Fim de ano com Mário Quintana


Mais um ano que vai encerrando e 22 anos que vão se completando. Achei pertinente fazer alguma postagem neste blog a respeito disto. Para tanto, recorri ao poema de Mário Quintana - “O Tempo”.

Mais do que qualquer coisa este ano para mim foi o ano dos riscos. Foi o ano em que me deparei com alguns dos maiores buracos colocados na estrada que tenho construído até então, alguns dos desafios que pelo menos na aparência, seriam dos mais difíceis de se confrontar. E foi nesse ano que eu radicalizei: não haveria escolha além de bater de frente com todos estes obstáculos e arriscar. Arriscar superá-los, arriscar compreendê-los e, sempre, arriscar me machucar no processo de seguir meus ideais e meu coração. Houveram momentos destes, com os quais aprendi, e houveram momentos de glória e triunfos. Aprendi muito bem que viver é correr riscos, tomar certos passos que são difíceis, que nos trazem ansiedade e medo, mas que precisam ser dados.

Foi um ano que me trouxe muito prazer e alegria, assim como medo e incerteza. Mas acima de tudo foi um ano de conquistas. Foi o ano em que aprendi de fato que não deve haver motivo ou impedimento para que eu seja guiado por esse sentimento que vive dentro de mim, uma mistura de amor, utopia e guerra (aquele que mencionei em um poema colocado aqui).
Esse ano me deu no final das contas muita força. Força para aproveitar e força para construir algo novo e melhor todos os dias que virão.

Por isso, o poema de Mário Quintana. Pois no pano de fundo, é isso que nós temos: nossa vida e o tempo, que só vai. Enquanto a vida... essa uma hora para. Mas é nossa oportunidade de construir e de usufruir, sem medo de errar.



Um feliz 2012.

Crítica a saúde apolítica

Estou aproveitando estas férias para aprofundar um pouco mais meus conhecimento sobre saúde, em especial saúde coletiva. O texto que li e que desencadeou esta reflexão foi “Saúde e Meio ambiente”, de Minayo. A ideia é reivindicar a teoria sistêmica apresentada no texto para evidenciar a necessidade da superação, no profissional de saúde, do tecnicismo enfatizado na universidade e do pouco estímulo generalizado a ação e reflexão política, essencial quando se trata de promoção de saúde.

O texto de Minayo é dedicado a estudar a relação do meio ambiente e o debate de desenvolvimento sustentável com saúde. Para isso a autora apresenta a teoria sistêmica, elaborada por Ludwig Von Bertanffy em 1978. Não vou apresentá-la aqui de maneira integral, mas a proposta é um pensamento dinâmico e a superação de dicotomias e compartimentalização do conhecimento, apresentando a necessidade de que para entendermos os complexos fenômenos humanos e naturais devemos entendê-los sob a ótica de um contexto, de uma imprevisibilidade e de uma dinâmica em eterno movimento de transformação. A proposta é pensar a saúde desta maneira também, sendo ela a intersecção da relação entre comunidade, economia e ambiente. Para muitos, trata-se na verdade da interdisciplinariedade, a superação de uma ótica cartesiana de conhecimento e o avanço para um novo patamar científico e epistemológico, baseado no diálogo entre os conhecimentos. Aqui temos parte da sustentação do debate sobre a participação social no sistema de saúde, pois a construção de uma sociedade saudável perpassa pela participação dos indivíduos residentes nesta, não apenas como elementos efetivadores de ações de saúde como também parte essencial da formulação de um conhecimento necessário sobre saúde coletiva para o país. Até aí, temos a teoria muito agradável, beirando a clássica cena de olhos lacrimejantes de uma pessoa emocionada com a possibilidade de “uma transformação para um mundo melhor”, onde os pobres serão ouvidos e valorizados e toda aquela tendência humanista e assistencialista que sobrevoa a ingenuidade pequeno burguesa sobre mudanças sociais significativas. É sobre essa tendência que gostaria de tratar, pescando um dos elementos que certamente desencadeiam essa ingenuidade e que dificultam de fato uma práxis sistêmica, uma vez que um dos elementos centrais da teoria passa a ser negligenciado sistematicamente desde o nascimento da maioria dos brasileiros: o político.

Fato é que conseguimos ter quadros intelectuais muito bem formados hoje no ensino público superior. Temos um sem número de doutores e profissionais extremamente bem instruídos e capacitados a dissertar sobre todos aspectos técnicos, científicos e epistemológicos sobre uma série de fenômenos sociais e biológicos. EM contrapartida (e sei que os elementos que não se enquadram nessa descrição não vão incomodar-se com minhas alfinetadas), temos de maneira geral uma ingenuidade política disseminada entre grande parte deses sujeitos, que evidencia-se pela total ausência destes em espaços e discussões de cunho político e um desprezo enorme pela militância e participação na reivindicação de direitos e mobilizações sociais. Certamente não estou me referindo àqueles que não defendem a saúde coletiva enquanto meio de mudança social muito menos aqueles que ainda defendem concepções reducionistas de ciência de ser humano – estes, nos encontraremos vida afora e disputaremos diretamente estas concepções. A crítica aqui está justamente a todos aqueles estudantes (eu incluso), profissionais e professores que reivindicam este tipo de conhecimento e construção, mas de maneira contraditória comportam-se como fiz a referência acima, ignorando a necessidade do envolvimento e informação política e tendo seu centro em técnicas e teorias de maneira exclusiva. Há aí uma enorme incoerência entre a teoria que se defende e sua aplicação. Não vejo justificativa nenhuma que faça alguém instruído sentir-se confortável na posição de defensor de uma mudança social sem a experiência, a referência de um horizonte político claro e a prática política cotidiana dentro de suas limitações pessoais. Mais duro ainda deve ser o “puxão de orelha” em professores e profissionais, uma vez que configuram-se como elementos detentores de um certo poder sobre outras categorias e em sua tarefa de educação podem reproduzir a ingenuidade de uma teoria desvinculada da prática política.
      Isso nos faz atentar para o elemento que eu gostaria de fisgar aqui: a tendência tecnicista universitária, transfigurada na clássica “neutralidade” do conhecimento ou a “liberdade” para tudo que aparecer. Não é por acaso ou por maldade que temos a tendência a negligência política. Há na universidade hoje uma série de mecanismos que possibilitam a instrução de estudantes e futuros professores/profissionais na direção de uma educação “pura” e “técnica”, não havendo espaço para a política enquanto espaço de formação crucial para a criação de intervenções e conhecimentos significativos para a sociedade. Eu, certamente, acredito que isto não aconteça “à toa”, e que esses mecanismos referenciados estão ligados diretamente a estrutura universitária, a qual já explorei em postagens neste blog (saúde mental do estudante e alguns outros). As decorrências disso são profissionais de saúde que não constroem em seu cotidiano espaços políticos, não defendem publicamente os direitos dos cidadãos e lavam suas mãos diante da necessidade de um posicionamento político claro, acreditando que sua atuação esteja vinculada apenas em “ajudar o outro” ou generalizações do tipo. Para fechar esta crítica, quero trazer aqui a noção da necessidade de ampliação do conceito de “participação social” para “participação comunitária”. Para a autora é preciso termos uma ampliação deste conceito, e passar a tratar os fóruns e espaços públicos como comunitários, abertos a todos os setores sociais (inclusive empresariais). Acredito que só existam benefícios com esta concepção, mas atento apenas a uma consideração: tendo profissionais pouco preparados para a disputa e organização política (que é também sua função, enquanto profissionais de nível superior), temos a chance de que em espaços devidamente públicos os interesses privados tenham hegemonia nas decisões político-sociais sobre saúde, as quais, não há necessidade de termos nenhum pudor, representam uma série de retrocessos (vide a indústria farmacêutica). Agora, podemos ter uma série de benefícios, políticos e sociais, se os profissionais de saúde estejam preparados para construir e estimular a participação popular nestes espaços, enriquecendo-os e trazendo ganhos muito significativos não apenas em termos de decisões sobre a saúde mas também a necessária revitalização política para os brasileiros, etapa crucial para uma transformação social, bem como a defensoria pública dos interesses empresariais, os quais não ocorrem, ficando na surdina e fugindo de um controle social mais amplo e evidente (o que, novamente, só contribui para a deserção e um posicionamento incrédulo em relação a política).

Agora, fácil é estarmos na frente de um computador digitando este mundo de críticas e nada fazer. É tempo, mais do que nunca, de pensarmos como podemos alterar este cenário. Como hoje, os estudantes, professores e profissionais de saúde podem contribuir para a essencial construção integral de conhecimento e ação social? O primeiro passo, acredito, já está ocorrendo em algum grau. Primeiro é o reconhecimento e a formulação contínua de uma formação profissional que esteja vinculada diretamente as necessidades sociais vigentes no campo da saúde, bem como a superação de um modo pedagógico distante do estímulo da reflexão autônoma e construtiva, superando as noções puramente técnicas e que entre no âmbito da disputa política. O segundo, que é o mais desafiador, é inserir gradualmente a política como elemento central na vida da mulher e do homem enquanto cidadãos de uma democracia. Falo agora especificamente de onde estou inserido, que é o movimento estudantil. Como tornar a política e o debate em cima de uma democracia e participação social significativa em um ambiente onde temos a maior parte dos elementos direcionado a formação profissional como estritamente fundamentada nos livros e manuais sobre saúde, deixando de lado a necessidade da experiência política enquanto elemento fundamental para qualquer profissional da saúde, enquanto agente de mudanças na vida das pessoas? Não sei a resposta exata. Mas cabe a nós, na prática cotidiana e na militância, corrermos os riscos necessários e aprendermos, com a prática, o risco, a avaliação e o estudo constante superarmos a tendência a ignorância (no sentido de ignorar mesmo) política e tornarmos os espaços de decisão, disputa e elaboração políticas novamente interessantes no corpo estudantil enquanto um todo e não mais a um número seleto de iluminados e críticos da realidade, evitando assim a fatídica prática que tende ao extremismo e o isolamento da massa.

