Aldir e Joice são um casal de um
bom bairro central de uma capital. Vivem uma não tão feliz vida conjugal, que
para ambos já se tornou mais uma espécie de empresa do que propriamente amor.
No fundo eles sabem que são mais sócios do que amantes - aprenderam isto em uma
sessão de coaching.
A rotina e a vida deste casal é
interessante: acordam pela manhã e quando começam a tomar seu café sempre
escutam uma vizinha da frente brigando com sua filha. Suzana (a vizinha da
frente) berra muito alto com a filha e a desmoraliza das mais variadas formas.
Ela também bate tão forte na criança que dá pra escutar os tapas, os berros e os
choros da filha, que ecoam pelo prédio e por parte da vizinhança. Já virou
rotina para eles assim como o convite para matear com Suzana nos dias de
descanso e de sol.
Já no almoço eles escutam as
brigas de Érico e Ana. Parecia brincadeira, mas era só colocar o feijão na boca
que se escutavam as agressões e começava a pancadaria: ambos se agrediam muito,
mas quem aparecia roxa era sempre Ana. Escutavam seus choros e lamentos e uma
vez até ouviram Érico ameaçar ela com um revolver. Aldir e Joice se incomodam
um pouco com essa situação e quando saem para almoçar com eles no domingo
tentam não falar sobre isso e focar em coisas positivas (outra dica que eles
leram em um livro sobre auto ajuda e empreendedorismo), pois acreditam que
dessa forma podem tornar Ana mais feliz.
Quando chega a janta, Joice se
retira um pouco para terminar coisas do trabalho e Aldir assume a cozinha, pois
tem tentado desconstruir um pouco seu machismo. Enquanto ele prepara a janta é
comum escutar Filomena com sua fala enrolada berrando com sua doméstica, a dona
Rutinei. Ela chama Rutinei de preta incompetente que só quebra as coisas dela.
Ela bate a porta e segue resmungando sozinha. Aldir fica meio chateado, mas
entende a situação: Filomena tem um probleminha de ficar agressiva quando bebe
e a pobre Rutinei, que já é idosa, de fato deixa escapar uma coisa ou outra da
mão. "Tudo certo"- pensa ele.
No fim do dia eles gostam de ir
para a sacada fumar e olhar o movimento. Eis que então observam um sujeito
encapuzado pichando as paredes da rua em pleno início de madrugada. Joice
arregala os olhos e berra da sacada: -"OLHA ESTE VAGABUNDO! VAGABUNDO!
VAGABUNDOO!". Aldir também complementa: "SEU FILHO DA PUTA! VAI
TRABALHAR VERME!". Assim que termina o berro ele começa a descer pela
escadaria enquanto o pichador já era apanhado na rua por Érico. Somam-se na volta
do jovem pichador todos os moradores, com exceção de Joice e Suzana que berram
todo o tipo de impropério para o rapaz e sugerem que ele seja amarrado. Assim
que chega em meio à muvuca, Aldir prontamente assume o papel de uma espécie de
mestre de cerimônias e começa a interrogar o rapaz, lançando perguntas e
olhando para a pequena massa ao seu redor, que aprova cada uma das perversas
perguntas que deixam o jovem de olhos arregalados. Algumas pessoas sugerem
espancar, outras sugerem amarrar e outras já estão cuspindo nele. Depois de
pensarem, decidem pelo suplício: Aldir viu na TV que a polícia faz os jovens
engolirem o bico de seus sprays. Ele dá um tapa no rapaz, pinta a sua roupa e
manda ele engolir a tampinha. O rapaz, chorando e humilhado, prontamente engole
a tampa e é solto pelo pequeno grupo de justiceiros urbanos. Os vizinhos
comemoram a justiça feita e comentam o quanto o governo não garante nada e
seria bom eles se cuidarem. Ao fim, marcam uma cerveja na casa de Érico.
