Por que escrevo?



Tenho feito essa pergunta. Em dado momento apelei pra psicologia freudiana ortodoxa e tinha claro para mim que era para sublimar alguma coisa, mas depois critiquei essa visão e comecei a achar que era pra eu viver a atualização e não a superação de algo. Tem esses efeitos, mas não sei se é por aí.

Garcia Marquez disse que pra ele era uma maneira de fazer com que seus amigos o amem mais. Não é meu objetivo, mas acho que reforço amizades escrevendo, pois tem uma dimensão política e afetiva envolvida e um endereçamento que é muito maior do que pra mim mesmo. Aliás, sobre política, Orwell também respondeu dizendo que escrevia para denunciar, desfazer mentiras, viver o que é público – com o adendo de que não conseguia de forma alguma em seus textos perder a habilidade de escrever inutilidades. Agrada-me o que ele diz, faz sentido. Política, amigos e inutilidades. Faço firulas e repetições na escrita, apesar de gostar de ser objetivo no meu cotidiano.

Já Saramago disse certa vez que escrevia para não morrer. Tem algo vital mesmo, mas pra mim não sei se a escrita acontece pra que eu não morra. Nesse aspecto gosto da Clarice: ela sim quer morrer. Escreve pra se destruir, se despedaçar. Gosto dessa ideia, gosto de ver que eu realmente me detono escrevendo e nem sei as vezes o rumo que isso vai dar…

É bom ler eles, mas e a minha resposta? Tenho percebido que escrevo porque no fundo sou muito ligado ao presente, apesar de amar o passado. Quero ficar as vezes lá atrás, mas o presente fica me chamando todos os dias e é a escrita que faz eu me conectar com ele e vive-lo de forma menos dura. Não sinto ser algo hedonista, não se trata do mote “You only Live Once”. É uma espécie de respeito à importância de viver de forma mais demorada os impactos do dia a dia em minha subjetividade. Trata-se de respeitar mais certos encontros. 

É isso: escrevo pra que me mantenha ligado ao presente, mas respeitando meu passado para que exista um futuro diferente.

10 anos de um blog - Editorial de reabertura

A minha primeira postagem neste blog data do dia 14 de fevereiro de 2010, momento em que decidi criar um espaço para me manifestar através da escrita e que teve como disparador bons amigos, Franco Bertoncini e Bruno Haeming, que gostavam dos meus textos e me incentivaram a ter um blog (que em 2010 era uma plataforma ainda em alta). A provocação deles aconteceu após assistirmos o filme “Precious” e termos feito algumas reflexões sobre o mesmo.

Alimentei meu blog até o dia 27 de Abril de 2017, ano em que então resolvi parar de postar nele. Na ocasião eu não sabia, mas o que estava ocorrendo comigo era a abertura de uma fissura intelectual em meu corpo, que seria o início de uma árdua jornada onde uma das marcas fundamentais seria a de eu questionar de forma abusiva a qualidade do que escrevia. Lembro também que parte do meu receio era o de que o que eu publicava aqui poderia interferir nas minhas possibilidades de conseguir emprego, visto que o que se consolidava no país era o clima polarizado e hegemonizado por certo ódio ao que hoje esses setores colocam em um balaio de gato chamado “progressismo”, do qual eu tranquilamente faço parte e lhes digo: ainda bem!

Essa parada de publicações no blog chega até agora em 2020. Não parei totalmente de escrever textos que caberiam no site, mas foi um período de desencontro com a escrita que foi se desenhando ao longo dos anos e que em 2018 e 2019 adquiriu uma fase aguda, consolidando uma crise de vida, sobretudo a vida intelectual e relacionada ao meu trabalho. Foram tempos em que eu neguei minha escrita, inclusive a que estava relacionada ao mestrado, por motivos os quais só agora em 2020 tenho conseguido elaborar e dar sentidos mais claros. A ideia de reativar o espaço veio em poucos momentos durante esse hiato, mas sempre sumia e os textos foram sendo cada vez menos feitos.

