas palavras, mas nada sobre a política. Na
verdade, conversamos como se fosse um dia trivial. Meus colegas de equipe logo
chegaram e demos início à viagem. Do começo ao fim falamos detalhadamente de
memórias infantis, animais de estimação, relação com irmãos, época escolar etc.
Menos ou muito pouco sobre o golpe. Pela janela do carro também via as pessoas
tocando suas vidas normalmente. Ninguém com camisa do Brasil ou bandeiras
vermelhas. Na verdade todos apressados e agasalhados, olhando para o chão
caminhando. A viagem foi tranquila e fiquei surpreso com a forte cerração na
estrada. No whatsapp vi, em um grupo de amigos, algumas piadas acontecendo com
a Dilma. No meio virtual as pessoas alardeavam em primeira mão tudo. Mas na
vida real não via ninguém surpreso ou se mobilizando.
Chegamos
na hora do almoço. No pequeno município vi as ruas vazias. Não vi pessoas
animadas ou indignadas. Mas vi bandeiras... da Itália! Em uns 5 ou 6
estabelecimentos. Nenhuma do Brasil. Nenhuma vermelha. No restaurante passava
na televisão a saída e o discurso de Dilma. Ninguém, nem nós, prestava atenção.
Almoçavam ali pessoas simples e alguns esfarrapados. Ninguém comentava sobre o
ocorrido. Vi aqui e ali uma menção ou outra, mais à TV do que ao fato em si,
mas não passou disso e em nada alterou o ânimo das pessoas presentes. Também
quando realizamos a atividade com os trabalhadores em momento algum surgiu o
tema. Pelo contrário: lemos literatura, fizemos poesias e houveram afetações
sobre a valorização do trabalhador. Nada sobre Dilma. E com esse nada sobre
Dilma prossegui o restante do dia e também na viagem de regresso. Também,
novamente, não vi nada demais nas ruas. Sei que houveram nas grandes metrópoles
algumas passeatas ou atos, mas nelas estavam setores governistas e/ou
movimentos já organizados ou uma massa reacionária composta por dondocas que
vivem da herança de seus pais, jovens adultos que nunca trabalharam e que
chamam trabalhadores de vagabundos e adultos pequeno empresários ou que ganham
seus 3000 reais e acham que são da elite.
E assim foi o dia que assume a
presidência Michel Temer, um ficha suja comprovado, amparado por parte da
população reacionária ou imbecilizada pela grande mídia, que tinha como sua
principal bandeira a corrupção. E que em menos de 24 horas conseguiu extinguir
ministérios como o da cultura e também a controladoria geral da união, elegendo
pessoas igualmente corruptas para a maioria de seus ministérios e gabinetes
contando com um silêncio sepulcral da grande mídia e dos que saíram nas ruas de
verde e amarelo.
O
café fica amargo.
