Abri hoje uma notícia com uma fala do Osmar Terra, psiquiatra e político conhecido por ter uma posição terminantemente contra a legalização das drogas e a redução de danos. Diz ele: “Agora vamos nos orientar pela ciência e defender a abstinência. Não vamos enxugar gelo com redução de danos”.
“Orientar-se pela ciência” e “defender abstinência” são coisas incompatíveis. Trata-se de mais uma discussão que é suprimida por pura ideologia. Ela surfa na onda ignorante em que vivemos atualmente, onde o debate se deslocou da discussão fundamentada para o nível da crença pessoal. Nesse caso, trata-se de uma crença arcaica no punitivismo, mas também um oportunismo por parte daqueles que lucram com internação, fórmula técnica que acompanha sempre a abstinência. O que se quer com isso? Da parte das comunidades terapêuticas evangélicas, dinheiro. Da parte dos políticos, um aval para limpeza urbana dos “drogaditos” - apenas os feios, pretos e pobres.
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Ainda ontem, uma grande amiga foi demitida por fazer seu trabalho bem feito. Aparentemente, suas posições pró-políticas públicas eram um empecilho para o próprio gestor da política pública. Fazer um bom trabalho, alinhado com a ética da coisa pública, se tornou um problema. Ao longo das semanas, não foram poucos os relatos de desemprego e insatisfação: toda uma geração formada para reforçar a democracia e a seguridade social se encontra em um limbo, quando não em um moedor de força de trabalho. O mantra liberal diria que elas não foram competentes o suficiente, quando, na verdade, não conseguem emprego por serem competentes demais, palavras ditas pelos próprios “recrutadores” nas seleções de emprego.
Enquanto isso, a meritocracia vai para o ralo, pois quem ocupa a chefia da coisa pública são pessoas que são indicadas por esquemas políticos ou familiares. Quem gere a coisa pública não são beneficiários dela e nem quem nela trabalha, mas todo tipo de playboy/patricinha embebidos de toda vadiagem burguesa, que lá foram colocados quase que contra sua própria vontade (pois trabalhar pra essa gente faz mal e é ruim). Mandam e desmandam, como se aquilo fosse uma extensão do próprio berço de ouro do qual, por acaso, saíram.
Nós da classe média contemporânea tiramos na loteria. Parte de nós ajudou a cavar nossa própria cova. O sonho acabou: fomos todos criados com amor e carinho, direcionados para conquistas pessoais no futuro na forma de previsões quase que esotéricas. Ouvimos toda a vida sobre nossa competência e genialidade, apenas para hoje voltarmos a morar com os pais e ganharmos um salário irrisório, sendo humilhados e assediados de todas as formas no meio de trabalho.
Quem sabe assim possamos olhar pro lado. Entender que uma parcela do povo já estava vivendo sob todas essas mazelas, quando não muitas outras. O que vivemos hoje não é novidade pra muita gente nesse país há séculos. Ainda há tempo pra fazer da empatia construção comum e não caridade.
O sonho que sonhamos não era nosso. Precisamos despertar para voltar a sonhar.
[Escrito em 2018]