Foi no dia 13 de Maio desse ano de 2020 que eu bati o martelo em reativar o blog em meio a uma repetição inusitada, diria que da ordem de uma sincronicidade jungiana. Já estava em meio às minhas elaborações querendo escrever algo um pouco maior do que o convencional das redes sociais (que demandam textos curtos) e acabei anunciando para amigos que estava afim dessa ideia de reabrir o blog. Assim como lá em 2010, foram novamente as amizades que interviram no jogo de forças posto através da fala de dois amigos: Guilherme Correa e Maurício César. Quando disse que queria voltar a reativar o blog eles me disseram: “vai, escreve!” e quando comentei que ainda tinha medo de retaliações pelo conteúdo das coisas que escrevia um deles me agracia com a seguinte fala: “faz isso, saúde mental pra ti e pro leitor”. Assim, a partir dessas doses de coragem, iniciei esse escrito de reabertura. Em dado momento durante o ato dessa escrita meus olhos involuntariamente se moveram ao relógio do monitor e testemunharam que virava meia noite e o dia 13 se fazia dia 14, consolidando 10 anos e 3 meses de existência do blog. Tenho vivido com frequência esse tipo de coincidência (ou talvez esteja mais atento a elas) e tornou-se então fato cósmico essa empreitada de reencontro com meus textos.

Meu primeiro passo foi resgatar escritos e publicá-los aqui no blog de acordo com as datas em que os publiquei em outras redes sociais. Foi um exercício genealógico revisitar esses textos e constatar dolorosamente tanto o que explicitei acima (uma morte de si pelo boicote gradual dos meus exercícios de escrita) como também as nuances por onde vou construindo novos estilos de escrever, fazendo dos esparsos textos tateios esporádicos que indicavam tentativas de reencontar o que havia se tornado excessivamente fugidio. Fiz isso para que o blog também possa funcionar como um arquivo, por onde seja possível revisitar (ou visitar) uma trajetória de vida e de escritas. Aprendi com meu avô a importância de guardar e registrar certas coisas, sobretudo meus materiais de escrita os quais ele sempre sinalizou que deveria me ocupar de cuidar (algo que ele sempre fez). Ainda quanto aos escritos antigos é certo que alguns deles nos dias de hoje já não representam necessariamente o que penso atualmente, mas um dia já fizeram parte disso e possuem sua importância histórica.

O segundo passo foi escrever esse texto-editorial alusivo tanto à comemoração dos 10 anos de escritas em meio à minha própria tessitura de vida quanto também ao fato de eu estar retomando isso que sempre foi central na minha existência desde muito cedo. Interpreto a possibilidade de estar escrevendo aqui novamente como a retomada da minha própria saúde, entendida no sentido proposto pelo filósofo Canguilhem: não se trata de existir ou não uma patologia e sim de que a vida siga sendo um “processo normativo” – inclusive com a presença de algum problema patológico. Com isso ele quer dizer que viver é a possibilidade de fazer da nossa história outra mediante o seu uso, experimentando aquilo que nos compõe com isso que nos ocorre, anunciando outras possibilidades de conduzir e fazer valer nossas vidas em diálogo com os valores que temos como referência.

Dito isso, reativo o blog não para retornar a um suposto estado mais “escritor”. A referência aqui não é a da reversibilidade, como se eu fosse agora “voltar a ser quem eu era”. Trata-se é da tentativa de continuar mantendo a escrita como uma espécie de óleo que facilita essa transitividade da vida, por onde passamos de uns a outros momentos e construímos uma trajetória singular. Trajetória essa que estará sempre em diálogo com o que nos acontece e que estará inevitavelmente ligado a uma dimensão coletiva da vida: incentivos de amigos, encontros inusitados na rua, a situação do governo federal, uma olhadela no relógio, uma pandemia e tudo o mais.

Fica o registro e um abraço.

CUIDADO COM O SILÊNCIO


Nesse dia das mães reflito sobre muitas coisas. Não faltam motivos para homenagear a Clarisse, mas minha mensagem é dirigida aos amigos homens: regulem a violência interna e destaco aqui hoje essa nossa habilidade de sermos silenciosos.
Seja com nossas mães, companheiras, amigas, crushes: maneirem no silêncio. Falemos mais e nos deixemos ser mais espontâneos com as pessoas ao redor. Precisamos expressar mais, tocar mais, se permitir também ser conduzidos por elas em algumas viagens. Nosso silêncio as vezes é violento, destrutivo, negativo. Conheço muitos de vocês e sei que cada um tem um mundo de coisas bacanas pra falar, corações enormes e expansivos, mas que não ganham espaço.

E eu não estou dizendo pra abandonar nosso silêncio. Ele não é todo do mau! Precisamos dele, precisamos nos retirar, pensar, viver as lutas internas que nos cabem. Também precisamos dele pra comunicar coisas que palavras não dão conta, apenas o silêncio. Mas prestem atenção: tomem cuidado pra não “se quedarem” vítimas de uma regulação afetiva que muitas vezes não cabe.
Aprendo isso com minha mãe, mas mesmo elas um dia podem esgotar a paciência e se verem tristes com nossos retiros prolongados. Digo tudo isso pois no dia das mães pode ser que você seja pai ou um dia viva esse lugar.