Algo em
minha mente me fez pensar a questão do sexo feminino. Além de uma
série de argumentos e notícias por parte de minhas companheiras
suspeito que também há um aspecto emocional e especialmente de
vivência histórica que me faz enxergar o que vejo hoje. Certo
estou, porém, que nada falarei de novo além da repetição do
evidente. Ainda assim, assumo o risco de ser talvez um machista
hipócrita sob os olhos daquelas do sexo feminino que tem muito mais
capacidade de perceber as contradições de gênero de nossa
sociedade: destas, peço especialmente a contribuição para que
possa avançar em meus erros (e de forma propositalmente cretina peço
ao seu carinho na hora de exporem esses erros de forma pedagógica).
O tema
da sexualidade feminina sempre vem e tem estado à tona
e, evidentemente, não é ao acaso. Não só nos meios acadêmicos
formais e “informais” (entre aspas pois a informalidade destes
especialmente em espaços de militância está diretamente permeada
por uma série de regras e micro-tratados que não me interessa
dissecar agora), especialmente nos momentos de descontração.
Refiro-me com a palavra “descontração” às famosas “rodinhas
masculinas”, onde nós homens nos encontramos e temos muito mais
liberdade e chance (ó, a ironia!) de discutir o sexo feminino do que
com as próprias mulheres. A bizarrice e a contradição disto, bem
como a forma chistosa que nós homens arranjamos de lidar com isso
deixo aos textos de Freud, pois não é minha intenção aprofundar e
o que me interessa agora é meramente um post pseudo-filosófico e
“simples”.
Estamos
nós homens todo tempo a reivindicar nossa liberdade sexual.
Argumentamos, com frequência, que sexo se trata de sexo. Quer dizer,
não há necessariamente um envolvimento: é o prazer pelo prazer e
de tal forma jamais traímos o sentimento de nossas companheiras,
afinal, como nos ensinam, os sentimentos femininos estão muito além
de nossa compreensão e portanto devemos prezar pela intensidade e
verdade que eles carregam. Por prezarmos e “compreendermos” a
“profundidade” da sexualidade feminina nos ofendemos quando vemos
elas reivindicando seus corpos e seus desejos, uma vez que a mulher
ama de forma “intensa” e incontrolável à razão (e se isso for
verdade seria isso um problema?) e portanto, ao transar ou ter
qualquer tipo de relação sexual , por mais “tênue” que seja
(se é que isso é possível) está a trair quem ela “ama” e
geralmente o faz de forma “burra”. Outra lógica recorrente é a
de um excelente artifício masculino e social contemporâneo: o de
colocar a mulher como o pilar central e responsável pela manutenção
de um relacionamento, sendo a depositária de maior parte da culpa de
qualquer deslize ou insucesso de uma relação (“é óbvio que a
culpa da traição é exclusivamente daquela safada, mesmo eu sendo
um infeliz com ela na cama ou um pé no saco controlador!”, e me
questiono até que ponto é culpa de um ou de outro, dos dois ou da
forma doentia que somos ensinados a lidar com isso). Não só isso
como além do depositório da culpa deve ser também quem proporciona
a DESculpa ao homem, por sua compreensão pelo “incontrolável”
desejo masculino. Por fim não podemos esquecer de mencionar a boa e
velha posse, sempre presente e sempre repassada a nós homens: as
vezes travestida de orgulho e outras vezes travestida da culpa
mencionada anteriormente. Fato é que o objeto mulher sempre
vem à tona de forma obscura à consciência, enquanto mais uma
posse/direito que os homens tem de controlar e/ou dar fins e o
direcionamento que bem entenderem. Nós em imensa maioria assim
agimos, como se estivéssemos dotados não só da razão como também
de um acordo tratado não sei quando e não sei onde, que justifica
que possamos agir assim e possamos reprimir abertamente quem se
rebela ou quem questiona esta forma quase que divina de tratar com o
outro.
