Devaneio Utópico


“Isso é utópico”. Comum ouvir isso dos descrentes e não tenho porquê negá-los: a realidade trabalha tal como é para a descrença. Mas eu continuo e continuarei com minha utopia. Mas por que?

Esta semana me ocorreu algo bem material e plausível. Não pela primeira vez a minha turma viu que a aula estava com problemas, sentiu-se incomodada com a maneira que as coisas estavam sendo conduzidas. Abriu-se um espaço e em breve estávamos todos sentados em círculo rediscutindo o problema das aulas com a professora. Para isso não foi preciso que “elementos conscientes e militantes exemplares” adotassem a postura da vanguarda salvadora, não foi preciso uma obrigação institucional: a necessidade de avaliar surge da consciência do poder de decisão da turma, do saber que avaliar implica em mudar, que se pode juntar os estudantes para pensar o que acontece em seu ensino. A nossa realidade educacional, sabemos, não é a promotora deste tipo de coisa e quando a promove promove no espontâneo, no acaso de alguém que indignado com as estruturas resolve estudar e agir contra a norma. No caso da avaliação de curso, as coisas não aconteceram dessa maneira. No curso de Psicologia existe um histórico estudantil que sustenta a clareza a respeito da necessidade de avaliar uma disciplina e se empoderar os estudantes para que façam propostas ao currículo. Isso começou de um horizonte, um pensamento que aos poucos foi compartilhado, partiu do utópico de que um dia estudantes da graduação iriam, quando bem quisessem, avaliar a disciplina e modificá-la de acordo com as necessidades da turma. No início obviamente não foi tão simples assim: movimentos contrários, o discurso deslegitimador de professores que julgam os estudantes como incapazes, a ausência de uma mobilização massiva. Da confusão e do conflito direto passou-se a elaboração cada vez mais séria de um projeto de avaliação estudantil, feito de sala em sala, aprovado em assembléia e que conseguisse sintetizar o que os estudantes de psicologia entendiam como necessário para seus instrumentos e métodos de avaliação. Para depois de assembléias cheias aprovar mudanças significativas no currículo e propostas inovadoras para o ciclo profissionalizante do Projeto Político pedagógico. E isso não foi obra do acaso, do além, do espontâneo. Foi fruto de intenso trabalho estudantil, desgaste, tempo, elaboração...

É um exemplo simples e restrito, eu sei. Mas são coisas assim que me mostram que o utópico não um inalcançável mas um horizonte, onde cada pequeno passo me enche o peito de satisfação e da certeza de que a mudança não só é possível: é uma alternativa real. Da mesma forma que a espontaneidade de uma criança me faz acreditar que é possível vivermos de outra forma, da mesma maneira que os movimentos sociais tomam ruas e lugares, da mesma forma que a ocupação de Dandara e muitas outras resistem e reivindicam enquanto cidadãos seus direitos; da mesma forma a avaliação de curso da Psicologia da UFSC mostra, pra mim, a cada pequeno passo, que essa direção a utopia não é uma jornada sem sentido ou esgotante, mas revigorante e feliz. Me crio nos momentos de loucura.

Jamais abrirei mão do maior e mais gostoso de todos os delírios: o da utopia, o do sonho e o da mudança.

Nada melhor que el viejo galeano, citando Fernando Birri para encerrar o devaneio:

Utopia [...] ella está en el horizonte. Me acerco dos pasos, ella se aleja dos pasos. Camino diez pasos y el horizonte se corre diez pasos más allá. Por mucho que yo camine, nunca la alcanzaré. Para que sirve la utopia? Para eso sirve: para caminar

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