Foi no mês de Julho de 2017 que a classe trabalhadora do Brasil tomou um dos mais duros golpes em toda sua história: aprovaram a “reforma” das leis trabalhistas. Processo muito problemático dado o contexto político em que acontece: um governo comprovadamente corrupto, que assume a presidência após um processo de impeachment altamente controverso e que, sem demora e sem nenhuma discussão ampla com a sociedade, aprova uma série de reformas baseadas em acordos de bastidores entre os que financiaram o golpe e aqueles que ocupam o senado e a câmara. Toda uma história de luta dos trabalhadores escoou pelos ralos do Senado. Em poucos meses, sonhos e projetos de pessoas que ergueram o país pelo suor e sangue de seu trabalho foram rasgados ao som do escárnio daqueles que julgam estar obtendo uma vitória contra o comunismo através da neoliberalização plena da sociedade.
Nós que trabalhamos nas clínicas, políticas públicas e em organizações/instituições sabemos bem o crescente adoecimento das pessoas devido ao trabalho. Se antes as queixas se relacionavam mais a questões corporais (como a LER), hoje o que tem ganhado espaço é a tristeza, suicídio e o pânico. A solidão e o assédio têm ingressado cada vez mais na vida dos trabalhadores e das trabalhadoras, que recorrem ao silêncio por medo da demissão e seus desdobramentos na vida pessoal. O assujeitamento, estratégia disciplinar devidamente explorada por Foucault, adquire forma mais perversa e se torna controle: através do isolamento, se fomenta a auto-cobrança e o individualismo – você é responsável por tudo, em especial o seu próprio sucesso ou fracasso numa empresa. Adoeceu? É fraco. Quer licença? Quer vadiar. Só falta atualmente um “Pede pra sair!”, à la Capitão Nascimento.
Ao mesmo tempo, o enfraquecimento do sindicalismo corrobora com o individualismo, ao ponto em que muitas pessoas preferem acreditar que o patrão lhes pagará o FGTS pelo salário do que recorrer ao sindicato para fazer o enfrentamento de situações problemáticas em seus trabalhos. A reforma agrava a lógica da selvageria quando enfraquece soluções coletivas e fomenta os acordos informais e individuais. Com o mínimo de crítica e pensamento aguçado, percebe-se que a relação empregador-empregado é uma relação eternamente desigual, de forma que em uma discussão 1 a 1 com o primeiro, não há dúvidas que quem sempre sairá perdendo é o segundo – se não for como indivíduo será então como classe. Que tipos absurdos e brutais de assédio moral e sexual irão brotar nestas “conversinhas” e negociações com os chefes ainda estarão por ser evidenciados, caso não morram calados na garganta daqueles que estão imersos na solidão imposta por ambientes de trabalho hostis. Da mesma forma, a competitividade acirrada entre pares, agora mediada por todo tipo de negociata com o patrão, vai agravar a desconfiança e o isolamento, de forma que as estratégias coletivas de defesa se tornarão doenças/problemas individuais e não mais colaboração para se manter no trabalho junto do outro. Não há o que comemorar com estas reformas, pelo menos para quem depende da venda da força de trabalho para subsistir. No que se refere à Psicologia, qualquer profissional que atualmente anda buscando um emprego sabe o quanto a profissão anda precarizada, algo que vai se agravar ainda mais com a terceirização das atividades-fim.
A “reforma” trabalhista é um chamado ao posicionamento da nossa categoria. É necessário reivindicarmos nosso código de ética, que preza pela construção de uma sociedade mais justa, pela saúde coletiva e por relações que não sejam desiguais. Aprovar a reforma é aprovar um ataque aos setores menos favorecidos da sociedade e fomentar, a longo prazo, problemas ainda maiores para a sociedade. Com quem firmas teu compromisso, psicólogo/psicóloga?
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