OS HOMENS TRISTES


Nos tempos atuais, tenho escutado homens tristes. Eles falam arrastado, ficam em silêncio e suspiram antes de contar sua história. Seus olhares estão fixos em horizontes e quando falam parecem buscar uma explicação filosófica ao invés de simplesmente dizerem: estou triste. Uns são mais quietos e outros mais extrovertidos; uns são verdadeiros palhaços enquanto outros são extremamente sérios. Uns sorriem e querem abraçar ou apertar a mão, já outros são mais reservados. Mas todos, sem exceção, estão tristes.

Geralmente é preciso um extremo para dizerem que se sentem tristes. Alguns só se dão conta da tristeza quando percebem que estão usando drogas demais, outros quando se separam de suas companheiras, outros quando se
veem incapazes de se sustentar através do trabalho (quando conseguem ter um), outros quando possuem trabalho e por ele se veem engolidos e assim vai... Independente da forma tomada, impotência é a palavra de ordem. Sim, ela: a grande algoz de homens e possivelmente uma das forças que mais nos coloca de joelhos. Incapazes diante de substâncias, de si, dos outros, do trabalho, do capital… da vida. Incapazes diante de sentir.

Silenciosos ou irônicos, esperam sempre ser compreendidos. Como compreender quem não comunica? Querem ser cuidados, mas como receber cuidado se não se mostra frágil? Reclamam de serem deixados, mas identifico neles a exigência de cuidado justamente das mulheres que os cercam. Esperam que elas usem uma espécie de poder telepático para adivinharem quando é pra ajudar e quando é só aquela escapada fundamental para a caverna. Elas ainda assim engajam em tentar compreender, usam o seu último recurso até o esgotamento e as vezes até chegam a se endividar energeticamente com altas prestações.

Solitários, choram os homens tristes. Deitam com insônia em suas camas, escoram a face nas mãos quando sentam, sentem raiva quando se olham nos seus espelhos e se angustiam com o vazio em seus peitos. Coragem, homens tristes! Coragem pra dizer: estou triste.

Imagem: "In Flames" - Sergey Fett

Bilhete Chuvoso




Já são alguns dias de chuva em Porto Alegre e perto de uns 7 meses de quarentena. Um desses dias acordei de madrugada e fiquei olhando da janela da minha sala carros e ônibus entrando e saindo da cidade. Vivo no sétimo andar de um prédio na Cristovão Colombo que me dá o privilégio de ter uma vista ao Guaíba e à AVENIDA DA LEGALIDADE e suas elevações. Daqui sempre vejo também os garis de laranja ao longe, um pouco antes da legalidade – na verdade, abaixo dela e sua elevação. Estão lá, todos os dias independente do clima.

Especificamente quando observo de noite vejo pequenas luzes indo e vindo repletas de histórias que gostaria de ouvir: como será que é estar dentro desses automóveis escutando a chuva e vendo a cidade te engolindo? Eu estive nesse lugar: chegava de Florianópolis em Porto Alegre sempre pela madrugada. Via o cimento grosso dos pilares que protegem os trilhos do “trensurb”, que na velocidade do ônibus faziam uma sequência quase hipnótica. Eu chegava sedento pela cidade e sua muvuca, sobretudo suas facilidades.

Só que o meu ponto aqui é a chuva. Estendi o braço pra fora pra sentir as gotas dela e me dei conta de que eu não sentia a chuva faz tempo. Já choveu na quarentena, relampejou, teve aguaceiro… Só que eu não senti a chuva. Hoje eu senti. Arrisquei colocar o braço pra fora de forma tímida e ainda de roupão pra sentir umas gotas, mas logo tirei. Apoiei-me na janela e fiz uma força proposital, compartilhando com o concreto um pouco de um peso que era mais da ordem existencial do que uma demanda física.

Cheirei o ar, ouvi o barulho das enormes árvores e suas folhas no ventaval e coloquei de novo o braço pra fora. Estiquei o roupão. Queria meu braço todo de fora sentindo as gotas! Quando vi, meus pensamentos começaram a ser conduzidos pelo barulho do vento nas folhas. Voei longe, tão longe que me perdi por um instante. Voltei, apertando o concreto e pensando pra mim mesmo que não há nada de “novo normal”.

Acredito muito nos instantes.