Mesa - Saúde e sociedade


  Esse texto na verdade foi a preparação de uma intervenção em uma mesa organizada pelos centros acadêmicos da saúde. Na tentativa de não ser repetitivo acabei falando muito menos do que consta aqui e algumas coisas que nem sequer imaginava que surgiriam. De qualquer forma, estou compartilhando aqui caso alguém tenha interesse.


Gostaria de compartilhar um pouco com o que temos discutido em relação ao nosso papel diante do que nos é colocado. Antes de mais nada é preciso fazer o resgate da criação da EBSERH não como um fato isolado, como uma questão “dos HU’s” e sim como uma questão da saúde pública brasileira, portanto política e portanto uma questão da universidade, que extrapola os limites do HU ou da saúde e que afeta os estudantes de todas as graduações, bem como a sociedade brasileira.
Enquanto elite intelectual do país a passividade não deve fazer parte do nosso vocabulário. O problema da saúde pública é um problema recorrente e temos de fazer nossa parte na formulação de respostas conjuntas com a população para a superação dos diversos problemas nacionais que enfrentamos.

É importante vermos, no âmbito da universidade pública, o entrelaçamento entre a gestão da EBSERH e a formação profissional, o ensino a pesquisa e a extensão na nossa universidade e a autonomia universitária.  Nosso saudoso tripé (as vezes capenga) não existe por existir, mas é pensado para suprir a todos nós uma educação com qualidade, que consiga nos preparar para lidar com as questões contemporâneas através de uma constante renovação do conhecimento, que se executa pela relação do tripé. O que acontecerá com a educação dos profissionais de saúde quando, através da ideia da EBSERH os hospitais possam capitanear recursos quaisquer, inclusive de empresas privadas? Digamos que a Bayer resolva custear as dívidas do nosso HU, com o porém de que em suas salas, com universitários e com seus profissionais da universidade possa desenvolver uma pesquisa sobre efeitos colaterais em um de seus mais novos medicamentos, um medicamento para a doença X - quando o quadro nacional apresenta problemas emergenciais com a doença Y. É perceptível as contradições deste tipo de situação com o ensino público? Teremos um estudante de graduação, que atua dentro de um projeto político-pedagógico, pensado (em tese) sobre as necessidades nacionais trabalhando justamente para o desenvolvimento de uma pesquisa desligada destas necessidades. Uma empresa que se apropria dos recursos educacionais públicos, investidos nos estudantes e professores, para desenvolver uma pesquisa privada, que dará certamente frutos deliciosos - mas não pras universidades e dificilmente pro país. Além disso, a dinâmica interna dos hospitais também se alterna. Não mais sustentados (mesmo que de forma mal, mas ainda assim sustentados) pela ideia da saúde enquanto direito e dever do estado mas sim no cumprimento de metas teremos um hospital que se cria e se constitui baseado em números e em uma produtividade que possa garantir e determinar o lucro – e consequentemente sua continuidade de existência. A saúde, então passa a ser tratada como um serviço ou mercadoria. Essa concepção, na prática cotidiana passa a ser reproduzida dentro da organização do HU e consequentemente passa a ensinar aqueles estudantes que dentro dela estão que assim deve ser a dinâmica da saúde. Levando em conta os preceitos do SUS, que prezam por uma visão de saúde que se dê com qualidade e direito temos aí uma enorme contradição. Posteriormente, esse estudante irá exercer sua função e assim irá reproduzir essa forma de se enxergar estes processos. Essa apropriação se dá de forma justa? Seria esse o perfil do profissional de saúde necessário em nosso país? O que falar então a respeito da comunidade catarinense que depende do HU e que vai passar a se deparar com um serviço que longe de lhe proporcionar a qualidade mas pretende apenas manter sua funcionalidade através do dinheiro final que arrecada? Se um procedimento é custoso demais, o que dá a garantia de que ele será feito ali? E os trabalhadores que serão submetidos a uma lógica trabalhista que não lhes dá mais seguridade e inclusive tende a proporcionar a alta rotatividade (comum em empresas privadas)? Imagine os efeitos disso em algo essencial como a saúde do cidadão brasileiro! Por fim, o HU é parte integrante da rede assitencial do SUS e peça chave no atendimento da população. Quando uma empresa privada (travestida de organização social) passa a gerí-lo que efeitos serão colocados na rede de assistência?
Vejamos portanto, como dessas e de outras formas a EBSERH tende a prejudicar a autonomia universitária, tirando de nosso controle uma série de questões decisivas dentro de um projeto de país, que seja vinculado com os problemas nacionais atuais e não com a dinâmica do mercado, algo que a EBSERH de forma sutil passa a submeter a universidade e vai na direção da consolidação do projeto neoliberal em voga.