Mas não
deixa de ser uma grande contradição? Justamente pelo apego a esse
amor ou ao seu respeito que se faça questão de mantê-lo e
protegê-lo independente dos meios para isso. “De boas intenções
o inferno está cheio”. Mas será que precisamos mesmo protegê-lo?
Será que precisamos contê-lo e guardá-lo de tal forma e nos
apoderarmos dos mais diversos métodos de convencimento e coerção
para sustentar o absurdo da possessão do amor de outro ser? Me
surpreende que preferimos optar pelo absurdo da coerção e/ou
enganação da mulher que amamos do que pela colocação direta (que
nós homens tanto reivindicamos) de nossos desejos e pretensões para
com elas, que não se dá mais pelo oferecimento de algo mas sim pela
provável cessão disso e as vezes por um acordo mascarado a respeito
dos desejos de um e de outro.
Ainda
assim, estamos na vantagem. Podemos abertamente burlar esse
protocolo. O fazemos de formas diretas ou de formas mais sutis e a
cultura machista auxilia na retirada da culpa do homem mais pio e
zeloso que rompe esse acordo fiel entre ele e sua mulher. As
prostitutas que nos digam e tenho certeza que não nos faltam relatos
de homens que para elas desabafam. Mas ainda assim direta ou
indiretamente lidar com o “incontrolável desejo masculino” não
tem sido um problema para nós. De fato, é até gostoso, pois somos
concebidos dos mais excelentes argumentos para contornarmos os tratos
matrimoniais monogâmicos acordados entre duas pessoas e quando o
fazemos corremos ainda o risco de sermos ovacionados pela malandragem
e/ou pelo alto nível de masculinidade ao adotar a figura do “machão”
que ao mesmo tempo que desfruta várias fêmeas e mantém em suas
rédeas uma mulher que lhe deve um amor verdadeiro. Isso tudo é
digno, “faz parte” da vida de um homem.
Eis
então que esse homem, devidamente capitalista e portanto defensor da
liberdade e da democracia depara-se por alguns instantes em sua
relação ou em sua vida com expressões sexuais de sua companheira
ou com a revolta do sexo feminino diante deste tipo de repressão.
Depara-se com as mais diversas expressões dessa “rebelião”
sejam elas físicas, artísticas ou ideológicas. Depara-se com a
realidade: que todo ser humano deseja intensamente desfrutar o prazer
e evitar o desprazer. Mas ao enxergar essa realidade na mulher, trata
logo de desferir os mais variados golpes ,muitas vezes físicos mas
especialmente aqueles que são os mais sutis mas que nos marcam
profundamente: os culturais. Nesse campo sexual onde o homem floresce
e se depara de forma quase honesta com o que quer, depara-se
da mesma forma a mulher. Mas diferente do homem, que vê nesse campo
alguma oportunidade de liberdade, vê a mulher a oportunidade de
sentir-se ainda mais culpada pelos seus desejos através dos diversos
mecanismos utilizados não apenas por seu companheiro mas também
pelo meio social em que está inserida para segurá-la bem onde está.
Aliena-se nesse processo de si mesma, seus desejos e seu corpo. Suas
vontades não deixam de ser nada além de bobas fantasias e as vezes
seus corpos nada mais que instrumentos para o cotidiano. Felizmente
rebela-se a mulher. Tal como é o inconsciente, onde há a brecha há
o escape daquilo que pulsa. Fazem (e historicamente têm feito) de
formas sutis e ficam os homens sem saber e, ao saber, indi guinam-se
diante da astúcia social da mulher e sua “mesquinhez mentirosa”.
O fazem também, felizmente, de forma direta: queimam sutiãs,
marcham pelas ruas, mostram seus corpos, assumem suas fantasias e
romances. E prontamente, independente de estarem sendo livres e
expressando sua opinião, o homem abre sua boca e solta logo “Vadia”,
na esperança normalmente egoísta devidamente sustentada em cima do
amor garantido de seu objeto, promessa cultural pactuada em algum
momento.