Espero que o texto tenha contribuído em algum grau para quem o leu. Sei que fui duro. A intenção era esta. Mas coloco aqui a todos que estão dispostos a correrem esses riscos e tentarem a construção de uma nova educação em saúde, que estaremos juntos, até o fim de meus dias, nesta intensa e difícil empreitada.

Trechos de amor

 Hoje acordei com saudades, olhei o dia agradável e dei um suspiro. Depois senti orgulho e por fim esbocei um sorriso tímido e leve de felicidade.
Aí depois de tomar meu café decidi colocar aqui no blog alguns trechos sobre amor. Extraí eles de uma de minhas histórias, onde o personagem principal desconhece o amor. São trechos mais ao final do "conto". Espero que tragam algum ganho a quem ler.

"....ele então lembrou de uma destas aldeias que haviam passado, e que conversara com o decano da aldeia. Este decano lhe falou sobre algo que nomeavam “Amor”. Ele já tinha ouvido falar, mas na sua terra isso não se exercia, era sinal de fraqueza e de estupidez.. loucura. Não era para ele. Segundo o decano esse amor é algo que você sente, é um estado de espírito. Deixava as pessoas tolas mas engrandecidas. Deixava os jovens corados e os casais mais velhos rindo a toa nas tardes de verão. Era a certeza da falta e a certeza da não falta. Era o doce, o amargo, o azedo e o salgado, tudo junto, que desencadeava no sabor mais esquisito mas ao mesmo tempo que a gente acabava achando super normal e gostoso (seja lá como essa mistureba possa ser bom!). Segundo ele o amor não tem tempo nem espaço. O amor é o amor. Ele é quando não precisa ser, ele aparece quando não se chama."

Ele então reflete ao final:

"É a saudade que nos movimenta e cria. É a segurança que nos levanta e ajeita e é o carinho que nos acalma e engrandece. Não é o trabalho em cubículos, não é a ignorância e a impessoalidade que levam uma sociedade para frente. É o afeto! Essa série de dilemas, contradições, dores e alívios... do início ao fim vivemos isso. Micro e macro. É todo esse movimento. O seu movimento... nos abraços, no cuidado e nos momentos bons e ruins. Foi ele que me transformou, ele que me deixou aqui hoje... gosto de você."

Freud explica.... (esse post e a reflexão final do personagem)

Mini-entrevista sobre política

  1. Eaí pessoal! Recentemente meu colega da Psicologia, pedro Rocha, falou-me sobre o trabalho que faz em um jornal escolar. Ele fez um convite a uma entrevista a ser publicada neste jornal, com o tema "política". Resolvi deixar aqui no blog também as respostas que dei, tentando respeitar o espaço do jornal e do texto hehe. 

    Abraços




    1- Para você, o que é política?
Pergunta difícil! Hehe. Para mim política remete a dois termos: organização e posicionamento. Organização no sentido de cidade, comunidade, país. Somos seres humanos em relação, construíndo todo dia nossa civilização através de nosso trabalho e estudo cotidiano, e quando fazemos isso nos encontramos, conversamos, dialogamos. Neste sentido vivemos em uma coletividade e que para essa coletividade exista temos uma série de ”acordos”, os quais direcionam e ajudam a edificar este cotidiano. Neste sentido estamos todos envolvidos nessa sociedade, por menor que pareça ser nossa contribuição! Quando eu digo “posicionamento” refiro-me ao fato de que, as vezes, esses “acordos” que temos necessitam de mudanças. Mudanças que favoreçam e estejam de acordo com a maioria, e como a sociedade se transforma é necessário que suas leis e seu funcionamento também se modifiquem para que possamos viver em conjunto e com direito a felcidade de todos. Para isso, precisamos nos posicionar, dizer o que queremos, irmos atrás daquilo que acreditamos. Política, portanto, em última instância significa pensar e transformar a realidade social de nosso país.

2. O que é o "movimento estudantil" e o que tem a ver com política?
O Movimento estudantil, como o próprio terma implica é a mobilização dos estudantes. Sendo mais preciso, a organização estudantil. Ela é feita principalmente através das entidades estudantis como: Centros Acadêmicos (CA), Diretório Central dos Estudantes (DCE), Grêmio Estudantil e Diretórios Acadêmicos. O Movimento estudantil tem tudo a ver com política, uma vez que significa os estudantes, juntos, tentando conseguir as mudanças sociais que gostariam. Aqui na ilha temos o movimento passe livre por exemplo, que embora não seja apenas estudantil tem um ampla aprticipação deste setor. O movimento estudantil é um dos mais importantes dentro de nosso país! Somos nós, os jovens, os mais capazes a radicalizar e tomar ações audaciosas na nossa sociedade, pois estamos longe de jogos de poder e interesse que impossibilitam muitos outros setores de saírem as ruas.

  1. Como acontece o m.e. dentro da UFSC?
O ME acontece de diversas formas dentro da UFSC. As mais evidentes são através das entidades dos CA's e do DCE, embora existam outros grupos que se organizam não necessariamente vinculados as entidades, embora seja de extrema importância que as entidades sejam a referência política dentro do corpo estudantil. Temos os CA's, que representam as mobilizações específicas de cada curso e o DCE, que tenta abranger o ME universitário como um todo.

4. Como voce acha que os alunos podem se politizar ou se mobilizar dentro de uma escola?

Acredito que a primeira coisa a ser feita é conhecer o seu grêmio estudantil. Participar das reuniões e pensar se ele tem sido bom para os estudantes, se tem feito as conquistas necessárias na escola. Em caso negativo, é preciso que apareçam outras alternativas, que se formem outras chapas e que se concorra o grêmio durante as eleições, de maneira que a chapa que se mostrar melhor preparada vença pelo voto da maioria. Independente do que for, o que importa é sempre construir a sua entidade, trabalhar para que ela fique forte e representativa dentro de sua escola. A partir daí, a prática política cotidiana e o estudo vão construíndo a tal “politização”.

Reflexões Políticas sobre o processo eleitoral no curso de Psicologia


      Em um momento onde vivo as eleições da reitoria da UFSC e acabei de passar por um processo eleitoral dentro de meu Centro Acadêmico fica inevitável que a reflexão contínua sobre a política não habite em minha cabeça. Vivendo em um país onde ainda a política (popular) é negligenciada e cotidianamente rechaçada- seja por políticos corruptos, que tiram a esperança de qualquer mudança ou seja por uma tendência relativista que reduz tudo a uma “liberdade de tudo” - se torna dever de qualquer militante que visa a mudança radical de nossa sociedade hoje reviver, ou melhor, potencializar a vontade política dos brasileiros e brasileiras hoje. Digo potencializar pois diferente de um discurso extremamente despolitizante sobre o brasileiro desinteressado e malandro na política tenho total crença que a ampla maioria da população brasileira, dos jovens aos mais velhos, tem interesse sim em questões políticas nacionais. Isso evidencia-se na criação de espaços significativos para discussões no cotidiano, onde as pessoas falam, reclamam e apontam soluções para seus problemas (melhores que muitas propostas de alguns vereadores espalhados por aí).
Dentro das eleições de meu centro acadêmico, sob o risco de ser taxado como “autoritário” tal qual como já fui por alguns docentes, tentamos superar cotidianamente a noção do “marasmo político” e do desinteresse. Fizemos de duas formas: primeiro pautando a discussão em cima de um programa claro de intenções e propostas dentro da entidade e segundo defendendo a ideia de que um Centro Acadêmico não só pode como deve posicionar-se claramente para com os seus estudantes – seja contra ou a favor de uma parte deles.