Portanto é preciso estarmos atentos, especialmente em uma conjuntura onde nós fomos os maiores responsáveis pela eleição de uma reitora. Iremos nos calar ou cruzar os braços diante da submissão de nosso país a planos exógenos, sustentados com o dinheiro e diretrizes do FMI ou o Banco Mundial e assim corroborar com o que outrora darcy ribeiro denominou como uma universidade reflexa, meramente mimetista e dependente ou iremos passar a romper com este tipo de situação e pautar a mudança nacional que se faz necessária? Nós acreditamos na segunda via. E para tanto, convidamos desde já estudantes, trabalhadores e comunidade a não apenas dizer não a EBSERH pois isso não basta. Que iniciemos um processo de barrá-la e também de superá-la, com um novo projeto, vinculado aos setores que mais sofrerão com esse tipo de mudança. 

Por um SUS 100% público e de qualidade! 


Dialética do tempo



Dia destes estava andando pela UFSC com minha saudosa caloi, pensando nessa vida. No caminho, cruzei com um casal de idosos. Em outra parte, cruzei com um rapaz aparentemente chateado e depois com uma criança. Comecei a pensar na maravilha e ao mesmo tempo na desgraça que é o tempo. Mas o que é o “tempo”, que “aparece” pra nós tanto nos momentos saudosistas quanto nos momentos de reconhecimento próprio?

O tempo é a matéria. É o que era em confronto com o que é. Não há tempo em um campo abstrato, independente: o tempo só existe quando entramos em um momento de síntese diante de uma contradição de nossas vidas. Naquele momento em que nos imaginamos por um segundo crianças e, de repente, estamos nos vendo em um corpo adulto e lotado de problemas aí o tempo existe enquanto abstração, enquanto resposta a angústia da existência, a contradição do que por um momento penso ou questiono ser com o que de fato sou – é nesta interrupção do fluxo que surge o tempo. Quando a morte de uma pessoa querida se coloca para nós novamente é a matéria que se transforma: o que era já não o é (ou é, mas em outro estado ou condição material) e então logo encontramos a resposta: o tempo passou. Mas o que passou/mudou, mesmo, foi a matéria, a vida. Por isso se coloca a loucura como atemporal: ela é o próprio devir, ela é o movimento puro da vida: a transformação contínua e desordenada. O tempo só cessa de existir quanto nos afundamos no efêmero.
Evidentemente o tempo não é e nem deve ser um problema: a constante guerra travada com a transformação ao longo de nossas vidas nos serve para nossa formação enquanto sujeitos e sustentam a possibilidade de nos situarmos no tempo, no espaço e na história da raça humana. Há sim um problema quando não conseguimos lidar com o tempo e dele fugimos ou contra ele lutamos: seja fazendo plásticas na tentativa de manter um corpo ou quando o apreendemos enquanto tempo estático, imutável e eterno, compreendendo tudo como parte de uma só época ou momento, algo que não compreende a transformação como inevitável mas sim como a linearidade de um processo, na direção de um objetivo fixo máximo (a ilusão de que serei eternamente bom ou jamais superado).
É por isso que o tempo ao mesmo tempo que é a cessão é a transformação: ele é a dialética, a renovação. Consegue ser vida e morte ao mesmo tempo pois constantemente compreende estes dois eventos e constantemente os coloca um contra o outro sempre trazendo um pouco dos dois.

Quando vi a sucessão de pessoas colocada no primeiro parágrafo eu pensei no tempo, e senti um prazer ao mesmo tempo vinculado com angústia, pois sabia que embora não estivesse idoso ao mesmo tempo não sou mais criança – mas que ao mesmo tempo fazer parte desse movimento é belo e me traz a sensação do devir e da busca pela mudança enquanto sujeito do meu tempo e da minha história, faz com que eu saiba quem eu sou.

Devaneio Utópico


“Isso é utópico”. Comum ouvir isso dos descrentes e não tenho porquê negá-los: a realidade trabalha tal como é para a descrença. Mas eu continuo e continuarei com minha utopia. Mas por que?