Eu vivo
nesse campo livre. Vejo como é confortável para o sexo masculino
ter qualquer espécie de comportamento infiel ou sexual: certamente
não será a maioria da sociedade que vai me punir por agir de tal
forma. Não é ainda o ideal, mas já facilita muito o desfrute do
prazer. Por que não desejar este benefício para quem se mais gosta
ou para todo o próximo? Ainda estou para escutar qualquer argumento
dotado de lógica ou racionalidade que justifique a liberdade sexual
masculina em detrimento da feminina. Se reivindicar seu corpo, seus
desejos e suas vontades de forma aberta e ampla caracteriza uma
mulher vadia ouso dizer: Que sejam todas vadias! Inclusive para nosso
bem!
Gostei. Sou mulher e ontem mesmo estava conversando com um cara que queria provar para mim que ele tem o direito de ficar com quantas mulheres quiser, mas sua namorada não.
ResponderExcluirVou comentar algumas coisas que parecem estar relacionadas. Algumas delas você mesmo citou, mas eu gostaria de comentar.
A mulher associa sexo ao amor: Sim, para muitas mulheres sexo e amor estão profundamente relacionados (e para alguns homens também), porém isso não quer dizer que essa seja a única forma de se relacionar sexualmente.
Mas, ainda assim, há aquele argumento de que faz parte do homem, da espécie, aquela coisa animal de espalhar as suas sementes pelo mundo. Quando eu vejo alguém usando esse argumento, fico imaginando uma sociedade onde todos se comportassem apenas de acordo com o seu "lado animal", ignorando todos os outros fatores que influenciam no comportamento.
Porque esse argumento é usado principalmente em relação ao sexo? Porque mantém o homem em uma posição confortável, como você falou, e assim ele tem uma justificativa para fazer isso, mas as mulheres não.
Quando a mulher faz o mesmo, ela está contrariando todas as leis que regem o universo. Exagerei, mas foi para mostrar o quanto isso parece absurdo aos olhos de muitos homens e de muitas mulheres que defendem esse modo de pensar.
Mais especificamente sobre traição e infidelidade, tem algumas coisas interessantes para se pensar.
O sentimento de posse do homem sobre a mulher: É uma relação entre uma pessoa e um objeto. A "pessoa" pode fazer o que quiser com o "objeto", mas o "objeto" não pode fazer o mesmo com a "pessoa".
Aí entra algo que os homens muitas vezes não conhecem por estarem acostumados a ser sempre quem traiu: Ser traído dói. Pelos mais diversos motivos. Trair também dói, mas os homens tem uma justificativa pra essa dor não se transformar em culpa.
Quando são traídos eles se sentem "objetos", usados, da mesma forma que fizeram muitas mulheres se sentirem, muitas vezes.
Outra questão é que trair é muito mais fácil do que resolver os problemas que você percebe no seu relacionamento.
Se sua mulher parece não gostar muito de sexo, é mais fácil procurar isso em outra do que resolver juntos esse problema.
Mas imagine que a mulher faça o mesmo com o homem: Que absurdo! Como ela pode sentir prazer sexual com outro homem e não sentir com o seu dono?
Dói né? Destrói o "machão".
As mulheres traem tanto quanto os homens, porém elas somente são autorizadas a sentir vergonha e culpa com relação a isso.
Provavelmente pelo que isso causa aos homens. Por tirá-los desse lugar confortável ao qual se agarram com argumentos como o de que é "da natureza do homem" fazer isso.
Longe de ser uma discussão sobre o direito de trair (aliás, a "estrutura" dos relacionamentos dá outra discussão boa), essa é uma discussão sobre o direito de fazer sexo pelo prazer, independende do amor.
Sobre o direito de sentir prazer, de buscá-lo e de admitir que sentimos.