    Em relação a um debate sobre um programa: A política não se faz no abstrato, e embora seja necessária uma dose de utopia também não é sustentada apenas nela que ela se faz e se constrói. É preciso um programa político que traga as propostas e o horizonte de um grupo dentro da entidade de um Centro Acadêmico. Um programa político traz à tona uma série de debates, os quais destaco dois deles: 1) a disputa nas massas entre as chapas e 2) o horizonte político-ideológico do grupo que se propõe construir a entidade. Sobre o primeiro ponto, é essencial a discussão em cima de um programa político. Um programa político traz o caráter sério e a concretude da disputa de propostas dentro das massas, onde a vitória cabe àquele grupo que conseguiu melhor que o outro identificar o movimento que está em curso naquele momento, sabendo aproveitar-se dele da melhor maneira na direção de avanços políticos em relação aos estudantes e seu curso, que vai se expressar pela coerência de suas propostas e os avanços reais (conquistas da categoria) que elas vão proporcionar ao longo da gestão. Este processo de disputa legitima não só a gestão vencedora como a própria entidade; a gestão, que com seu programa eleito pela maioria passa a defendê-lo e fazê-lo valer a qualquer custo, e também a entidade, que pelo seu valor político passa a ser disputada cotidianamente pelos estudantes, que desejam ver seus direitos e vontades serem representados e reivindicados – ou quem sabe tomar eles próprios as rédeas da entidade através da disputa. Estes interesses mencionados não são nem devem ser homogêneos, mas são sim heterogêneos, que implicam divergências no corpo estudantil entre diversos grupos, e que devem ser expressas nas eleições. O segundo ponto tem relação direta com o que coloquei, visto que uma chapa defende um horizonte político que deve ficar claro. No caso das eleições para entidades estudantis, envolve a defesa de um projeto de universidade e um projeto de profissional. Novamente, o programa se faz necessário uma vez que explicita as intenções de um grupo que tem interesse em dirigir a entidade em disputa, deixando claro a que e a quem ela se propõe.
A segunda maneira que citei foi a do posicionamento, e que tem a ver com o que coloquei acima. Uma vez com um programa claro e defendido nas massas, esse programa eleito entrará em curso, e será reivindicado e defendido pela gestão uma vez que foram eleitos pela maioria com esta proposta - nada mais coerente a ser feito. Mesmo que isso vá contra um grupo ou três específicos, mas que se mostram como minoria nas eleições.

      Dentro do curso de psicologia este processo caracterizou para mim um enorme avanço e amadurecimento político dentro do curso. A necessidade de superarmos a ideia de que a democracia se dá pela liberdade de tudo e todos através da “convivência mútua dos diversos interesses” ou do discurso dos “direitos individuais” (como por exemplo “meu direito de ser machista com o outro”, que representa a perpetuação de uma relação de exclusão e poder incabível em uma sociedade justa) torna-se evidente. É ilusório que na vida pública possamos conviver com projetos políticos diferentes sendo atendidos ao mesmo tempo, isto tem sido evidenciado por Marx desde sua elaboração da teoria de classes. Existem projetos que se contrapõe e que jamais conseguirão sobrepor-se, pois defendem e perpetuam ideais muito diferentes de uma universidade, de um profissional psicólogo e de sociedade. Estas divergências devem estar sempre claras e o discurso da “convivência mútua de todos interesses” serve apenas para atenuar e mascarar o conflito existente entre os interesses de uns e outros, e outros e outros. Como experienciamos no processo eleitoral esse ocultamento leva mais a confusão e ao infantilismo político dentro do curso, ficando de lição inclusive para as gestões anteriores que furtaram-se, por suas limitações, de posicionar-se claramente em relação ao curso e a universidade. Devo mencionar o quanto é péssimo para a política do curso que outros grupos façam campanha justamente por uma noção política como esta (como uma campanha pelo voto nulo sem um contra-programa), certamente por terem um projeto político que tem pouco ou nenhum interesse como uma revolução na revitalização política da sociedade brasileira, e que certamente contribui para o enfraquecimento político da entidade, uma vez que ela não é disputada e sim anulada gratuitamente. Experienciamos como o conflito, diferente do que é pregado por tais correntes, mais amadurece que enfraquece a política dentro do curso, pois envolve a amplitude dos estudantes na escolha e na reflexão de um projeto que a categoria acredita ser o melhor para a sua entidade, não só pelo seu programa como também pela sua prática política. Isso é democracia, a escolha (e a direção) pela maioria de um projeto que se acredita ser o mais representativo para os interesses desta categoria, o que mais vai reivindicar e trabalhar em cima das necessidades dos estudantes. Ela passa pela escolha e eventualmente a negação (ou a superação) de outras propostas, as quais uma vez vencidas não devem ser defendidas pela chapa vencedora.

      O que concluo é que temos avançado politicamente em passos largos dentro do curso de psicologia da UFSC. O corpo estudantil se mostra cada vez mais preocupado e interado sobre sua entidade e isso é ótimo, um costume que devemos levar para sempre em relação a todos nossas entidades e órgãos representativos. É preciso porém ir além: utilizarmos do conflito político para renovarmos continuamente nossa maneira de fazer e participar da política, discutir representatividade e democracia mais a fundo, expor opiniões divergentes e dúvidas em relação ao que é feito dentro de nosso curso. É assim que acumulamos e é assim que juntos, enquanto estudantes, amadurecemos, nos formamos e vamos adiante profissionalmente na busca e na realização daquilo que temos como um projeto de mudança social. E sempre na construção de uma democracia plena e participativa, superando a ideia da política de gabinete, de troca de favores (como ocorre com alguns grupos de poder nas eleições da reitoria, como do candidato Paraná, onde se oferece um benefício material em troca de votos e campanha),de papo de corredor e de picuinhas por uma maneira de fazer política pública, participativa, disputada e construída com a ampla maioria dos votantes, que tomam as rédeas da decisão sobre sua entidade.

      Recuperemos o tesão pela política e pela mudança! Lutemos por nossos ideais e nossas perspectivas!

(tentativa de) Análise psicanalítica do livro: A morte de Ivan Ilitch


Recentemente engajei-me em uma campanha, “Bagé pela literatura”. A ideia, como o nome indica, é o auto-incentivo à leitura de mais livros relacionados a literatura, visto que desde que ingressei na graduação posso contar nos dedos de 1 mão quantos livros de literatura eu li. Então resolvi dar início a esta campanha e fui até a Biblioteca Universitária.

Dirigi-me a estante dos escritores russos, devido a constante citação deles por parte de alguns de meus colegas e também de autores que andei estudando este semestre. Inicialmente queria entrar na empreitada de ler “Os irmãos karamazov” de Dostoievski. Logo percebi que se tratava de uma obra extensa e que na BU existiam disponíveis apenas exemplares do volume II. Olhei pelas estantes procurando uma alternativa e percebi que havia um autor chamado Lev Tolstói acenando para que fosse visto. A escolha foi o livro “A morte de Ivan Ilitch”, aparentemente curto mas sem um grande atrativo para mim. O ditado “não se julga um livro pela sua capa” porém se fez verdadeiro quando finalizei a leitura deste livro...

O livro trata do percurso de vida do personagem principal, Ivan Ilitch. Desde sua juventude e ascenso na vida adulta e profissional até sua decadência social, afetiva e profissional atrelada ao seu adoecimento, finalizando com o prazer da morte. Ivan era um rapaz de destaque em sua faculdade de direito, arranja ótimo emprego, tem ótimas relações sociais e profissionais e é visto como promissor em todas as cidades que passa. À medida que vai crescendo profissionalmente e aumentando sua renda, decide-se casar com uma linda moça e vai viver no interior, onde constrói toda sua sustentação social e familiar. Passados alguns anos porém, no auge de sua casa própria e decorada pela família, felicidade e o advento de 2 filhos em conjunto do reconciliamento sentimental com sua esposa, Ivan passa a sofrer de diversas dores na região abdominal e dos rins. A dor vai piorando, evoluíndo e debilitando-o, fazendo com que tenha que deixar de trabalhar e passe a ficar isolado em um quarto da casa, deitado sob um divã, aos cuidados de um serviçal. Até que falece.

A história, aparentemente simples traz em si basicamente a experiência do indivíduo em relação à chegada da morte, o sentimento ambivalente de esperança e desesperança, negação e aceitação, dúvida sobre se se viveu bem e por fim o descanso e o perdão. A profundidade que o autor dá aos sentimentos de Ivan, que vai progressivamente passando por este estado de saúde-debilidade total nos faz sentir na pele do personagem, vivendo sua angústia em relação a incerteza do fim ou da cura. Mas o mais interessante de todo esse final trágico é o claro processo de luto que Ivan vive e o qual arriscarei, timidamente, analisar baseado no que andei lendo de meu caro amigo Sigmund Freud, seu artigo de 1916 “Luto e Melancolia”. Não vou me estender aqui explicando que é melancolia profundamente.

Para Freud, luto e melancolia dividem as mesmas características: perda de um objeto amado, sentimentos ambivalentes e, obviamente, a tristeza e a negatividade presentes. Há porém apenas um diferencial crucial entre luto e melancolia: o deslocamento da libido ora investido no objeto amado para o próprio eu da pessoa, caracterizando assim a melancolia e o extremo desgosto para com si mesmo. Não é meu foco nesse texto falar sobre melancolia, os interessados podem muito bem buscar na versão standard, volume XIV o artigo de Freud. Meu interesse é justamente no processo de luto. O luto para Freud é um processo normal, o qual vivemos e superamos gradualmente na medida em que vamos levando a vida, e que é caracterizado, como falei acima, pela perda real de um objeto amado (ou de um representante simbólico desse objeto). Essa perda se dá no plano consciente, e sua superação se dá dessa maneira justamente através da negação real de que esse objeto já não está mais materialmente acessível a nós. O que ocorre então é que a energia sexual outrora investida (catexizada) neste objeto não encontra mais sua vazão recorrente e necessita ser deslocada a outro objeto, ou alcançar outras maneiras de ser satisfeita. Importante lembrar que essa catexia não se dá apenas materialmente, no corpo do sujeito, mas está também relacionada a uma série de conexões ideativas e simbólicas entre o objeto e estes componentes, que carregam essa energia sexual.