Esta semana me ocorreu algo bem material e plausível. Não pela primeira vez a minha turma viu que a aula estava com problemas, sentiu-se incomodada com a maneira que as coisas estavam sendo conduzidas. Abriu-se um espaço e em breve estávamos todos sentados em círculo rediscutindo o problema das aulas com a professora. Para isso não foi preciso que “elementos conscientes e militantes exemplares” adotassem a postura da vanguarda salvadora, não foi preciso uma obrigação institucional: a necessidade de avaliar surge da consciência do poder de decisão da turma, do saber que avaliar implica em mudar, que se pode juntar os estudantes para pensar o que acontece em seu ensino. A nossa realidade educacional, sabemos, não é a promotora deste tipo de coisa e quando a promove promove no espontâneo, no acaso de alguém que indignado com as estruturas resolve estudar e agir contra a norma. No caso da avaliação de curso, as coisas não aconteceram dessa maneira. No curso de Psicologia existe um histórico estudantil que sustenta a clareza a respeito da necessidade de avaliar uma disciplina e se empoderar os estudantes para que façam propostas ao currículo. Isso começou de um horizonte, um pensamento que aos poucos foi compartilhado, partiu do utópico de que um dia estudantes da graduação iriam, quando bem quisessem, avaliar a disciplina e modificá-la de acordo com as necessidades da turma. No início obviamente não foi tão simples assim: movimentos contrários, o discurso deslegitimador de professores que julgam os estudantes como incapazes, a ausência de uma mobilização massiva. Da confusão e do conflito direto passou-se a elaboração cada vez mais séria de um projeto de avaliação estudantil, feito de sala em sala, aprovado em assembléia e que conseguisse sintetizar o que os estudantes de psicologia entendiam como necessário para seus instrumentos e métodos de avaliação. Para depois de assembléias cheias aprovar mudanças significativas no currículo e propostas inovadoras para o ciclo profissionalizante do Projeto Político pedagógico. E isso não foi obra do acaso, do além, do espontâneo. Foi fruto de intenso trabalho estudantil, desgaste, tempo, elaboração...

É um exemplo simples e restrito, eu sei. Mas são coisas assim que me mostram que o utópico não um inalcançável mas um horizonte, onde cada pequeno passo me enche o peito de satisfação e da certeza de que a mudança não só é possível: é uma alternativa real. Da mesma forma que a espontaneidade de uma criança me faz acreditar que é possível vivermos de outra forma, da mesma maneira que os movimentos sociais tomam ruas e lugares, da mesma forma que a ocupação de Dandara e muitas outras resistem e reivindicam enquanto cidadãos seus direitos; da mesma forma a avaliação de curso da Psicologia da UFSC mostra, pra mim, a cada pequeno passo, que essa direção a utopia não é uma jornada sem sentido ou esgotante, mas revigorante e feliz. Me crio nos momentos de loucura.

Jamais abrirei mão do maior e mais gostoso de todos os delírios: o da utopia, o do sonho e o da mudança.

Nada melhor que el viejo galeano, citando Fernando Birri para encerrar o devaneio:

Utopia [...] ella está en el horizonte. Me acerco dos pasos, ella se aleja dos pasos. Camino diez pasos y el horizonte se corre diez pasos más allá. Por mucho que yo camine, nunca la alcanzaré. Para que sirve la utopia? Para eso sirve: para caminar

O problema da saúde pública - Um problema da universidade


Não é de hoje que nosso país vive um drama em relação ao seus serviços de saúde. Não há um brasileiro, até mesmo o governista mais otimista que esteja satisfeito (ou nesse caso tenha a cara de pau de negar) com a situação precária dos serviços de saúde em um geral. Esse drama já se estende por muitos anos, e tem chegado cada vez mais em seu ápice neoliberal. E qual a saída que temos pensado enquanto brasileiros para isso? Ou melhor: enquanto universitários brasileiros, como têm sido nossa reflexão dentro da academia a respeito da saúde pública?

