A minha primeira postagem neste
blog data do dia 14 de fevereiro de 2010, momento em que decidi criar um espaço
para me manifestar através da escrita e que teve como disparador bons amigos,
Franco Bertoncini e Bruno Haeming, que gostavam dos meus textos e me
incentivaram a ter um blog (que em 2010 era uma plataforma ainda em alta). A
provocação deles aconteceu após assistirmos o filme “Precious” e termos feito
algumas reflexões sobre o mesmo.
Alimentei meu blog até o dia 27
de Abril de 2017, ano em que então resolvi parar de postar nele. Na ocasião eu
não sabia, mas o que estava ocorrendo comigo era a abertura de uma fissura
intelectual em meu corpo, que seria o início de uma árdua jornada onde uma das marcas
fundamentais seria a de eu questionar de forma abusiva a qualidade do que
escrevia. Lembro também que parte do meu receio era o de que o que eu publicava
aqui poderia interferir nas minhas possibilidades de conseguir emprego, visto
que o que se consolidava no país era o clima polarizado e hegemonizado por
certo ódio ao que hoje esses setores colocam em um balaio de gato chamado
“progressismo”, do qual eu tranquilamente faço parte e lhes digo: ainda bem!
Essa parada de publicações no
blog chega até agora em 2020. Não parei totalmente de escrever textos que
caberiam no site, mas foi um período de desencontro com a escrita que foi se
desenhando ao longo dos anos e que em 2018 e 2019 adquiriu uma fase aguda,
consolidando uma crise de vida, sobretudo a vida intelectual e relacionada ao
meu trabalho. Foram tempos em que eu neguei minha escrita, inclusive a que
estava relacionada ao mestrado, por motivos os quais só agora em 2020 tenho
conseguido elaborar e dar sentidos mais claros. A ideia de reativar o espaço veio
em poucos momentos durante esse hiato, mas sempre sumia e os textos foram sendo
cada vez menos feitos.
Foi no dia 13 de Maio desse ano
de 2020 que eu bati o martelo em reativar o blog em meio a uma repetição
inusitada, diria que da ordem de uma sincronicidade jungiana. Já estava em meio
às minhas elaborações querendo escrever algo um pouco maior do que o
convencional das redes sociais (que demandam textos curtos) e acabei anunciando
para amigos que estava afim dessa ideia de reabrir o blog. Assim como lá em
2010, foram novamente as amizades que interviram no jogo de forças posto através
da fala de dois amigos: Guilherme Correa e Maurício César. Quando disse que
queria voltar a reativar o blog eles me disseram: “vai, escreve!” e quando
comentei que ainda tinha medo de retaliações pelo conteúdo das coisas que
escrevia um deles me agracia com a seguinte fala: “faz isso, saúde mental pra
ti e pro leitor”. Assim, a partir dessas doses de coragem, iniciei esse escrito
de reabertura. Em dado momento durante o ato dessa escrita meus olhos involuntariamente
se moveram ao relógio do monitor e testemunharam que virava meia noite e o dia
13 se fazia dia 14, consolidando 10 anos e 3 meses de existência do blog. Tenho
vivido com frequência esse tipo de coincidência (ou talvez esteja mais atento a
elas) e tornou-se então fato cósmico essa empreitada de reencontro com meus
textos.
Meu primeiro passo foi resgatar
escritos e publicá-los aqui no blog de acordo com as datas em que os publiquei
em outras redes sociais. Foi um exercício genealógico revisitar esses textos e
constatar dolorosamente tanto o que explicitei acima (uma morte de si pelo boicote
gradual dos meus exercícios de escrita) como também as nuances por onde vou
construindo novos estilos de escrever, fazendo dos esparsos textos tateios
esporádicos que indicavam tentativas de reencontar o que havia se tornado
excessivamente fugidio. Fiz isso para que o blog também possa funcionar como um
arquivo, por onde seja possível revisitar (ou visitar) uma trajetória de vida e
de escritas. Aprendi com meu avô a importância de guardar e registrar certas
coisas, sobretudo meus materiais de escrita os quais ele sempre sinalizou que
deveria me ocupar de cuidar (algo que ele sempre fez). Ainda quanto aos
escritos antigos é certo que alguns deles nos dias de hoje já não representam
necessariamente o que penso atualmente, mas um dia já fizeram parte disso e
possuem sua importância histórica.
O segundo passo foi escrever esse
texto-editorial alusivo tanto à comemoração dos 10 anos de escritas em meio à
minha própria tessitura de vida quanto também ao fato de eu estar retomando
isso que sempre foi central na minha existência desde muito cedo. Interpreto a
possibilidade de estar escrevendo aqui novamente como a retomada da minha
própria saúde, entendida no sentido proposto pelo filósofo Canguilhem: não se
trata de existir ou não uma patologia e sim de que a vida siga sendo um “processo
normativo” – inclusive com a presença de algum problema patológico. Com isso
ele quer dizer que viver é a possibilidade de fazer da nossa história outra
mediante o seu uso, experimentando aquilo que nos compõe com isso que nos
ocorre, anunciando outras possibilidades de conduzir e fazer valer nossas vidas
em diálogo com os valores que temos como referência.
Dito isso, reativo o blog não
para retornar a um suposto estado mais “escritor”. A referência aqui não é a da
reversibilidade, como se eu fosse agora “voltar a ser quem eu era”. Trata-se é
da tentativa de continuar mantendo a escrita como uma espécie de óleo que
facilita essa transitividade da vida, por onde passamos de uns a outros
momentos e construímos uma trajetória singular. Trajetória essa que estará sempre
em diálogo com o que nos acontece e que estará inevitavelmente ligado a uma
dimensão coletiva da vida: incentivos de amigos, encontros inusitados na rua, a
situação do governo federal, uma olhadela no relógio, uma pandemia e tudo o
mais.
Fica o registro e um abraço.