É interessante observar em Ivan justamente esse processo gradual. A diferença porém é que o objeto em jogo é o próprio eu de Ivan, uma vez que passa a tomar consciência de que devido a sua doença sendo agravada a cada dia virá a falecer. Ao longo desse processo, vemos que Ivan vive uma série de afetos preparatórios para um luto e característicos deste, como o ódio e descaso do mundo ao seu redor, especialmente de sua esposa e de outros homens mais saudáveis que ele, acusando-os todos de insensíveis, ingratos e péssimos companheiros uma vez que vivem mentindo para si mesmos e para o próprio Ivan sobre o que está colocado: seu definhamento físico. Ivan passa também a isolar-se em um quarto da casa, evitando o contato com sua família, passa a chorar escondido com grande resistência e começa a ter uma série de lembranças sobre sua vida, tentando buscar a resposta: fiz valer minha vida? Dentre todas essas memórias, Ivan resgata momentos de sua infância (a qual, segundo ele, foi a única época em que teve muita alegria), seus bons momentos na faculdade, seu ascenso profissional e a felicidade conjugal inicial na vida do casal. Conclui ora que sua vida foi feliz, e não gostaria de perdê-la e ora questiona se realmente viveu como alguém feliz.

Podemos perceber em todo esse processo a tentativa gradual de preparação para sua própria morte, onde Ivan tenta lentamente como uma forma de defesa (uma de suas últimas demonstrações narcísicas talvez) desvencilhar-se de todos componentes ideativos e objetuais que remetem à sua vida (afasta-se da esposa, passa a odiá-la, afasta-se dos filhos, retoma uma série de ideias a cada noite que vai dormir e tenta analisá-las). Demonstra também grande afeto ambivalente, ora tendo fé que achará a cura e hora tendo plena certeza de que vai embora desta vida, novamente mostrando um pouco deste jogo de amor próprio e depois da conscientização de que este amor é tolo e logo irá morrer, não devendo apegar-se a ele. Em seus últimos instantes, Ivan conclui que de fato não viveu a vida de maneira 100% feliz, e que deve logo ir embora pois sua presença e seu sofrimento tem causado dor a sua esposa e seus filhos. Completando aí o deslocamento de boa parte de seu amor pelo seu eu para outros objetos, e tentando conscientizar-se de que não é merecedor da vida (novamente tirando o investimento sexual erótico sobre si), desvencilhando-se de a ideia de uma vida feliz e realizando o processo de desapego de todas conexões ideativas com seu histórico de vida que, talvez, tenha realmente sido uma vida feliz (pelo menos essa era a avaliação dele enquanto estava vivo e feliz do início ao meio do livro). É muito característico portanto este movimento onde a catexia amorosa de um objeto que está se perdendo ou se perdeu passa a ser deslocada a outros campos. No caso da morte de Ivan, como ele faz um movimento de retirar o amor narcísico de si, outrora alimentado em parte de sua vida, abrindo campo então para finalmente o momento de sua morte, onde tudo cessa e a pulsão de morte, finalmente, atinge sua satisfação com o último suspiro aliviado de Ivan. Outro ponto que vale a pena ser levantado aqui é a posição passiva de Ivan ao aceitar sua destruição e viver esse luto. A morte, que representa uma castração (definitiva pois cessa de fato o prazer da vida), é encarada de maneira passiva por Ivan, que deixa de rebelar-se contra “a injustiça da vida para com ele” e passa a entrar nesse processo de luto, tentando lidar com a iminente perda de sua vida.

Espero que tenha contribuído com algo através deste pequeno escrito. Reconheço que ainda tenho graves limitações em relação a uma análise psicanalítica do fenômeno psicológico. Mas vamos tentando...

Porra Freud


Lá estava eu, voltando pra casa de mais uma festa universitária na UFSC. Depois de vastas horas estudando e militando, chega a hora da saudosa cachaça de final de semana com a “rapaziada”. Depois, como de praxe, o regresso cambaleante para meu querido kit-net alugado e devidamente especulado pela corporação imobiliária ao redor de universidades federais.
De repente, em meio a minha odisséia dionísica (porque de homérica não teve nada) passo por um grupo de amigos discutindo (precisamente berrando, provavelmente depois de algumas cervejas) sobre psicanálise. Mas que caralho (opa!)! Essa merda me persegue até quando eu quero voltar pra casa?
Não quis dar atenção ao papo, tratei de ir pra casa logo. Mas em menos de 2 minutos já tinha escutado o nome de Freud umas 4 vezes e certamente não me surpreendi, já que é uma situação bem corriqueira dentro do meu curso – especialmente quando você anda acompanhado de um núcleo extremamente subversivo de estudantes. Mas enfim..

Enquanto subia a rua de meu apartamento já fui pensando: “Mas que sacana esse Freud, porque o cara fica aparecendo desse jeito pra mim?”
Abri a porta, tirei meus tênis e sentei em minha cadeira de estudos. Foi só olhar pra mesa da minha sala e lá estava o caso de neurose infantil que eu nem sequer tinha começado a ler... resolvi passar as mãos pelo meu rosto, ainda tonto, e olhei para minha mesa com meu notebook. Ufa... “pelo menos aqui nesse branco levemente empoeirado esse velho desgraçado não me incomoda!”
Mas pera aí!
Uma anotação... o resumo do texto “recordar, repetir e elaborar”. Que saco! E do lado um dos últimos xerox que havia lido sobre as “aberrações sexuais”. Só faltou ver um falo nas paredes brancas da sala, mas, felizmente (ou não) não estava nesse nível. Resolvi, então, que já me bastava por aquela noite. Arrumei-me pra dormir e quando fui deixar minhas roupas em meu criado mudo, me deparo com um livro! “Ah não!” pensei a mim mesmo... mas era meu querido Pablo Neruda, descansando em minha cabeceira apenas aguardando o momento certo pra ser lido e digerido de acordo com meu ritmo do momento. Suspirei tranquilo, até ver que ele repousava em cima de outro pequeno livro, de capa azul clara. Merda! Lá estava Freud e suas “5 lições de psicanálise”. Nem quando vou pra cama esse cara me dá um sossego?

Depois de ir ao banheiro, fingindo não estar afetado pelas consequentes aparições deste querido senhor em um curtíssimo período de tempo, vi que havia esquecido de pegar meu celular nas prateleiras de madeira grudadas na parede de minha “sala”.
Andei até lá, abaixei minha cabeça e avistei o celular na mesa. Rapidamente peguei-o e enquanto erguia minha cabeça, quase que em uma cena a la matrix, em câmera lenta, começa a aparecer em meu campo visual mais um livro de cor azul clarinha... “Oh céus” - pensei a mim mesmo. E lá estava ELE de novo... com suas Novas Converências introdutórias sobre psicanálise. Levei uma das minhas mãos prontamente a minha testa, conturbado com o que ocorria... rapdiamente dirigi-me a minha cama, não sem antes olhar para o lado e ver um texto de Lacan repousando sobre minha mesa de estudos!
Balancei a cabeça, deitei-me. Indignado com o que havia ocorrido dediquei cerca de 10 minutos para pensar sobre psicanálise e o que havia aprendido sobre ela até então, e como esse tal de Freud queria porque queria aparecer pra mim, insistindo de todas as formas.
Peguei no sono e dormi profundamente.

No outro dia, acordei extremamente disposto, algo incomum nas sextas-feiras as 6 da manhã. Fui a aula de psicanálise, adorei. Depois dei início ao estudo sobre a neurose e o resto do meu dia foi maravilhoso, sem o peso cotidiano comum.


O sentimento


Que sentimento é esse?
Ele me vem, me toma
Me move.

Quando sinto a natureza
E quando nela me sinto
Me vem, me toma
Me move.

Quando ouço música.
Quando danço livremente.
Me vem, me toma
Me move.

Quando vejo a alegria infantil.
Quando o futuro de um outro passa a virar também o meu.
Me vem, me toma
Me move.

Quando damos as mãos
E quando compartilhamos o mesmo sorriso mesmo no deserto mais seco
Me vem, me toma
Me move

Quando a roda se forma
E a alegria se compartilha
Me vem, me toma
Me move.

Quando a tristeza e a dor se evidenciam
Quando lágrimas e desesperança escorrem pelas bocas e olhos
Me vem, me toma
Me move.

Quando a corrupção e o descaso aparecem
Quando a hipocrisia e o cinismo tomam conta da realidade
Me vem, me toma
Me move

Quando o possível aparece como impossível
Quando a desistência e a derrota curvam a dignidade daqueles que são os mais dignos
Me vem, me toma
Me move

Me toma, Me move
Me transforma e transformo
Em fogo e paixão
Em grito e revolta

O sentimento é o sentimento
Não é um livro nem um autor. Não são palavras.
É a certeza não certa, o passo duvidoso.
Que me guia por uma caminhada incerta.

E nessa caminhada
o sentimento
se confunde
com consciência
E a consciência,
com O sentimento.