O que sentimos quando nos entregamos as graças de nosso governo no SUS são diversas coisas, dentre elas as mais recorrentes são: filas, demora no atendimento, ausência de profissionais, falta de espaço... mas afinal, por que isso acontece? Por que a saúde pública no nosso país tem de ser assim? Felizmente as causas são menos aleatórias do que parecem e estão sujeitas muito mais aos planos dos nossos governos do que a nossa incapacidade de ser um povo autônomo. Desde as décadas de 80 e 90 o mundo tem sido influenciado - pelo processo de globalização- a submeter-se cada vez mais a um projeto neoliberal em contraponto com o “famigerado” welfare state. Enquanto este último preconizava uma série de direitos e serviços promovidos pelo estado ao cidadão o primeiro tem em suas diretrizes a desresponsabilização do estado da maioria destas atividades e a concessão destas as organizações privadas, configurando-se assim o tal do “estado mínimo” que interfira o menos possível na vida e no mercado, deixando que este vá se regulando pela competitividade. A hegemonia do projeto neoliberal não acontece à toa: ganha forças durante as crises dos anos 70-80, que encontraram nesse tipo de política a saída da recessão e a tentativa de revitalizar o capitalismo. Na américa latina é no período dos anos 80 que temos a vinda dessa onda, sendo mais tardiamente implementada no Brasil na época do governo Collor. Uma das formas dos governos implementarem isto é através de programas neoliberais colocados por instituições exógenas como o Banco Mundial e o FMI, que no seu “auxílio” (empréstimos em dinheiro) às nações em desenvolvimento oferecem uma série de cartilhas, que contém “dicas” de superação dos problemas econômicos da nação. Especificamente a respeito da saúde, em uma de suas cartilhas o BM deixa claro que se nosso país quer resolver seus problemas econômicos e sociais deve ao máximo reduzir seus gastos com saúde pública, deixando isto apenas aos que realmente precisarem dela e ceder a gestão e o oferecimento deste tipo de serviço a organizações privadas sem fins lucrativos. Ao que parece nosso governo tem feito bem o dever de casa solicitado pelos nossos professores estrangeiros e bem sucedidos: temos esse ano um corte de 55 bilhões nos orçamentos de saúde e a vinda pesada das Organizações Sociais, como a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares que surge como resolução do problema relacionado aos Hospitais. Embora não fique tão explícito ambas as decisões são na verdade sinérgicas e correspondem a uma estratégia simples: sucateie e privatize. Diferentemente de outros setores a saúde tem no histórico de sua elaboração uma grande luta por parte do povo, que nos deu frutos como a consciência da saúde enquanto um direito e os conceitos de universalidade, integralidade e equidade. Desnecessário dizer que estas elaborações representam hoje um grande entrave para a implementação das estratégias exógenas, o que exige a utilização de técnicas refinadas de privatização, como a estratégia do sucateamento e a criação de diretrizes aparentemente inofensivas como as Organizações sociais (caráter privado mas sem fins lucrativos), que sustentam-se sob o problema da gestão para se legitimar enquanto saída aos problemas caóticos do incapaz do estado. Não vou ater-me aqui as consequências deste tipo de ação em um direito como a saúde, que acaba sendo transformada em um serviço, submetido a ótica de uma gestão pragmática, numérica e que acima de tudo consiga lucros. Minha reflexão é a respeito da refletividade da universidade pois é o espaço onde hoje atuo.