Saúde Mental do Estudante, universidade (e uma pitada de Reich)


 Olá pessoal. Na verdade isto não era um texto. Era uma série de apontamentos que havia feito para a participação que iria realizar no IX Encontro Catarinense de Saúde Mental, em uma roda de conversa com o tema "Saúde Mental do Estudante". participei como representando discente, através do Diretório Central dos Estudantes e realizamos esta conversa não só com convidados mas também com representantes da psicologia da Pró-reitoria de assuntos estudantis e um dos coordenadores da saúde de Santo Amaro. Tentei, ao final, usar o pouco que sei de psicanálise e Reich, na tentativa de um exercício intelectual mesmo, espero não ter cometido gafes :P
Busquei também dados sobre suicídio acadêmico, mas não consegui nada.

---------------------------------------------------


Em um momento onde temos ocupações de reitoria e em um espaço curto de tempo uma série de campanhas a respeito das políticas de permanência estudantil, tratar da saúde mental dos estudantes é algo crucial e que certamente está em pauta.
Acredito que podemos dividir este tema em dois eixos, que certamente se cruzam e estão sempre em diálogo: O eixo estrutural universitário e o eixo individual de cada estudante. Ambos estão relacionados ao bem-estar acadêmico e certamente relacionados a um fenômeno muito interessante que é o da evasão acadêmica, problema recorrente nas IFES e que na UFSC atinge uma média perto de 15% de suas vagas, o que está próximo de 3000 alunos que desistem da graduação em seu curso a cada ano.
Entrando agora nos eixos, temos o eixo individual, que abarca questões como: afastamento da cidade natal, amigos e da família, condições financeiras e transição de uma etapa da vida para a outra. Não irei me aprofundar nestes.
No eixo estrutural universitário temos: grades curriculares extensas, demandas, cobranças, competitividade por estágios/bolsas, restaurante universitário, biblioteca universitária, moradia estudantil, bolsas permanência e auxílios, festas universitárias e a qualidade de ensino. Nestes irei tomar mais tempo.
Primeiro é preciso pensarmos no perfil dos estudantes da universidade: temos muitas pessoas do interior que deixam sua família, amigos, namorados/namoradas para viver aqui na universidade, sozinhos e com a missão de se formarem. Diante disso é preciso afirmar que a universidade, uma vez constituindo-se como o ambiente em que o estudante provavelmente vai passar mais tempo durante sua graduação tem um papel crucial em garantir o bem-estar deste, que está sendo subsidiado pelo estado para que tenha uma educação de qualidade. É a partir daí que podemos avaliar algumas insuficiências da estrutura universitária em garantir o bem-estar discente dentro de seus muros. A falta de professores e de disciplinas, a qualidade de ensino, uma biblioteca confortável e com um acervo atualizado e suficiente estão diretamente relacionados a permanência e a evasão estudantil de muitos cursos, uma vez que são estruturas essenciais para a qualidade de ensino. Esta atua diretamente tanto na motivação quanto nas perspectivas profissionais do jovem que deseja estar bem qualificado para exercer seu trabalho, e uma vez que este identifique dentro da instituição problemas com sua educação certamente passa a questionar sua capacidade profissional, a qual fica muitas vezes agarrada na esperança de um diploma com o logo de uma universidade federal, na esperança de que isto seja um passaporte certo para um futuro profissional bem sucedido. O restaurante universitário, que oferece 2 refeições por dia ao preço de 1,50 cada tem um papel crucial na permanência estudantil e no bem-estar, porém, encontra-se hoje com as obras atrasadas e filas de extensão enorme, reflexo da expansão sem uma estrutura adequada através do REUNI. Aqueles que dependem exclusivamente do RU acabam por ser os mais penalizados, bem como os dependentes da moradia estudantil, que hoje conta com 156 vagas em um corpo estudantil presencial próximo aos 25 mil estudantes. Isto nos faz, inclusive, repensar o caráter público da universidade, que embora tenha um sistema de cotas ainda assim mantém seu caráter elitista, sutilmente marginalizando aqueles que não possuem condições materiais suficientes para segurar sua graduação pelos 4, 5 ou 6 anos necessários para fechar seu curso. A UFSC oferece o auxílio moradia, este cobre um valor pequeno (200 reais) comparado com a grande especulação imobiliária próxima a universidade, que não oferece nenhum quite-net abaixo de 500 reais. Outro ponto é a carência de vagas de estágios, que favorece a competitividade acadêmica entre os discentes. Estes encontram-se pressionados a terem as melhores notas dentre seus colegas para que possam ter um bom estágio. A competição pelo famoso IAA não só piora as relações com os colegas como também, em alguns casos, faz com que alguns estudantes, que por diversos fatores outros que nada tem a ver com sua capacidade intelectual (falta de dinheiro, problemas pessoais, insatisfação com as aulas, etc...) fiquem marginalizados neste processo meritocrático baseado em números, muito semelhante ao vestibular que mostra-se cada vez mais um critério ruim de seleção. É importante dar atenção a isto, pois a universidade, sendo um espaço micro dentro de um sistema econômico macro, reproduz este tipo de valor individualista, onde, novamente, acaba sendo pautada pela lei dos “mais capacitados” e não pela inclusão e acesso a uma educação de qualidade. Assim como o auxílio moradia temos também as bolsas permanência, onde, teoricamente, o estudante trabalharia em um regime de 20 horas semanais em uma área universitária relacionada a sua graduação. Isto não ocorre (e inclusive coloca alguns estudantes a realizarem a função de técnico-administrativos) e o número de bolsas não consegue suprir a demanda de universitários que necessitam de seu auxílio. O que acarreta também em evasão ou em casos de grande frustração e/ou tristeza, com um regime de gastos reduzidos para que se possa sustentar-se com o mínimo até o final de sua graduação. O valor da bolsa também é pequeno em relação ao custo de vida em Florianópolis, com um valor hoje de 364 reais e que só obteve aumento após a campanha e o ato Prata Receba meu Recibo na reitoria, com 700 estudantes reivindicando seus direitos de permanência.
Por fim, temos a questão das festas na universidade, que sofrem hoje um processo de provável proibição. Sabemos que grande maioria dos estudantes são jovens, que trazem em si grandes desejos de exploração, diversão e liberdade. A ilha de Florianópolis caracteriza-se como um local onde a maior parte de locais de eventos festivos estão espalhados pela geografia complicada da ilha e/ou filtrados por um sistema de preços que dificilmente possibilitam que um estudante possa visitá-los todo final de semana. Diante disto, a utilização do campus não só como local aberto para festas mas também para todo tipo de evento relacionado a arte e cultura mostra-se essencial para garantir o bem-estar de seus estudantes, que vivendo uma realidade deveras cruel, competitiva e opressora de suas vontades necessitam de espaços para exercer seu lazer e reestabelecer um novo ciclo de amizades, hora deixados para trás em sua nova etapa de vida. A universidade, por ser pública e aberta e estar próxima de grande parte do corpo estudantil que mora em seus arredores não só pode como deve ser, também, utilizada como espaço de diversão. Sua acessibilidade e espaço físico garantem que ocorra a socialização entre a própria comunidade acadêmica. Ou isso, ou o que resta a grande maioria dos estudantes são os bares aos arredores da universidade, que não assumem nenhum compromisso além de seu comércio. A grande justificativa para a proibição deste tipo de eventos é a utilização desenfreada do álcool. Esquecem-se, porém, que o estudante (assim como o trabalhador comum) sofre de uma rotina de vida massante, cansativa e em alguns graus frustrante, e que, com pouco tempo e opções de lazer tem como materialização de um momento de prazer a ingestão excessiva de álcool. Isto, como é apontado pela psicanálise pode claramente ser trabalhado através da criação de espaços alternativos para a realização sexual do indivíduo, através da arte, esporte, oficinas, eventos, produções, artesanatos, teatro e muitas outras possibilidades de oficinas que poderiam ser admitidas, maior divulgadas ou abertas novas turmas. A universidade não deve ser resumida a um professor, um quadro e 40 cadeiras com estudantes.

É interessante trazer aqui a reflexão que Reich traz em um de seus escritos, denominado “O que é consciência de classe” para pensarmos, talvez, por quê a universidade não se propõe a garantir um bem-estar pleno da juventude que a frequenta. Reich aponta a repressão sexual (no sentido psicanalítico) como a ferramenta essencial para a manutenção do status quo e da passividade e obediência da população. Em especial os jovens, que trazem em sí a revolta contra os pais (que podem ser representados pelas estruturas do Estado e da sociedade) e fortes energias sexuais, estes devem entrar na linha, através da repressão de todas suas pulsões sexuais, seja através das regras que proíbem ou dificultam seus relacionamentos amorosos ou da obediência da figura de um professor, sempre disposto a usar de seu poder para reprimir e colocar na linha qualquer jovem que se dê ao luxo de impor-se (utilizar-se de suas pulsões) ao que é colocado. Não é por acaso, inclusive, que o Movimento Estudantil, espaço onde se pode colocar esta revolta contra a estrutura de maneira mais focalizada e produtiva, seja prontamente rechaçado ou desmerecido pela instituição, normalmente colocando este como espaço de “vagabundos” ou “desocupados”. Para não mencionar a massante cobrança de trabalhos, prazos e notas, que exigem do jovem muita parcimônia para a sublimação destas fortes energias, que não sendo descarregas adequadamente podem certamente acabar em tristeza, depressão ou, em casos já notificados dentro de nossa própria universidade uma passagem ao ato de suicídio. Aí a importância também de um serviço como o do SAPSI, ainda insuficiente para a demanda de saúde mental acadêmica. Porém mais importante que isto certamente são as questões estruturais anteriormente levantadas, que podem realizar um trabalho até mesmo de prevenção. Não podemos deixar de mencionar, é claro, o papel que a universidade se propõe a executar dentro de um sistema capitalista. Esta não se propõe a educar com qualidade e garantir o bem-estar de seus estudantes, já que isto acarretaria em uma transformação do pensamento dos jovens e todos sabemos que isto representa um perigo para a ordem social vigente. Portanto, a instituição compromete-se mais com suas burocracias do que com seus estudantes, uma vez que estes, estando bem atendidos, irão propor-se certamente a pensar sobre a realidade brasileira que está posta em nosso cotidiano, uma vez que estarão livres de pensar se terão como comer direito amanhã ou se conseguirão tirar 10 nas próximas 4 provas para garantir um bom IAA.

Estas são as contribuições que tentei trazer com esta reflexão. Sei que são insuficientes, pouco aprofundadas mas ainda assim, acho que podem nos auxiliar em um pensamento.

Sobre a Universidade e seu momento


Há cerca de 2 meses atrás tinha início uma greve generalizada em meu país dos servidores e técnicos-administrativos de todas universidades federais. Apesar do fato estar dado, ainda assim o semestre em minha universidade continuou em plena “normalidade” (bem entre aspas pois não tínhamos mais restaurante, nem biblioteca e nem laboratórios de informática). Mas tudo bem, faz de conta que não deu nada errado pois o semestre já estava acabando. Hoje, passados mais de 60 dias o semestre tem início na Universidade Federal de Santa Catarina ainda com um ar de “está tudo bem”. Mas apenas o ar, pois em termos práticos a cada dia que se passa a continuidade das atividades letivas se mostra insustentável.

O Centro de Filosofia e Ciências Humanas, em decisão correta, optou por não dar início ao semestre letivo (mesmo com pressão por parte da reitoria) diante do desespero de alguns coordenadores de curso e as exigências de que se faça um trabalho que não faz parte de sua categoria. Durante esta semana de paralisação evidentemente não deixei de ir à universidade. Era necessário que os estudantes realizassem algo e também estivessem presentes nos espaços de esclarecimento e debate sobre a paralisação do centro de ensino. Há quem diga que as aulas ainda não começaram. Eu, pelo contrário, ví que elas tiveram seu início exatamente no dia 8 – porém não no formato tradicional de exposição dentro de uma sala de aula.

Foram poucos os momentos onde tive a oportunidade de aprender lições sobre política, cidadania e deliberação coletiva sobre problemas coletivos dentro de minha estimada instituição. Esta, pelo contrário, faz todo um movimento para que este tipo de aprendizagem seja minimizado ao máximo, com uma estrutura muito bem sistematizada para não estimular este tipo de aprendizagem. Seja pela burocratização extrema de espaços de deliberação político-administrativos ou pelo simples descrédito de atividades relacionadas aos movimentos sociais (como o movimento estudantil, MST e luta antimanicomial)., as quais são prontamente rechaçadas por alguns professores ou simplesmente não contam pontos em nenhum sistema da CAPS e do CNPq, fazendo com que professores não estejam impelidos em realizar trabalhos relacionados a isto e, consequentemente, não estimulando a comunidade acadêmica a ingressar em projetos de pesquisa ou estágios vinculados a este tipo de tema. Tema este essencial para qualquer formação de um profissional que tem sua graduação custeada pela população nacional e deve retribuir este investimento através da atuação de um profissional de ponta, disposto e preparado a alterar a realidade nacional em que nos encontramos e que, em grande parte, é marginalizada. E esta população, infelizmente, não é a que busca atendimento nas clínicas privadas, não é aquela que tem suas crianças em escolas particulares e, definitivamente, não recebe nenhum benefício justo de nenhum tipo de empresa privada. Pelo contrário: depende grandemente da estrutura pública que oferece diversos serviços essenciais onde o psicólogo se mostra necessário, e, nestes espaços a disputa política se faz presente, uma vez que está vinculada a um governo federal e recebe diretrizes e metas de todo tipo de programa. São espaços também, que uma vez de domínio público, estão vinculados a todo tipo de decisão que afeta diretamente a vida de muitas pessoas. E aí fica a pergunta: por que, então, a universidade brasileira negligencia campos de formação política de seus estudantes? O compromisso dela é a mudança da sociedade ou uma casa de saberes neutra, que embora custeada por todo dinheiro de uma nação está sempre colocada como um lugar livre e apolítico, sem compromisso com a transformação nacional e limitando-se em sua desculpa de que ao realizar uma SEPEX cumpre seu papel de “disseminar conhecimento”?

Diante de tudo isto afirmo: é tempo de pensarmos e, para sempre, repensarmos qual o papel da universidade na sociedade brasileira. Que ela esteja sempre movida pela energia da juventude e jamais atravancada pelos “velhos costumes” de ordens antigas, ordens estas nada comprometidas com os anseios da população brasileira.

Mas que Droga!

Mas que droga!

Andei parte da minha vida sem você
Mas resolvi te achar
Desde quando te conheci
Não consegui mais parar.

Mas que droga...

Primeiro foi a aparência
Depois foi o gosto
Aí virou um vício
em um processo muito louco

Mas que droga...!

Depois vieram as noites frias
sempre dispostas a me congelar
mas você sempre com esse calor
esse desejo de me esquentar

Mas QUE droga!

E quando me deixas
vem a dor e vem uma sede insaciável
mas que droga vinho
porque pra mim és tão rentável?

A Nota

Estava buscando poemas interesantes hoje. Encontrei este, do autor Ederson Peka que me pareceu muito bom. Me fez pensar, em especial, no movimento estudantil e portanto dedico ele aos estudantes da UFSC :)

A Nota

A nota, sem partitura,
De ouvido, de se expressar,
Sem tom, em qualquer altura,
(Pois o que importa é cantar!)
A nota, ninguém segura,
Se entoada com paixão;
A nota, sem lei, perdura,
(Pois o que importa é a canção!)
E alcança as vias da alma:
Leva à fúria e leva à calma;
Enleva, tinge, desbota,
Move, comove, inebria,
Por talento ou teimosia...
(Pois o importante é a nota!)
Ederson Peka

É possível a transformação da realidade?

Dia 18 de maio, abraço ao HU e eleições do Centro Acadêmico XI de Fevereiro. 3 eventos que marcaram este mês para mim.

Nestes três eventos pude vivenciar no concreto o ideal, o utópico e o que desde cedo muitos nos falam que é impossível ou coisa destes tais de “esquerdistas”: pessoas unidas transformando a realidade e contrapondo-se ao que é imposto a elas de maneira alienígena ao que acreditam ser o melhor para a sociedade.

No Dia 18 de Maio, via Coletivo Pira e Centro Acadêmico Livre de Psicologia foi possível a construção de um espaço inédito dentro da universidade: a inserção do movimento social da luta antimanicomial em seus muros impenetráveis da exclusão. Naquele dia, no projeto 12:30 pude ver na prática como um grupo de pessoas guiado por suas convicções e conhecimento pode mudar a realidade, transformá-la e afetar as pessoas de maneira profunda, que causa mudança, inquietação e um olhar diferenciado para o que no plano do superficial parece uma verdade absoluta.

No abraço do HU, o processo não diferenciou-se. Via Centro Acadêmico Livre de Psicologia, com um trabalho compartilhado dos CA's da Saúde foi possível que houvesse uma mobilização significativa em oposição à MP 520 que visava criar esta empresa “pública” para administrar os HU's. Uma iniciativa que brotou do alto grau de insatisfação dos estudantes diante deste absurdo e que culminou em um ato de cerca de 300 pessoas (dentre elas trabalhadores, usuários, estudantes... cidadãos brasileiros!) dando nada mais e nada menos que um ABRAÇO na estrutura do Hospital Universitário, simbolizando seu comprometimento com o que esta instituição significa para a população que utiliza o Sistema Único de Saúde. Não foi um acaso, uma obra do estino. Foi fruto da ação concreta de estudantes que reuniram-se exaustivamente para pensar e repensar estratégias de como se fazer algo em relação a isto.

Eleições do Centro Acadêmico XI de Fevereiro. Uma prova concreta de que é possível a mudança e que a mesma se dá através do conflito, da contradição e da proposição melhor ao que está em jogo. Não foi apenas um trabalho ideal, utópico. Foi o suor da chapa concorrente, fazendo passagens em sala, debates, vídeos, cartazes, etc... que possibilitou uma votação inédita em um centro acadêmico onde, até então, prevalecia-se um grupo específico de estudantes, já engessado em suas práticas políticas nada transformadoras.