Em relação a universidade o que vemos é uma completa apatia em relação a situação socioeconômica e política do país, quando não uma postura legitimadora e reprodutora de diretrizes como as do Banco Mundial. Quando me refiro a universidade não é no abstrato: neste conceito consta a instituição que é formada não apenas pelas suas estruturas físicas mas também pelos professores, técnicos administrativos, reitores e pró-reitores, currículos e projetos político pedagógicos. Tomemos o exemplo da saúde pública no país e o analisemos em suas diversas instâncias, deixando ao leitor os seguintes questionamentos: Nas suas disciplinas sobre saúde pública, o fenômeno do sucateamento e dos problemas é abordado? Nossos professores (independente de seu posicionamento sobre) trazem e/ou estimulam um debate sério sobre esses temas? A reitoria promove debates amplos e abertos relacionados as decisões centrais da universidade (como o caso do HU e a EBSERH)? Os currículos promovem em seus espaços lugares de prática e de aprendizagem que dêem conta de uma formação crítica e responsável como deveria ser para um profissional de ensino superior brasileiro? Apostaria minha singela quantidade de trabalho alienada neste gostoso pão integral que estou comendo que a resposta para a maioria destas perguntas tenha sido “não” ou tenha sido incerta porque existem alguns elementos que fazem esse tipo de esforço mas são uma minoria grotesca. A universidade, enquanto saudosa casa do saber deveria promover muitas das repostas e possíveis caminhos para as mudanças necessárias em nosso país. Mas na prática o que temos é uma universidade que se propõe a ser neutra às questões políticas nacionais, uma universidade técnica, pragmática, com um objetivo simples: formar para o mercado de trabalho. Formar para que se entre onde querem que entremos: na circulação livre de mercadorias (no caso nós próprios) e tenhamos a gentileza de não interferir nesse fluxo de forma alguma. Consolida-se assim então a nossa casa do saber com uma função que é a negação da que apontei acima: a função da reprodução da ordem hegemônica – no caso a implementação da doutrina neoliberal e a manutenção do status quo e da apatia política; um reflexo, uma atitude passiva e submissa a programas externos. Quando a instituição não nos ensina a intervir e refletir sobre a vida em nosso país, quando nossos professores nos ensinam o valor do controle social mas não nos levam em um conselho ou não nos estimulam a fazer um debate político estão nos oferecendo uma educação bancária, baseada na informação, no simples repasse e somente um domínio teórico e técnico abstrato, que confrontado com a realidade exige um extenso esforço de síntese ao qual não somos preparados na graduação a fazermos sozinhos.
Se a situação do país ainda é caótica e exige cada vez mais sujeitos que consigam formular e intervir em problemas que tem em sua gênese não apenas o imediato mas aspectos anteriores e maiores, faz-se necessário que se façam mudanças sérias na nossa instituição. No caso da saúde cada vez mais os profissionais devem sair preparados com a técnica e a competência, mas também com a clareza dos valores do Sistema Único de Saúde, não enquanto abstrações mas enquanto direitos aprendidos e esclarecidos em uma prática educativa-política (a separação é didática pois pra mim educar implica necessariamente também na formação política), de forma que não apenas detenham aí uma enorme clareza de seu papel profissional mas também repassem isso através do ensino àqueles que ficam de fora da reflexão intelectual promovida pela universidade e sujeitos a opinião de uma mídia enganosa, podendo assim questioná-la e elaborar por sí suas soluções e opiniões.

Mas como essa mudança é possível? Como fazer isso? Compactuo com Darcy Ribeiro e Álvaro Vieira Pinto. A mudança de fato só virá externamente, apenas com uma revolução social significativa em nosso país. O que não quer dizer que nada devamos fazer dentro da universidade, mas pelo contrário, desde já, atuar nela mesma e inserir dentro dela própria uma parte dos germens da mudança. A primeira coisa que deve ser feita é fortalecer a atuação estudantil. Não existem elementos mais preparados e progressistas dentro da universidade do que os estudantes de graduação. Estes ainda detém seus sonhos, não estão amarrados na instituição nem com suas regras internalizadas e também sabem mais que ninguém as contradições da universidade pois são os que mais sofrem com suas insuficiências. Não devem nada a ninguém dentro da universidade e portanto nada ou pouco tem a perder em sua luta. Cabe aos estudantes fomentar debates, levantar críticas, elaborar propostas e reivindicar de forma massiva seus sonhos e projetos pra universidade. Apenas com isso, e com a luta por seu espaço representativo adequado na tomada de decisões da universidade seriam possíveis mudanças internas. O segundo ponto é a derrubada dos muros simbólicos da universidade. A universidade deve desde já deixar de ser o espaço exclusivo dos erúditos, dos sábios e dos iluminados. Deve ser mais um dos espaços do povo e para o povo brasileiro. Deve estimular sua entrada nos campus, aproximá-lo dos debates e das reflexões, trazer sua cultura e ficar impregnada pelas suas cores, cheiros e angústias. Dessa forma a universidade sai do alto de seu pequeno Olimpo e pode novamente, ao respirar a realidade nacional, ter as condições necessárias para pensá-la e modificá-la. De nada adiantam os finais de semana fechados, os espaços ociosos, as salas alocadas para concursos e os espaços públicos abandonados. A universidade deve pintar-se com as cores daqueles que a sustentam com seu trabalho e existência. Não é um movimento exclusivo da instituição, mas em sua dialética exige também da população a mobilização e a reivindicação da universidade enquanto sua. Assim se promoverá o avanço necessário dentro de nossa instituição e ela poderá finalmente pensar de forma autônoma e vinculada não mais aos programas externos nela implementados mas sim às contradições da nação, únicas detentoras das soluções e das verdades que precisamos.

Vamos juntos nisso!