Exponho aqui estes três eventos apenas para atentar e reforçar algo que cotidianamente não somos motivados a pensar (justamente porque a dureza da realidade se mostra contrária a isto): é possível mudar a realidade. É possível que pessoas possam debater e discutir os problemas que a cercam e que afetam suas vidas. É possível pensarmos grandes eventos, grandes momentos e grandes transformações no mundo. Não há utopia nisto pois é sempre algo realizável, algo paupável e que é possível de se atingir através de nada mais e nada menos do que o trabalho, o dispêndio de energia e a ação para que se concretizem estas ideias. É possível que o grupo e o coletivo possa propor, pensar e modificar a realidade. Aí pode-se dizer “Porra Bagé. Você vem falar de um atinho de 300 pessoas. Tudo bem, isso é fácil! Mas e mudar uma cidade? E um estado/ País? Mundo?”. Concordo. Não é a mesma coisa mas ainda assim é possível pois o processo, o pensar, reunir-se, fazer... é e sempre será o mesmo!

Desconheço a fórmula mágica para este sucesso. Porém tenho a certeza de que é no cotidiano, na tentativa, no correr riscos e no errar que estaremos nos aproximando cada vez mais da possibilidade de transformarmos de fato, o que vivemos e sentimos todos os dias.

Arte & Cultura - sua relação com o estudante de Psicologia da UFSC

Uma aula extensa, metafísica e chata. O professor falando, colocando mil ideias, viajando longe mas mesmo assim captando a atenção de alguns poucos. Boa parte da turma porém desatenta: não entendia, fazia que prestava atenção, tentava dormir, estava pensando na prova de sexta-feira, lendo seus xerox atrasados e todas estas outras coisas que só nós estudantes sabemos o sentido todo. Eis porém que surge uma atividade diferente: um teatro. A ideia era simples: interpretar livremente um sonho do professor podendo modificá-lo a bel prazer. Sorrisos e risos surgiram e a atenção foi captada. Em pouco tempo os estudantes que estavam bonitinhos e obedientes sentados em suas cadeiras em um quadradinho físico limitado logo estavam se levantando, sorrindo, de pé, movendo-se e ansiosos para fazerem a interpretação e o jogo de teatro. O teatro ocorreu (com direito a estudantes se atirando ao chão da sala) e em pouco tempo se restabelecia contato com o lúdico e os corpos e logo após toda turma estava engajada na discussão e aqueles que até então não haviam colocado-se dentro da aula passaram a expor até mesmo seus pontos de vista mais íntimos. O professor incluso. Ainda que dentro de uma lógica que se manteve abstrata, metafísica e girou em torno da interpretação de um sonho do professor a discussão fluiu, houve oxigenação e um tato de vida dentro da sala de aula que é estranho a qualquer pessoa que está desde o primário comprimido em uma cadeira e obrigado a escutar o discurso profético de um docente. Até mesmo eu, rapaz mais pragmático consegui compreender a lógica por detrás da teoria da qual anda me identifico e pouco entendo por vezes a linguagem.

… …. ….

Nos corredores do hall do CFH um grupo de estudantes trabalha artesanalmente na confecção de um grande cartaz branco composto por folhas brancas. Ao seu redor, as pessoas participam, dão opiniões, ficam animadas. Um varal começa a ser confeccionado também, com o trabalho e a arte de alguns estudantes do curso. Em pouco tempo o grande cartaz branco está pendurado no mural do curso, com duas canetas à disposição e uma simples sugestão: “Permita-se”. Em minutos o bendito cartaz estava rodeado de pessoas escrevendo coletivamente e divertindo-se em cima dele e em questão de 2 dias o grande cartaz branco encontra-se preenchido pelas mais diversas expressões, das mais disseminadoras do amor a até mesmo as mais agressivas, de desenhos e letras de música a até piadas com e sem sentido, versos, conselhos, questões políticas e até angústias. Um simples cartaz branco.

…. …. ….

Casos recentes dentro do curso de Psicologia da UFSC, do semestre 2011.1. Por que estou levantando isto? Para trazer à tona a questão da arte e da cultura como elementos essenciais na emancipação e educação do indivíduo e também em seu caráter integrativo e instrumental em termos da aproximação e da identificação de um coletivo de estudantes. Esta arte e cultura que frequentemente é reprimida, excluída e renegada (há excessões) dentro da academia e de certa forma da sociedade formalizada que temos em funcionamento hoje. Esta que é essencial na libertação das pessoas. A questão da arte e da cultura é ampla. Existe todo um debate em cima dela mas focarei aqui em duas coisas: primeiro como instrumento de emancipação dos corpos através do exemplo da sala de aula e depois em seus fins integrativos e formadores de laços dentro de nosso curso.

A questão da sala de aula
Desde que ingressamos na sociedade formal introjetamos diversas regras e normas que não só remetem ao nosso comportamento mas também aos nossos corpos. A instituição como a escola (e também a universidade) contribui muito para que nos mantenhamos em nossas “bolhas de conforto”, espremidos em nossas carteiras e escutando sem questionamento ou movimento a fala dos professores. Somos também expostos a regras que não nos permitem olhar nos olhos, tocar ou abraçar direito nossos colegas e gente próxima e não preciso dizer que se a distância entre bons amigos já é grande a de desconhecidos ou “semi-conhecidos” (aquele que você sabe que tá lá mas não sabe o nome e igual cumprimenta) é maior ainda. Neste contexto só nos resta trabalhar o intelecto, a mente, o cérebro. Este aprende e o resto fica de fora. Isto é dado de maneira tão recorrente que se torna natural, normal e como se fosse e será sempre desta maneira. Porém momentos como a aula que presenciei nos mostram que as coisas não precisam necessariamente ser assim. Pegando especificamente a atividade do teatro foi possível para que muitas pessoas dentro daquela sala de aula, através da utilização não só de sua cabeça mas de seus corpos e papéis pudessem compreender o raciocínio por detrás da teoria excessivamente metafísica e “viajona” que estávamos estudando. Em pouco tempo a alegria e a disponibilidade da participação dos estudantes apareceu e a aula tomou um rumo diferenciado (ainda que um tanto estranho dado a natureza da interpretação do sonho de um professor).
É evidente o papel crucial que uma atividade artística teve dentro deste contexto. Primeiro pois colocou os estudantes protagonizando a dinâmica da aula e inclusive do teatro; segundo porque colocou além dos ouvidos e olhos também o corpo a serviço do entendimento de uma teoria abstrata o que também remete a uma compreensão melhor do próprio corpo e, por fim, tirou as pessoas do marasmo e as colocou na posição criativa. Isto evidentemente pode ser atingido de outras maneiras mas a questão da arte trata isto de maneira mais simples e extremamente acessível. Ainda assim, se mantém longe do contexto acadêmico. O por que disto podemos conjecturar mas para mim é evidente que tal prática modificaria radicalmente a vida das pessoas e sua percepção sobre si mesmas, sobre suas relações e sobre seu papel e serviço dentro do curso de Psicologia e provavelmente em relação a sociedade e o modelo econômico vigente hoje.
O uso da arte e da cultura de sua maneira mais rústica e simples acaba por servir de um excelente instrumento que fomenta a aprendizagem e a autonomia do indivíduo (tanto é que algumas linhas de pensamento da psicologia usam isto) dentro da sala de aula. Sua importância fica evidente mas ainda assim se mantém distante do estudo sistemático dentro de nosso curso, mesmo sendo instrumento de extrema validez e eficiência na compreensão de sí e de sua relação com o meio ambiente em que está inserido. Que fique para os hippies e os pós-modernos, eles dizem!

Arte & Cultura e a integração do curso

O mural da livre expressão (que são simplesmente folhas de papel branco no mural) deixa evidente a importância de atividades como esta como diretamente proporcionadoras de um ambiente social e divertido entre os estudantes do curso. Novamente um instrumento simples se torna potente na transformação da dinâmica interna do curso de Psicologia da UFSC. Bastava chegar perto do mural para conversar com alguém – mesmo que com pouca intimidade – e logo escrever algo ou dar risada do que alí se econtrava. O melhor é que aqueles rabiscos, para o curso e para quem escreveu/desenhou nele ganham um significado único e de pertencimento. O mural porém não atua apenas como instrumento que cria condições de situações de aproximação entre os estudantes (isto desde sua confecção até a escrita nele) mas também deixa um espaço livre, individual, onde é possível expressar a coisa mais estranha, bizarra, sem sentido ou íntima sem haver um julgamento no ato. Dá a possibilidade de real expressão daquilo que talvez não ache meios convenientes de ser colocado para o coletivo de estudantes do curso. A disseminação da arte e da cultura em nosso curso, bem como a constante formulação de concepções próprias dentro do curso a respeito disso é de importância crucial para que não apenas comecemos a nos enxergar como um grupo maior (ainda que com nossas diferenças) mas possamos também nos conhecer das mais variadas formas. Isto inclui também as festas realizadas ao longo do semestre, a disseminação de um jornal próprio dos estudantes do curso, suas produções, etc...
Quantas condições da formação de laços e vínculos não são suscitadas por atividades como esta?

A arte e a cultura são, portanto, essenciais para a organização estudantil. Sua linguagem proporciona graus de liberdade e autonomia dos quais a linguagem formal e a simples exposição não conseguem sempre contemplar. Precisamos estar mais atentos a este tema pois a lógica pragmática vigente tende a suprimir e denegrir este tipo de atividade taxando-a com diversos adjetivos que a diminuem e alienam toda possibilidade de compreender atividades como estas como possibilidades e superação do “normal” e do “cotidiano”. Deve ser, inclusive, tema de debate para nós como futuros psicólogos pois sua utilidade é imensa na compreensão e análise de relações estabelecidas consigo e com o meio bem como sua modificação e quantidade de benefícios que porporciona.

Verso

QUeria escrever algo mais artístico, um poema. Mas meu talento nesse quesito infelizmente é baixo e nada saiu de interessante.
Deixo portanto um verso para refletirmos:


Do rio que tudo arrasta se
diz que é violento
Mas ninguém diz violentas as
margens que o comprimem
Bertold Brecht




Pra mim, uma relação muito grande com a loucura e um apontamento para analisarmos os atos contra a tarifa de uma ótica não criminalizante.

Reforma Psiquiátrica e os estudantes de Psicologia

 (Texto Originalmente feito para o jornal PSIU! do Centro Acadêmico Livre de Psicologia)


Loucura.
Quando se fala esta palavra o que lhe vem à cabeça? Pense por um instante.
Quando se fala em louco ou loucura logo temos uma enxurrada de imagens e ideias. Muitas dessas idéias surgem como convenções sociais, culturais e históricas produzidas acerca do tal do “louco” e o que ele representa na sociedade contemporânea.
A associação mais recorrente é a do “doente mental”, através de incapacidade, estupidez, invalidez, improdução, etc... O fato é que no curso de Psicologia da UFSC surgiu a necessidade de avaliarmos e repensarmos o ser humano e suas relações entre seus iguais e o mundo para que avancemos em uma discussão crítica a respeito da nossa atuação enquanto futuros psicólogos.
Portanto, falaremos da questão do “louco” e da proposta que o Sistema Único de Saúde traz como maneira de superar as concepções e as maneiras desiguais de se lidar com a loucura e o indivíduo “louco”.

SUS e Reforma Psiquiátrica

Diante da realidade que os hospitais psiquiátricos/manicômios exibiam e também as formas desumanas de se realizar um processo terapêutico com os “loucos”, viu-se a necessidade de estabelecer uma nova forma de lidarmos com a loucura e a saúde mental em nosso país. A reforma, porém, não surge do nada ou acontece sozinha. Suas propostas vêm em conjunto com toda uma reformulação no sistema de saúde pública em nosso país, aparecendo dentro da proposta geral do Sistema Único de Saúde (SUS), instituído em 1988.
O SUS e toda sua concepção é o fruto não só da ação de trabalhadores e intelectuais, mas da contribuição direta de diversos movimentos sociais, que, identificando as insuficiências do acesso a saúde e das consequências disto no bem-estar social prontamente elaboraram propostas e trabalharam em cima destas. Ele abrange não somente reformulações físicas e burocráticas do sistema de saúde, mas também propõe novas maneiras da relação profissional-comunidade, tentando superar moldes de pensamento reducionistas e enxergando o ser humano em sua formação integral, como parte de um sistema que engloba muito mais do que o seu biológico mas sua relação com a sociedade e o momento histórico onde está inserido.
Os três princípios básicos do SUS são integralidade, eqüidade e universalidade. Não é intenção deste texto aprofundar demasiado no SUS, porém, existem maneiras de se aprofundar nestes temas com outros estudantes e estas, estarão colocadas mais ao final.
Dentro do contexto de uma reformulação do sistema do saúde e da situação precária da atenção à saúde mental existente se fortalece o movimento da Reforma Psiquiátrica. Este movimento bebe diretamente de outras iniciativas internacionais como o movimento italiano de Franco Basaglia contra a institucionalização e a superação dos manicômios como forma de tratamento. Um dos cernes da reforma psiquiátrica é a desinstitucionalização: o fim dos manicômios e sua substituição gradativa por uma rede substitutiva de assistência à saúde mental. Esta rede inclui a efetivação dos Centros de Atenção Psicossocial, trabalhos na atenção básica (postos de saúde) de prevenção e participação comunitária, residências terapêuticas e outros mecanismos onde se possa superar a internação a marginalização e o isolamento do indivíduo e tentar realizar um trabalho que garanta autonomia dos usuários e possibilite sua reinserção na sociedade e na comunidade onde vivem colocando estas também como autores do processo.

Movimento da Luta Antimanicomial

O movimento no brasil consolida-se em 1987 com a organização do movimento da Luta Antimanicomial formado por usuários, profissionais e familiares relacionados a saúde mental. O movimento garante e formula propostas para a reforma psiquiátrica e sua efetivação. A importância do movimento está nos que o compõem: usuários e familiares. Quem o compõem são as pessoas que normalmente dependem ou utilizam ou trabalham com o SUS, ou seja: são as pessoas que vivem e viverão diretamente as mudanças propostas, como elas estão sendo feitas, se são boas ou não, contemplam a população, etc...
A luta antimanicomial, portanto, existe para assegurar que a reforma seja efetivada como se propõe tentando superar não apenas a instituição manicômio mas sim a lógica manicomial que está presente tanto na sociedade como em diversos profissionais. A lógica manicomial engloba o que está em xeque de ser superado: a concepção do louco como incapaz, isolamento como forma de tratamento, o ser humano como um objeto ou uma doença e toda uma série de posturas que não condizem com a proposta emancipatória de se enxergar o usuário e a sociedade que o SUS traz.
O movimento tensiona portanto nesta direção, tentando garantir que as propostas substitutivas não se tornem apenas mecanismos mais sutis de isolar aqueles que são diferentes ou manter a sobreposição de saberes. Entra aqui também a importância de sua extensão sendo importante estar presente dentro de espaços formadores de profissionais (como a universidade) para levar a questão e a discussão da reforma psiquiátrica aos futuros profissionais, tentando dar um toque de realidade a posição distante da que normalmente a universidade e suas grades curriculares tomam em relação ao que se passa no plano prático nacional das políticas públicas de saúde. Algumas iniciativas já foram tomadas em plano nacional neste sentido como o I Encontro Nacional dos Estudantes Antimanicomiais que aconteceu em Porto Alegre em 2010 tentando organizar o movimento estudantil e sua relação com a saúde pública.

O que o curso de Psicologia da UFSC tem a ver com isso?

Os saberes da Psicologia em conjunto com muitas outras áreas contribuíram e muito para a formulação e contribuem também para a consolidação da Reforma Psiquiátrica.



Porém, em que momento nosso curso pára no 18 de maio, (dia da luta antimanicomial) para debater saúde mental? Por que não temos acesso facilitado (seja por informações ou por subsídios materiais por parte do curso) para visitarmos os CAPS? Por que tantas poucas vagas nos PET's? Qual nossa relação com os outros estudantes das áreas da Saúde? Existe alguma pós-graduação em nosso curso relacionada a Saúde Pública ou Saúde Mental? Quando ao decorrer da graduação nos deparamos com a “loucura” sem ser por iniciativas individuais ou, com sorte, nos estágios obrigatórios? Quando em nossa graduação podemos sentar com familiares e usuários para discutir o SUS? Estamos, realmente, trabalhando para superação de uma lógica ou maneira reducionista de se enxergar o homem ou apenas transmitindo informações mas pecando na prática e na efetivação concreta desta transformação?

O movimento entende que a reforma deve acontecer na prática e não apenas na teoria. Ainda que a Psicologia na UFSC tenha conseguido avanços nesta questão (graças ao Pró-Saúde) ainda é necessário mais que 2 cadeiras obrigatórias. É preciso avançar na prática, inserir o estudante no cotidiano da reforma psiquiátrica (este raciocínio aplica-se a todas outras áreas que nossa profissão engloba), visitando postos de saúde, hospitais e a rede como um todo.

E agora, José?
Acreditamos na capacidade do estudante de formular e propor maneiras de se reconfigurar a universidade e o seu funcionamento. Para isso existem entidades como o Centro Acadêmico Livre de Psicologia e muitas outras, como um espaço de fomentação e formação de perspectivas para nossa graduação e a universidade. O estudante que estiver interesse em organizar-se em torno da saúde e sua relação com nossa graduação está convidado a participar junto com tantos outros dessa construção. O CALPSI portanto convida os estudantes a participarem destes espaços:

  1. Do coletivo Pira! Que organiza a luta antimanicomial dentro da universidade e discute temas relacionados à nossa formação e à saúde pública, bem como elabora atividades que possam trazer este debate à universidade. As reuniões acontecem nas segundas-feiras as 18:30 até as 20:30 na sala 302 do CFH.
  2. Participarem dos Centros Acadêmicos da Saúde (CASA) do qual o CALPSI faz parte. O CASA é composto por outros centros acadêmicos dos cursos da saúde e tem a intenção de debater e realizar atividades relacionadas a integração e discussão de saúde entre os cursos como por exemeplo as Jornadas da Saúde, Cervejada da Saúde, Acolhimento integrado dos calouros, entre outras... A participação está aberta via CALPSI, basta aparecer nas reuniões Gerais.